Um ano de genocídio em Gaza: as posições da América Latina

Membros da comunidade palestina no Chile participam de um protesto em frente à Embaixada de Israel contra as operações militares de Israel em Gaza e em apoio ao povo palestino, em Santiago, em 19 de maio de 2021. - O Chile é o quarto maior destino das comunidades palestinas e o primeiro fora do Oriente Médio. [Martin Bernetti/ AFP via Getty Images]

No dia 07 de outubro de 2023 a Resistência Palestina operando a partir de Gaza e liderada pelo Hamas, deu início a Operação Tempestade em Jerusalém deixando o planeta boquiaberto com a capacidade técnica e a ousadia tática dos combatentes. Na sequência, o Estado Sionista avançou a campanha de genocídio a céu aberto na faixa litorânea, acelerando o processo de limpeza étnica na Cisjordânia e ampliando a repressão nos Territórios Ocupados de 1948 (vulgo “israel”).

Ainda em 2023, vale ressaltar de forma elogiosa a posição do governo de La Paz, na figura do presidente e economista Luis Arce, a Bolívia rompeu relações diplomáticas com Israel em 31 de outubro ao criticar a “ofensiva militar agressiva e desproporcional” contra Gaza, tornando-se assim o primeiro país latino-americano que ainda tinha diplomacia com o sionismo a fazer isso.

“A Bolívia exige o fim dos ataques na Faixa de Gaza, que até agora causaram milhares de mortes de civis e o deslocamento forçado de palestinos; bem como a cessação do bloqueio que impede a entrada de alimentos, água e outros elementos essenciais à vida, violando o direito internacional e o direito internacional humanitário no tratamento da população civil em conflitos armados”, disse a ministra boliviana María Nela Prada.  Na mesma ocasião, Chile e Colômbia convocaram seus embaixadores de volta.

12 meses depois o mundo se posiciona e reposiciona quanto ao apartheid sionista na Palestina Ocupada e na América Latina não foi diferente. Alguns momentos marcantes da diplomacia presidencial merecem ser destacados. O verão de 2024 no hemisfério sul marcou o ápice das tensões diplomáticas e dos posicionamentos de presidentes e autoridades de nosso continente.

Em janeiro deste ano, A África do Sul acusou Israel, na máxima instância judicial da ONU de descumprir a Convenção para a Prevenção de Genocídios. Brasil e Colômbia apoiam a iniciativa. Os governos do Brasil e da Colômbia manifestaram seu apoio à África do Sul nessa ação. O apoio ao país africano por parte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi oficializado logo na sequência, após reunião com o embaixador palestino, Ibrahim Alzeben, em Brasília.

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Um exemplo de como a vergonha e a alienação de descendentes de árabes podem ser a marca das elites latino-americanas é o caso equatoriano. Os ex-presidentes Abdalá Bucaram Ortiz e Jamil Mahuad foram fieis seguidores do receituário neoliberal e ambos saíram derrubados por enormes rebeliões populares. No primeiro mês de 2024, com o país sob Estado de Emergência, o presidente Daniel Noboa (Azín) e sua vice Veronica Abad trocavam farpas entre si e elogios ao apartheid sionista. O herdeiro do império bananeiro disse:

Apoio Israel ‘na possibilidade de se defender’ e garanto que o Equador não vai condenar as ações israelenses nem tomará ‘uma posição como o Brasil e a Colômbia fizeram’. Como se não bastasse, tentou se livrar da vice mandando-a como embaixadora para a capital sionista.

Em fevereiro deste ano, o presidente brasileiro foi considerado “persona non grata” pelo governo do apartheid sionista desde que fez um paralelo entre o Holocausto e a guerra em Gaza durante uma entrevista coletiva. Lula estava em Adis Abeba, na Etiópia, para a reunião da cúpula da União Africana, onde o Brasil participou como convidado de honra em evento com a presença da Autoridade Nacional Palestina. Durante o encontro, o presidente instou os países ricos a fornecerem mais ajuda a Gaza, expressando preocupação com a crise humanitária na região. Na sequência da tensão diplomática, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) convoca o retorno de seu embaixador em Tel Aviv, Fred Meyer.

