Após o início dos bombardeios intensos contra o Líbano, a partir da última sexta-feira (20), notam-se algumas reações de setores da chamada “comunidade libanesa” no Brasil. Ao contrário do que tenta nos relatar a mídia corporativa – incluindo a própria Globo e seu comentarista pró-Israel Guga Chacra –, a percepção dos quase dez milhões de árabe-libaneses no país é muito mais de resistência do que de “conciliar” com o colonialismo.
Nas doze horas anteriores a escrever este artigo, busquei algumas dessas vozes, de forma anônima ou pública. Vejamos as posições que defendem incansavelmente a Resistência Libanesa como aliada estratégica da Libertação da Palestina. O centro dinâmico da mais recente imigração libanesa se concentra nas famílias de credo xiita. Por razões óbvias de discrição e ao optar pelo trabalho de formiga, conversamos com um membro da comunidade shia libanesa de São Paulo, que preferiu não assinar.
A análise é muito assertiva, tão direta como profunda. Sugiro leitura atenta:
Não há dúvida que quando o Líbano sofre uma agressão, é vítima de algum efeito da natureza ou é objeto de qualquer outra situação que cause comoção social, as entidades libanesas, cada uma no seu nível de percepção ou de ligação com o evento ou as vítimas, se sensibilizam e se mobilizam com o intuito de prestar solidariedade, apoio e até promoverem articulações políticas, diplomáticas e sociais em pró dos interesses libaneses.
Essa é a imagem macro. Porém, quando a imagem é focada no micro, notamos que as artificiais divisões internas libanesas, ainda que fomentadas pelo estrangeiro, estabelecem uma conexão com as entidades na imigração, onde seus membros se sensibilizam mais ou menos de acordo com as vítimas e, às vezes, até em relação ao algoz.
Não deveria restar sombra de dúvida que Israel é um projeto que não só usurpa a Palestina, mas tem no seu DNA a busca pela hegemonia em o Oriente Médio, pois é, em apertada síntese, a posto avançado do capitalismo na região e a base forte da defesa dos seus interesses. Ocorre que muitos libaneses, e isso, por consequência, se estende à imigração, não tem a percepção necessária e a dimensão do perigo que Israel representa para os povos e soberanias dos países do Oriente Médio, onde muitos veem no conflito árabe-israelense um mero desentendimento fronteiriço, que pode ser facilmente resolvido com um acordo de traçado de fronteiras, algo exponencialmente distante da realidade.
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Em virtude do sequestro da percepção ou da miopia geopolítica, como no Líbano, a imigração se comporta conforme seu grau de entendimento do perigo existencial que representa Israel para a região, da sua insaciável fome expansionista e da usurpação da soberania e riquezas dos países árabes.
Assim sendo, ainda que movidos pela honestidade e sentimento de defesa dos interesses da pátria mãe, as ações das entidades libaneses são desarticuladas e desordenadas, pois não há uma unidade de percepção e reconhecimento do perigo que Israel oferece e isso prejudica o alcance do interesse maior, que deveria ser a constituição de um lobby libanês, que, em face da sua pujança financeira, social e política, poderia ser o porta-voz das demandas libanesas no seio político financeiro.
Outro centro dinâmico das comunidades árabes no Brasil é Manaus, a capital do Amazonas, onde a representação política inclui o senador Omar Aziz (PSD), de origem palestina (já entrevistado por este portal). Conversei com Anwar Assi, jornalista e um dos porta-vozes da comunidade libanesa do Amazonas.
Vejamos o nível de engajamento percebido no norte do país.
Os libaneses e descendentes que moram em Manaus, no Amazonas, assistem com preocupação as agressões israelenses contra o Líbano e a Palestina. O jornalista brasileiro de origem libanesa, Anwar Assi, chegou a testemunhar ao vivo um bombardeio israelense que foi realizado, nesta terça-feira, 24 de setembro, contra um prédio situado no subúrbio sul da capital libanesa Beirute. O ataque aéreo ocorreu por volta das 7h50 do horário do Brasil (14h50 em Beirute) e atingiu uma área residencial.
