Pela primeira vez em cinco anos, o Supremo Líder do Irã, aiatolá Ali Khamenei, comandou as preces de sexta-feira na Grande Mesquita Mosalla, no centro de Teerã, em sua primeira aparição pública desde que seu país disparou 200 mísseis a Israel, na terça-feira (1º), em resposta à invasão ao Líbano e ao assassinato de líderes locais.
A escalada sucedeu uma quinzena de ataques intensos de Israel contra cidades e aldeias libanesas, a partir de atentados terroristas atribuídos ao Mossad que explodiram pagers e walkie-talkies nas ruas do país.
A Guarda Revolucionária do Irã justificou a bateria pelos assassinatos de Ismail Haniyeh, chefe político do grupo palestino Hamas, em 31 de julho, em Teerã — onde estava para a posse do novo presidente Masoud Pezeshkian —, e Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah, em Beirute, em 27 de setembro.
Desde então, lideranças israelenses ameaçam uma tréplica, fomentando temores globais de uma deflagração em âmbito regional e mesmo internacional.
Khamenei prometeu aos milhares de presentes na mesquita que o Irã “não procrastinará, tampouco apressará seus deveres” em confrontar os avanços de Israel. “Não agiremos de maneira irracional, tampouco impulsiva. Nossas decisões serão tomadas de acordo com nossa liderança política e militar”.
Nas ruas, milhares de iranianos manifestaram apoio, alguns com bandeiras palestinas — muitos com bandeiras verde-amarelas do Hezbollah libanês. No púlpito, foi instalado um retrato de Khamenei ao lado de uma fotografia de Nasrallah.
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“As políticas adotadas por nosso inimigo buscam semear divisão dentre os muçulmanos”, advertiu o líder xiita. “Estes de que falo são os mesmos inimigos de palestinos, libaneses, egípcios e iraquianos. São os inimigos dos povos da Síria e do Iêmen”.
Em nome do chamado “eixo de resistência”, Khamenei insistiu que os povos têm o direito de se defender de agressores, ao descrever como “legais e legítimos” os recentes ataques balísticos do Irã e operação transfronteiriça do Hamas, em 7 de outubro — com a captura de colonos e soldados israelenses no chamado envelope de Gaza.
“Todo e cada país, todo e cada povo tem o direito definitivo de se defender contra a brutal tirania”, declarou o aiatolá, ovacionado.
“O povo palestino tem o direito legítimo de se defender — de se insurgir àqueles que lhes cometem crimes, as forças ocupantes”, acrescentou Khamenei. “Não há uma única corte ou organização internacional que possa culpar os palestinos por defender sua terra”.
Khanenei reconheceu a possibilidade de uma guerra regional, mas pediu união dos povos islâmicos neste entremeio. Na segunda parte de seu discurso, Khamenei falou em árabe e não persa — ou farsi, idioma oficial do Irã.
Segundo Khamenei, o maior problema enfrentado hoje por toda a região é a ingerência de potências estrangeiras em apoio a Israel. No entanto, reafirmou que a onda de agressões israelenses do último ano “fez o regime sionista voltar 70 anos no tempo”, lutando por sua sobrevivência como na época de sua criação — em 1948, mediante limpeza étnica.
Aos libaneses, o aiatolá pediu que não se desesperem e mantenham a resistência.
Khamenei destacou ainda que dezenas de lideranças iranianas foram assassinadas dentro de meses em 1981, incluindo o presidente, no contexto da contrarrevolução à República estabelecida dois anos antes, mas que isso somente fortaleceu o Estado.
A aparição do aiatolá — após dias em um “lugar seguro” — reforça um tom de desafio da liderança iraniana frente às ameaças de Israel.
Seu discurso pareceu mobilizar também um sentido de reconciliação regional, após uma década de atritos entre Teerã e países vizinhos — sobretudo a Arábia Saudita, com a qual normalizou relações neste ano sob mediação da China.
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Nesta semana, o presidente iraniano Masoud Pezeshkian viajou a Doha, capital do Catar, para participar da Cúpula de Diálogo e Cooperação da Ásia, com a missão de elucidar as ações do Irã em encontros com o emir catari, Tamim bin Hamad al-Thani, e o ministro de Relações Exteriores da Arábia Saudita, Faisal bin Farhan, entre outros.
Nesta manhã, o ministro de Relações Exteriores do Irã, Abbas Araghchi, chegou a Beirute pelo aeroporto Rafic Hariri, apesar de uma madrugada de bombardeios, a fim de se reunir com o premiê libanês Najib Mikati e o presidente do parlamento Nabih Berri.
Hezbollah e Israel trocam disparos transfronteiriços desde outubro último, no contexto do genocídio israelense em Gaza, com mais de 41.800 mortos, 96 mil feridos e dois milhões de desabrigados em um ano.
No Líbano, Israel matou ao menos 1.947 pessoas, além de 9.400 feridos neste período — destes, cerca de mil mortos e três mil feridos em apenas dez dias, desde 23 de setembro. Estima-se ainda 1.2 milhão de libaneses deslocados à força.
O exército israelense mantém ainda bombardeios esporádicos a Síria e Iêmen.
Analistas advertem há meses que somente um cessar-fogo em Gaza — e agora no Líbano — podem conter uma guerra regional.