Neste mesmo mês veio a posição mais avassalada diante do Estado sionista e esta foi obviamente realizada por Javier Milei, o presidente ultraliberal da Argentina (aliás, conforme esperado). O ex-estafador de planos de pensão privada e empregado de confiança da TV América argentina, esteve em Al Quds ocupada, reuniu-se com o criminoso Benjamin Netanyahu e afirmou sua intenção de transferir a embaixada de Tel Aviv para a cidade internacional. Foi tamanha subordinação ao sionismo que o premiê do Apartheid publicou:

“Agradeço sua decisão de declarar o Hamas uma organização terrorista [e] o seu firme apoio a Israel”, escreveu o premiê em seu perfil no X (ex-Twitter).”

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Em maio o governo mexicano, ainda sob a presidência de Andrés Manuel López Obrador, apresentou um pedido formal para fazer parte da ação que tramita na Corte Internacional de Justiça (CIJ), na qual o Estado de Israel é acusado de cometer um genocídio contra a população palestina residente na Faixa de Gaza.

O processo foi iniciado em janeiro deste ano por iniciativa da África do Sul e afirma que a ação militar sionista configura uma violação da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio. No comunicado o governo mexicano afirmou que: “pretende intervir para contribuir com seu ponto de vista sobre a possível construção do conteúdo das disposições da Convenção relevantes para este caso”.

No Chile, país com a maior comunidade palestina fora do Oriente Médio – e com maioria de patrícios de origem cristã e obviamente, com elevado sentido de defesa da libertação nacional – o controverso presidente social-democrata Gabriel Boric se posicionou bem. Em junho o jovem advogado e ex-líder estudantil afirmou que seu país apoiaria a África do Sul na Corte Internacional de Justiça (CIJ) no processo contra Israel por usa operação militar no território palestino de Gaza.

“Decidi que o Chile participará e apoiará o caso apresentado pela África do Sul contra Israel perante a Corte Internacional de Justiça em Haia, no âmbito da Convenção de Genocídio da ONU”, disse Boric em uma mensagem ao Congresso Nacional na cidade de Valparaíso.

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Também em junho deste ano, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, suspendeu as exportações de carvão – importante fonte de combustível – para os Territórios Ocupados de 1948 (vulgo “israel”) por causa da operação do país na Faixa de Gaza. Segundo o mandatário do país sul-americano:

“A Colômbia acredita que as operações militares contra o povo palestino representam uma transgressão de uma norma peremptória da lei internacional”, explica o documento.

A suspensão da exportação da commodity foi relevante, a Colômbia é o maior fornecedor de carvão para Israel, representando mais da metade das importações do produto pelo país.

No segundo semestre deste ano, a posição latino-amercana mais contundente do cenário internacional foi a do Brasil, com as críticas de Lula contra Netanyahu e a inoperância da ONU na resolução de conflitos. Completando doze meses de genocídio a céu aberto em Gaza e transmitido em tempo real estamos diante de um dilema. A maior parte da opinião pública  no país assim como nos demais países do Continente é pró Palestina e compreende o crime de guerra como punição coletiva ao povo palestino.

Já os grupos de mídia, as lideranças conservadoras e os empresários pentecostais praticam o proselitismo sionista como uma defesa “civilizatória”. Ou seja, o Ocidente passa a ser o símbolo do supremacismo colonial (como é de verdade) e não mais a hipocrisia de supostamente defender “democracia e direitos humanos”. Em termos de posicionamento no Sistema Internacional e comércio internacional, os países latino-americanos sob governos social-democratas ou de nacionalismo antiimperialista se aproximam cada vez mais dos BRICS. Já a hegemonia ideológica e financeira ainda é balizada por Washington e seus aliados ocidentais.

A limpeza étnica na Palestina ajuda a balizar essas posições e traz o conflito anticolonial e contra o sionismo para os cenários políticos de cada de nossos países.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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