O jornalista falava por videochamada com parentes no Líbano, que também são brasileiros, quando ouviu o som de caças israelenses. “Em seguida, vi uma fumaça saindo do local atacado. Infelizmente, Israel mostrou mais uma vez sua face assassina ao mundo ao atacar de forma indiscriminada civis libaneses em áreas distantes das zonas de conflitos”, disse Anwar Assi ao portal de notícias Panorama Real.Na segunda-feira, 23 de setembro, Israel assassinou em poucas horas mais de 550 civis libaneses (números atualizados pelas autoridades libanesas), incluindo dezenas de mulheres e crianças, ao atacá-las dentro de suas casas, escolas, carros e até quando fugiam pelas estradas num claro ato de genocídio. “Esses ataques covardes contra civis libaneses precisam ser detidos e condenados veementemente. Israel está cometendo crimes contra a humanidade. É inaceitável que Israel envolva os civis na guerra e desconte suas frustrações em mulheres e crianças por não conseguir derrotar o Hezbollah e o Hamas”, avaliou o jornalista, que já morou no Líbano e é conhecedor dos conflitos no Oriente Médio. Nesta quarta-feira (24), Israel voltou a assassinar dezenas de civis libaneses.
Já a União Libanesa postou em seu perfil na rede social Instagram três cards com os seguintes dizeres. Em um deles disse: “Repúdio aos pagers que explodiram no Líbano. Explodir pager e celulares contra civis libaneses é um crime de guerra. É um ato de covardia e genocídio. Total solidariedade com o Líbano, Gaza e a Cisjordânia”. Em outra postagem afirmou: “A paz é urgente! Stop the war! Pelo fim das agressões ao Líbano e fim do genocídio em Gaza e na Cisjordânia”. Na postagem seguinte, outra arte com os mesmos dizeres.
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Como era de se esperar, a posição dos clubes sociais com apelo ao “Monte Líbano” é simplesmente nula. Consultei o Clube Monte Líbano do Rio de Janeiro, o de São Paulo e o de São José do Rio Preto. As Sociedades Libanesas de Pelotas e Porto Alegre tampouco dizem nada. O Clube Libanês de Belo Horizonte igualmente não tem uma postagem sequer pedindo paz ou algo semelhante.
A posição das igrejas da diáspora foi igualmente desapercebida. A Eparquia Maronita do Brasil realiza o mesmo silêncio dos clubes sociais citados acima. Já a Arquidiocese Ortodoxa Antioquina de São Paulo e Todo o Brasil, apesar da conduta correta e pública de sua liderança, não colocou nenhuma publicação quanto aos bombardeios supremacistas assassinando crianças árabes. Na mesma condição, a Eparquia Nossa Senhora do Paraíso, compreendendo todo o território brasileiro para a comunidade greco-melquita, assim como as demais eparquias, não se pronunciou.
A Sociedade Beneficente Islâmica de Foz do Iguaçu (para a coletividade libanesa) realiza cerimônias religiosas e se mantêm solidária e atenta aos mais de 60 martirizados de sua comunidade nesta campanha de bombardeios sionistas. Nesta mesma posição, o Jornal do Líbano cumpre seu papel jornalístico e de representação da comunidade e traz postagens de capa com valor notícia e manchetes relevantes.
Como se nota no primeiro depoimento deste texto, as posições díspares no Líbano se refletem nos setores organizados no Brasil. Teremos mais textos analisando o tema e, portanto, como nas palavras acima, o assunto não se esgota. A certeza é de que após as derrotas de 2000, 2006, 2009 e 2011, o Estado sionista realmente vai ter de fazer seus cálculos se vale a pena invadir o território além do Rio Litani. Hoje o destino de toda a população libanesa está intrinsicamente vinculada ao povo palestino e a libertação da terra do Rio ao Mar, de Gaza à Galileia.
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