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Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

Yahya Sinwar sob a mirada da mídia hegemônica do Mercosul

O líder do Hamas na Faixa de Gaza, Yahya Al-Sinwar, na cidade de Gaza, em 18 de outubro de 2017 [Atia Darwish/Apaimages]

Na quarta-feira 16 de outubro uma operação das forças sionistas em Gaza conseguiu alcançar a liderança político-militar do Hamas, o mujahid Yahya Sinwar. Antecedido por drones, os soldados do Apartheid entraram no perímetro de defesa da resistência palestina. Fato raro. Na maior parte das operações dos supremacistas, a “guerra de Israel” é feita por aviões financiados pelos EUA (F-15, F-35, F-22) e se dedicam “valentemente” a bombardear escolas e hospitais. Quando operam por terra, o modus operandi é assassinar idosos, mulheres (desarmadas), crianças ou então a violentar prisioneiros. Se não fossem as aeronaves não tripuladas de caça a baixa altitude, jamais teriam atingido a um combatente tão curtido na luta como Sinwar.

Tal como os demais martírios recentes de Hamas e Hezbollah, o recâmbio na cadeia de comando imediato e a certeza da luta (ser herói ou mártir é a única certeza) eternizam o martírio sem alterar as capacidades operacionais. Ainda assim, muitas vezes a cobertura realizada no ocidente (o norte hegemônico, ocidental, anglossaxão e eurocêntrico) e na periferia do ocidente (como a América Latina) insiste em tentar inventar uma “crise de comando” ou “vazio de liderança”.

Vejamos na sequência algumas abordagens dos conglomerados econômicos que produzem comunicação em nosso continente, com especial atenção no Mercosul (Brasil, Argentina, uruguai e Paraguai), a área de influência direta de nosso país. Desde já observo que os termos empregados para descrever o que ocorre hoje no Líbano, na Palestina e na Siria são no mínimo equivocados.

Os grupos de mídia da América Latina e o martírio de Yahya Sinwar 

O portal G1, das Organizações Globo (ex-sócia no Brasil do grupo estadunidense Time Warner e associado da rede de cassinos MGM Gold no setor de apostas online) publicou as seguintes palavras:

“As Forças Armadas de Israel anunciaram na quinta-feira (17) que mataram Yahya Sinwar, um dos principais alvos dos israelenses. Há um ano, quando começou a guerra contra o Hamas, o primeiro bombardeio de Israel na Faixa de Gaza foi direcionado à casa de Sinwar.

A morte ocorreu durante um confronto com soldados israelenses na quarta-feira (16 de outubro), mas o corpo de Sinwar foi reconhecido por Israel na quinta-feira (17 de outubro).

O terrorista já ficou preso por 23 anos em Israel e teve papel de governante dentro da Faixa Gaza. Ele foi eleito o chefe do Hamas após a morte de Ismail Haniyeh, que foi assassinado por Israel no Irã em julho.”

Podemos observar que o texto é “lavado”, o que na gíria jornalística implica uma negociação de termos. No caso, oscila entre a linha do Departamento de Estado e a veracidade dos fatos. Ao mesmo tempo que qualifica um mujahid como “terrorista”, afirma que Ismail Hanieyh fora assassinado e não simplesmente “veio a falecer”.

LEIA: Hamas confirma morte de Yahya Sinwar, em combate ‘até o último suspiro’

Na Argentina, surpreendentemente o portal do Grupo Clarín, uma das bases de sustentação do governo pró-sionista e Javier Milei (apoiado por defensores do genocídio palestino como Darío Epstein, Tomás Pener, Axel Wahnish e Eduardo Elsztain), traz uma descrição apropriada do mártir Sinwar e sua trajetória:

“Nascido em 1962 no campo de refugiados de Khan Yunis, no sul da Faixa de Gaza, Sinwar foi eleito líder do Hamas no enclave em 2017, depois de construir uma reputação de inimigo ferrenho de Israel e implacável com os informantes e desde 6 de novembro passado era o principal líder do grupo, ao qual ingressou aos 19 anos.

Em 1989, ele foi condenado a quatro penas de prisão perpétua em Israel por planejar o sequestro e assassinato de dois soldados israelenses e quatro “colaboradores” palestinos, mas foi libertado em 2011 como parte da troca de 1.047 prisioneiros palestinos pelo retorno do soldado israelense Gilad Shalit.”

