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Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

Lula discursa em NY, cita Palestina, critica fraqueza da ONU e pede reforma do Conselho

Lula fala à ONU [Presidência da República]

Logo na abertura do discurso, Lula saudou a delegação palestina, presente pela primeira vez na história da sessão de abertura da Assembleia Geral. “Dirijo-me em particular à delegação palestina, que integra pela primeira vez esta sessão de abertura, mesmo que ainda na condição de membro observador. E quero saudar a presença do presidente Mahmmoud Abbas”, disse Lula. Foi intensamente aplaudido.

Na sequência, ao citar a difícil aprovação das recomendações do Pacto do Futuro, debatidas no dia anterior à abertura da assembleia, Lula destacou o “paradoxo” vivido pela atual composição estrutural e decisória da ONU. Lula voltaria a citar a necessidade de reforma do organismo multilateral ao longo do discurso, para fazer frente às “mudanças vertiginosas” vividas pelo mundo.

“Adotamos anteontem, aqui neste mesmo plenário, o Pacto para o Futuro. Sua difícil aprovação demonstra o enfraquecimento de nossa capacidade coletiva de negociação e diálogo. Seu alcance limitado também é a expressão do paradoxo do nosso tempo: andamos em círculos entre compromissos possíveis que levam a resultados insuficientes”.

O presidente brasileiro atacou a primazia dos gastos com armamentos, em detrimento do combate às desigualdades e às emergências climáticas: “Testemunhamos alarmante escalada de disputas geopolíticas e de rivalidades estratégicas. 2023 ostenta o triste recorde do maior número de conflitos desde a Segunda Guerra Mundial. Os gastos militares globais cresceram pelo nono ano consecutivo e atingiram 2,4 trilhões de dólares. Mais de 90 bilhões de dólares foram mobilizados com arsenais nucleares. Esses recursos poderiam ter sido utilizados para combater a fome e enfrentar a mudança do clima. O que se vê é o aumento das capacidades bélicas. O uso da força, sem amparo no Direito Internacional, está se tornando a regra”.

Guerras

Além de citar o conflito na Ucrânia e no Oriente Médio, Lula ressaltou as guerras no Sudão e no Iêmen, que já atingem 30 milhões de pessoas, seja por morte, fome ou deslocamentos forçados. Sugeriu à plateia que a proposta de paz preparada pelo Brasil e pela China para a guerra entre a Rússia e a Ucrânia continua sobre a mesa.

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Lula criticou duramente a extensão da guerra no Oriente Médio e alertou para a possibilidade de um conflito generalizado. “Em Gaza e na Cisjordânia, assistimos a uma das maiores crises humanitárias da história recente, e que agora se expande perigosamente para o Líbano. O que começou como ação terrorista de fanáticos contra civis israelenses inocentes, tornou-se punição coletiva de todo o povo palestino. São mais de 40 mil vítimas fatais, em sua maioria mulheres e crianças. O direito de defesa transformou-se no direito de vingança, que impede um acordo para a liberação de reféns e adia o cessar-fogo”, afirmou o presidente.

Mudanças climáticas

Ao abordar a questão climática, Lula não se furtou aos problemas enfrentados neste momento pelo Brasil, ao mesmo tempo em que destacou os esforços que seu governo tem feito para superá-los.

“Estamos condenados à interdependência da mudança climática. O planeta já não espera para cobrar da próxima geração e está farto de acordos climáticos não cumpridos. Está cansado de metas de redução de emissão de carbono negligenciadas e do auxílio financeiro aos países pobres que não chega. O negacionismo sucumbe ante as evidências do aquecimento global. 2024 caminha para ser o ano mais quente da história moderna”, disse.

Ao citar o Brasil, Lula falou das enchentes no Sul e aos incêndios florestais, e afirmou: “O meu governo não terceiriza responsabilidades nem abdica da sua soberania. Já fizemos muito, mas sabemos que é preciso fazer mais”. Citou o aspecto criminoso dos incêndios no país: “Além de enfrentar o desafio da crise climática, lutamos contra quem lucra com a degradação ambiental. Não transigiremos com ilícitos ambientais, com o garimpo ilegal e com o crime organizado”, afirmou.

