Mehmet Suat Eygi, pai da ativista turco-americana Aysenur Ezgi Eygi, morta por disparos israelenses na Cisjordânia ocupada, em 6 de setembro, reiterou que a filha “não aceitava injustiça”, em conversa com a agência Anadolu.
“Não importava seu idioma, religião, raça, gênero ou ideologia política — fosse de direita ou de esquerda —, ela estaria lá para oferecer ajuda”, destacou o pai em luto. “Minha filha não deixaria a distância a impedir de ajudar. Iria a qualquer canto do mundo. Enquanto as crianças de sua geração aprendiam a se maquiar, Ayse lutava por direitos humanos”.
Mehmet agradeceu o Estado turco por seu apoio “em cada etapa” após o assassinato, ao notar suporte no processo legal.
Em lágrimas, o pai recordou como a filha lhe contou da decisão de ir à Cisjordânia.
“Ayse me avisou que iria à Palestina. Tentei dissuadi-la por meses, conversamos todos os dias, mas ela jamais mudaria sua cabeça. Eu lhe disse, se você realmente, vá em fevereiro ou março”, detalhou. “Não pude convencê-la, mas pedi que me prometesse que, caso as coisas ficassem perigosas, voltaria para a casa”.
Ayse passou então pela Jordânia, Jerusalém e Ramallah.
“Durante uma conversa em Seattle, tentei novamente convencê-la a não ir, mas ela disse que conhecia o perigo, que sabia que estava indo a um lugar onde há gente que sabe bem como matar. Foi então que ela me disse: Eu vou, papai, as pessoas precisam saber o que está acontecendo”.
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Mehmet preconizou a possibilidade de uma bala perdida, ao que teve como resposta: “Se eu morrer, que seja servindo um propósito”.
Ayse, morta aos 26 anos de idade, contudo, inspirou outras pessoas em nome da justiça, reconheceu o pai: “Recebi uma carta a minha filha [com autor desconhecido]. Quando li, chorei sem parar, porque há meninas nesse mundo que quererem seguir sua iniciativa”.
Assassinada em protesto pacífico
Antes de seu assassinato, Ayse viajou à Cisjordânia para participar de ações em apoio à resistência civil palestina contra a ocupação israelense, de acordo com o Movimento de Solidariedade Internacional.
Em 3 de setembro, a ativista turco-americana seguiu a um protesto pacífico na cidade de Beita, perto de Nablus, contra os avanços dos assentamentos ilegais na região.
No dia 6, Ayse foi vitimada por um tiro intencional de um franco-atirador israelense, posto sobre um telhado próximo às manifestações. Testemunhas reportaram um tiro na cabeça, ainda distante do epicentro dos protestos.
A ativista foi levada a um hospital local, porém declarada morta.
As missões diplomáticas da Turquia em Tel Aviv e Jerusalém coordenaram a transferência do corpo a Baku, no Azerbaijão, para então viajar à cidade turca de Izmir, onde o Instituto Médico Legal realizou uma autópsia.
A autópsia revelou que a bala entrou na caixa craniana por debaixo da orelha.
Ayse detinha ainda cidadania americana.
Na quinta-feira (12), a Turquia lançou uma investigação sobre o assassinato, conforme as leis nacionais.
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O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e sua vice e candidata democrata na eleição de novembro, Kamala Harris, lamentaram o incidente, ao descrevê-lo como “inaceitável”, e apontar a Tel Aviv “que faça mais para assegurar que incidentes como esse nunca mais ocorram”.
“O disparo que levou à sua morte é inaceitável e traz dúvidas sobre a conduta de agentes das Forças de Defesa de Israel [FDI; sic] na Cisjordânia”, declarou Harris.
Os parentes de Ayse, porém, pediram contato direto, além de um inquérito independente também por parte do lado americano.
Para a família, em nota, “descrever sua morte como acidente é ser cúmplice da agenda de Israel de tomar terras palestinas e encobrir o assassinato de uma cidadã americana. Que sejamos claros — uma cidadã americana foi morta por um disparo deliberado de agentes militares estrangeiros”.
Para o Movimento de Solidariedade Internacional, o pronunciamento de Biden equivale a “hipocrisia”, à medida que, na prática, sua gestão concedeu as armas ao agente colonial que assassinou a ativista.
O coletivo acusou Washington de fugir de sua responsabilidade ao aderir a investigações israelenses, maculadas por “uma prática de longa data do exército ocupante de encobrir seus crimes”.
“Contudo, não é novidade”, reiterou. “Em 2003, os Estados Unidos nada fizeram contra os assassinos israelenses da cidadã americana Rachel Corrie. Mais recentemente, de novo, em relação a palestino-americanos como Shireen Abu Akleh”.
Amado Sison, outro cidadão americano baleado por Israel durante protestos em Beita, no último mês, observou: “Meus impostos como professor provavelmente pagaram pela bala que atravessou meu corpo”.
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Segundo o Movimento de Solidariedade Internacional: “A violência de Israel é financiada e sustentada pelos Estados Unidos. Honrar a memória de Aysenur requer total mudança de políticas, a começar por investigações transparentes e independentes e se estender a um embargo de armas”.
Ataques de colonos e soldados israelenses na Cisjordânia se intensificaram nos últimos 11 meses, no contexto do genocídio em Gaza.
No enclave sitiado, são ao menos 41 mil mortos e 95 mil feridos, além de dois milhões de desabrigados. Na Cisjordânia, são 700 mortos, 5.700 feridos e dez mil presos em situação arbitrária, em uma campanha que dobrou a população carcerária palestina.
Em 19 de julho, o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), sediado em Haia, reconheceu, em decisão histórica, a ilegalidade da ocupação israelense nos territórios, ao instar a retirada de soldados e colonos e reparações aos nativos.
Rabia Birden, a mãe de Ayse, reafirmou previamente que sua filha era uma ativista devota pela paz e direitos na Palestina ocupada, que perdeu a vida enquanto trabalhava por uma causa justa.
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“Ayse era cheia de alegria e paixão, sempre buscando a paz. No entanto, foi martirizada”, comentou a mãe, devastada pela perda da filha. “A única coisa que peço é que busque justiça pela minha filha. Que seu sangue não tenha sido derramado em vão e que aqueles responsáveis sejam devidamente punidos”.
“Seguiremos com os meios legais até o fim. Não quero que mais Ayses sejam mortas, não quero que suas famílias sofram”, acrescentou.