No Uruguai, a publicação El Observador, dedicada ao mundo dos negócios (lembrando que o país também opera como praça financeira e paraíso fiscal para os capitais que evadem da Argentina) traz uma definição ofensiva do mártir.

“Ele é conhecido como o ‘açougueiro de Khan Younis’, cidade de Gaza onde nasceu há 61 anos. O seu primeiro passo foi no âmbito das relações externas da organização terrorista onde reforçou os laços com o Irã, o que permitiu ao Hamas adquirir armas mais sofisticadas e a construção de uma verdadeira cidade subterrânea na Faixa de Gaza, de onde começaram os ataques da organização terrorista.  

Na manhã de sábado, 7 de outubro, antes da festa da ‘Torá’ (Antigo Testamento) em Israel, ninguém imaginava que seria um ponto de viragem que mudaria completamente o panorama do Médio Oriente. Nesse dia e sob o comando de Sinwar, primeiro, centenas de terroristas do corpo de elite do Hamas, e depois milhares de habitantes de Gaza, entraram em território israelita, assassinando 1.400 pessoas e raptando 212 civis.”

Cabe observar que a tal festa da Torá  por acaso era uma rave de música eletrônica em frente a um campo de concentração a céu aberto. Também cabe lembrar que os mortos na operação se deram em função das forças coloniais chegarem disparando indiscriminadamente, cometendo um crime de guerra. Em função deste absurdo propagaram as mentiras – já desmentidas – de supostos crimes cometidos pelos combatentes palestinos (todos já desmentidos pela própria mídia ocidental).

LEIA: ‘É assim que morre um herói’, dizem palestinos sobre Sinwar, morto em combate

O jornal paraguaio La Nación basicamente reproduziu a linha sionista de celebração, desrespeito e também no ato de tentar plantar discórdia. Vergonhosamente, a publicação do país guarani – que conta com uma considerável e relevante comunidade árabe, incluindo o ex-presidente Mario Abdo Benítez – se contentou com reproduzir a matéria da AFP (Agência France Presse), veículo oficioso deste país imperialista, responsável pela chacina na Argélia (2 milhões de assassinados entre 1956 e 1962) e membro da OTAN. Vejamos.

“Yahya Sinwar foi considerado o mentor do ataque sem precedentes do Hamas no sul de Israel em 7 de outubro de 2023, que abriu uma espiral sangrenta na região. A sua morte tornou-se um “assunto pessoal” para muitos israelitas, e em particular para o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, que estabeleceu como objetivo da guerra erradicar o Hamas, destaca Michael Horowitz, especialista da consultora de segurança Le Beck.

‘Sinwar foi considerado um dos principais obstáculos a um acordo, embora não tenha sido o único. A sua morte pode levar a uma mudança na dinâmica’, desde que o governo israelita “aproveite a oportunidade” e Sinwar seja substituído “por alguém com posições diferentes”, estima Horowitz. Os analistas também concordam que a morte de Sinwar aumentará a pressão sobre o governo israelense.”

A desfaçatez é tanta que uma das “fontes especializadas” ouvidas é Michael Horowitz. Se trata de um especialista em segurança regional, comentarista de veículos ocidentais, detentor de uma posição mais que suspeita como consultor de “inteligência” na empresa Le Beck (sediada em Bahrain e liderada por um ex-oficial de ‘contra terrorismo’ do Exército Imperial Britânico) tendo ele próprio servido nas IOF (Forças de Ocupação Sionista) por mais de 10 anos (ou seja, teve vínculos como oficial de ligação e não apenas conscrito). Ou seja, se trata de mais um agente sionista operando na guerra comunicacional e influindo no ambiente psicossocial.

Infelizmente a versão majoritária dos grupos líderes da mídia hegemônica do Cone Sul reproduz o padrão de desinformação sistemática propagado pelo Departamento de Estado e o Pentágono, respectivamente chancelaria e gabinete de guerra do império estadunidense. O peso demográfico de nossas colônias nos quatro países membros fundadores do Mercado Comum da América do Sul ainda não se reflete em posição de hegemonia nos temas do Mundo Árabe e Islâmico. Precisamos avançar neste esforço comum, até para honrar as trajetórias de mártires como Yahya Sinwar.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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