Lula assegurou que o Brasil vai zerar o desmatamento até 2030 e defendeu que as populações indígenas e dos territórios afetados sejam ouvidas e façam parte das decisões sobre o clima. Lula destacou também que o Brasil passou a desenvolver combustíveis renováveis há cinco décadas, quando o mundo ainda não priorizava o tema.

Cuba, Haiti e extremismo de direita

Lula afirmou ser inaceitável que Cuba continue a figurar em lista de países terroristas e que por isso enfrente sanções e isolamento. Lembrou que o Haiti necessita de esforço dos países e da ONU para estabelecer a “inadiável” ordem pública e empreender um processo de reconstrução.

Ao falar de democracia, Lula defendeu que provisionar o que as populações precisam para viver bem é algo imperativo, inclusive para responder a aventuras extremistas ou a teorias ultraliberais: “No Brasil, a defesa da democracia implica ação permanente ante investidas extremistas, messiânicas e totalitárias, que espalham o ódio, a intolerância e o ressentimento. Brasileiras e brasileiros continuarão a derrotar os que tentam solapar as instituições e colocá-las a serviço de interesses reacionários. A democracia precisa responder às legítimas aspirações dos que não aceitam mais a fome, a desigualdade, o desemprego e a violência”.

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Lula continuou: “No mundo globalizado não faz sentido recorrer a falsos patriotas e isolacionistas. Tampouco há esperança no recurso a experiências ultraliberais que apenas agravam as dificuldades de um continente depauperado. O futuro de nossa região passa, sobretudo, por construir um Estado sustentável, eficiente, inclusivo e que enfrenta todas as formas de discriminação”.

O líder brasileiro ressaltou que o baixo crescimento econômico da América Latina precisa ser enfrentado, inclusive com cooperação internacional, para garantir a tarefa distributiva e de justiça social que cabe às democracias.

IA e plataformas anárquicas

Lula defendeu que as plataformas digitais e a tecnologia de inteligência artificial precisam de regulação nos planos nacionais e internacionais. “O futuro de nossa região passa, sobretudo, por construir um Estado sustentável, eficiente, inclusivo e que enfrenta todas as formas de discriminação. Que não se intimida ante indivíduos, corporações ou plataformas digitais que se julgam acima da lei. A liberdade é a primeira vítima de um mundo sem regras”, destacou. “Elementos essenciais da soberania incluem o direito de legislar, julgar disputas e fazer cumprir as regras dentro de seu território, incluindo o ambiente digital”, completou, em clara referência a episódios como a recente recusa do X em obedecer a legislação brasileira.

Sobre a inteligência artificial, o presidente chamou a atenção para o potencial destruidor de um mecanismo concentrado na mãos de poucos e com uso sem regras: “Que respeite os direitos humanos, proteja dados pessoais e promova a integridade da informação. E, sobretudo, que seja ferramenta para a paz, não para a guerra. Necessitamos de uma governança intergovernamental da inteligência artificial, em que todos os Estados tenham assento”.

“Plano Marshall às avessas”

Em referência ao plano de reconstrução da Europa recém-saída da 2ª Guerra Mundial, Lula disse que, 79 anos após, o que o mundo testemunha atualmente é um “Plano Marshall às avessas”, em que as regras financeiras forçam países e setores mais empobrecidos a enriquecer continuamente uma pequena parcela do mundo.

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“As condições para acesso a recursos financeiros seguem proibitivas para a maioria dos países de renda média e baixa. O fardo da dívida limita o espaço fiscal para investir em saúde e educação, reduzir as desigualdades e enfrentar a mudança do clima. Países da África tomam empréstimo a taxas até 8 vezes maiores do que a Alemanha e 4 vezes maior que os Estados Unidos. É um Plano Marshall às avessas, em que os mais pobres financiam os mais ricos.  Sem maior participação dos países em desenvolvimento na direção do FMI e do Banco Mundial não haverá mudança efetiva”, frisou Lula.

