Dois eventos históricos sobre a ocupação israelense na Palestina transcorreram nos dias 19 de julho e 18 de setembro. O primeiro é uma “opinião consultiva”, mais abrangente, do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), com sede em Haia, que reiterou que a ocupação de Israel na Palestina é ilegal e deve acabar imediatamente. O segundo, dois meses depois, deu-se quando a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou, pela primeira vez em sua história, um cronograma exato para que a ocupação de Israel na Palestina chegue ao fim.
Muitos palestinos celebraram o consenso internacional que basicamente declarou nula qualquer tentativa de Israel de tornar permanente o que alguns ainda caracterizam como uma ocupação militar meramente temporária. Ainda assim, nem todos saíram em festa — sobretudo porque a comunidade internacional se mostrou ineficaz em dar cabo da guerra catastrófica de Israel contra os palestinos de Gaza ou materializar as resoluções prévias a esse respeito.
A imprensa israelense praticamente ignorou ambos os eventos, enquanto a grande mídia corporativa no Ocidente insistiu em ressaltar que tanto o veredito de Haia quanto a nova quanto a nova resolução da ONU são “não-vinculativas”. Isso é verdade. Entretanto, como destacou o ex-relator especial das Nações Unidas John Dugard, vinte anos atrás, as leis e convenções sobre as quais se baseiam essas decisões são, sim, “vinculativas”, como é o caso da Quarta Convenção de Genebra.
Embora também seja verdade que a lei internacional sem aplicação é efetivamente inútil, não devemos nos apressar em concluir que as mais recentes determinações de Haia e da Assembleia Geral não merecem pausa para ponderação. Para apreciar a importância de ambos, devemos colocá-las no devido contexto.
Diferente da opinião consultiva de 2004, também emitida pelo TIJ, a deliberação de 19 de julho não se limita a um aspecto específico da matéria — isto é, a ilegalidade do chamado Muro do Apartheid na Cisjordânia ocupada. A mais recente decisão da suprema corte das instituições globais resulta, contudo, de uma solicitação bastante precisa da Assembleia Geral, de 20 de janeiro de 2023, para que opine “sobre as práticas de Israel que afetam os direitos humanos da população palestino nos territórios palestinos ocupados — incluindo Jerusalém Oriental”
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Além disso, Haia chegou a suas conclusões após ouvir testemunhos de representantes de 52 países e três organizações internacionais, em pleno apoio às demandas históricas do povo palestino por libertação, justiça e respeito às leis internacionais.
Então, há ainda o fato de que a opinião do TIJ tocou em numerosas questões, sem deixar qualquer espaço para supostos erros de leitura por parte de Israel e dos Estados Unidos. Por exemplo, reivindicou que Israel dê fim a sua “presença ilegal” na Palestina ocupada e “retire suas forças militares; encerra a expansão de seus assentamentos; evacue todos os colonos das terras ocupadas; e demula as partes de seu muro da separação construídas dentro da Cisjordânia ocupada”.
A opinião do TIJ dá cabo a anos de triunfos israelenses em marginalizar a causa palestina, com rigoroso apoio de Washington, que, na prática, admite a “soberania” israelense sobre as terras árabe-palestinas ilegalmente ocupadas.
Se o tribunal em Haia apertou o botão de reinício sobre a ilegalidade da ocupação militar israelense na Palestina, a Assembleia Geral fez o mesmo para o campo político. De fato, a Resolução A/ES-10/L.31/Rev.1 das Nações Unidas, de 18 de setembro, arrematou sonhos e delírios de Israel de que seria capaz, por meio da força, da ameaça e do cansaço, de dar fim a qualquer discussão sobre sua ocupação em Gaza, Cisjordânia e Jerusalém.
A nova moção “exorta Israel a cumprir a lei internacional, ao retirar suas forças militares; encerrar todas as atividades de assentamentos; evacuar todos os colonos radicados nas terras ocupadas; e desmantelar partes do muro da separação construídas na Cisjordânia ocupada”.
Mais importante é o fato de que 124 países votaram a favor, com apenas 14 contrários, ao separar mais uma vez aqueles que creem na primazia da lei internacional como solução dos conflitos e aqueles que preferem negligenciá-la. Vale observar ainda que as Nações Unidas estabeleceram um prazo para a ocupação israelense terminar: “Não mais do que 12 meses a partir da adoção desta resolução”.
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Segundo a lei internacional, ocupações militares têm, por excelência, de ser temporárias, regulamentadas por numerosos tratados e acordos legais, incluindo a Quarta Convenção de Genebra. Israel, não obstante, busca perpetuar algo provisório.
Caso a ocupação militar israelense não acabe dentro do cronograma especificado pelas Nações Unidas, Israel estará então em transgressão da lei internacional em — digamos — dois contextos distintos: aquele de todas as resoluções aprovadas anteriormente sobre a matéria, incluindo as opiniões de Haia, e também esta nova resolução.
A ênfase da imprensa corporativa no elemento “não-vinculativo” dessas deliberações de natureza global tampouco, de maneira alguma, altera a ilegalidade da ocupação de Israel nos territórios palestinos ou afeta a unanimidade da comunidade internacional no que se refere ao direito do povo palestino em lutar contra a colonização e suas injustiças.
Resoluções das Nações Unidas são meramente uma expressão do equilíbrio de poder na arena global. Deste modo, vale notar que a Palestina e seus apoiadores não esperam que um texto deferido em Nova York ou na Holanda, seja vinculativo ou não, convença Israel a desistir de seu controle militar sobre Cisjordânia, Gaza e Jerusalém.
Em último caso, a Palestina não será libertada por resoluções da ONU. Da maneira como vejo, serão os palestinos a libertarem a si mesmos. Entretanto, a posição da comunidade internacional permanece importante, à medida que reitera a legitimidade da causa, abre espaço à solidariedade e isole cada vez mais o regime colonial de apartheid, radicado em Tel Aviv, por suas insistentes violações da lei internacional e dos direitos consagrados do povo palestino.
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