Reforma tributária global e a fome

Em contraponto ao sistema que criticou, Lula defendeu novas regras que tributem as grandes fortunas, de modo a financiar parte do enfrentamento aos desafios mais urgentes do planeta. “Enquanto os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável ficam para trás, as 150 maiores empresas do mundo obtiveram, juntas, lucro de 1,8 trilhão de dólares nos últimos dois anos. A fortuna dos 5 principais bilionários mais que dobrou desde o início desta década, ao passo que 60% da humanidade ficou mais pobre. Os super-ricos pagam proporcionalmente muito menos impostos do que a classe trabalhadora. Para corrigir essa anomalia, o Brasil tem insistido na cooperação internacional para desenvolver padrões mínimos de tributação global”.

Líder reconhecido mundialmente por sua luta contra a fome das populações, Lula deu destaque ao desafio de erradicar a subnutrição. “O número de pessoas passando fome ao redor do planeta aumentou em mais de 152 milhões desde 2019. Isso significa que 9% da população mundial (733 milhões de pessoas) estão subnutridas. O problema é especialmente grave na África e na Ásia, mas ele também persiste em partes da América Latina. Mulheres e meninas são a maioria das pessoas em situação de fome no mundo”, denunciou.

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Lula insistiu que a fome é uma questão sobretudo política: “Pandemias, conflitos armados, eventos climáticos e subsídios agrícolas dos países ricos ampliam o alcance desse flagelo. Mas a fome não é resultado apenas de fatores externos. Ela decorre, sobretudo, de escolhas políticas. Hoje o mundo produz alimentos mais do que suficientes para erradicá-la. O que falta é criar condições de acesso aos alimentos. Este é o compromisso mais urgente do meu governo: acabar com a fome no Brasil, como fizemos em 2014”.

Reforma da ONU e mulher na Secretaria-Geral

Lula defendeu que a ONU precisa de amplas mudanças para adaptá-la ao mundo contemporâneo. Mas o fez ressaltando a importância do organismo internacional. O presidente, em retrospectiva, lembrou que, no entanto. a ONU está defasada:  “Prestes a completar 80 anos, a Carta das Nações Unidas nunca passou por uma reforma abrangente. Apenas quatro emendas foram aprovadas, todas elas entre 1965 e 1973. A versão atual da Carta não trata de alguns dos desafios mais prementes da humanidade. Na fundação da ONU, éramos 51 países. Hoje somos 193. Várias nações, principalmente no continente africano, estavam sob domínio colonial e não tiveram voz sobre seus objetivos e funcionamento”, afirmou.

Lula foi novamente aplaudido pelo plenário ao defender equilíbrio de gênero nos cargos de direção da ONU e reclamar da ausência de uma mulher no cargo de Secretaria-Geral: “Inexiste equilíbrio de gênero no exercício das mais altas funções. O cargo de Secretário-Geral jamais foi ocupado por uma mulher”. Neste momento, as câmeras destacaram a presença da primeira-dama Janja Lula da Silva na plateia. Próxima a ela, estavam também os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara, Arthur Lira, além do assessor especial da Presidência da República, Celso Amorim.

O presidente brasileiro conclamou a ONU a se renovar e manter-se à frente dos desafios globais. “Estamos chegando ao final do primeiro quarto do século XXI com as Nações Unidas cada vez mais esvaziada e paralisada. É hora de reagir com vigor a essa situação, restituindo à Organização as prerrogativas que decorrem da sua condição de foro universal. Não bastam ajustes pontuais. Precisamos contemplar uma ampla revisão da Carta”. Em seguida, Lula propôs mudanças concretas:

  • a transformação do Conselho Econômico e Social no principal foro para o tratamento do desenvolvimento sustentável e do combate à mudança climática, com capacidade real de inspirar as instituições financeiras.
  • •a revitalização do papel da Assembleia Geral, inclusive em temas de paz e segurança internacionais.•
  • o fortalecimento da Comissão de Consolidação da Paz.•
  • a reforma do Conselho de Segurança, com foco em sua composição, métodos de trabalho e direito de veto, de modo a torná-lo mais eficaz e representativo das realidades contemporâneas.

Agência Gov.

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Palestina: quatro mil anos de história
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