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Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

‘Saudações, povos livres do mundo’: Yahya Sinwar em suas próprias palavras

Uma visão de um pôster na capital iraniana, Teerã, com Yahya Sinwar em 13 de agosto de 2024 [Fatemeh Bahrami/Agência Anadolu]

Ao longo da última semana, milhões em todo o mundo assistiram o vídeo gravado por um drone militar dos últimos instantes do líder palestino Yahya Sinwar, que lutou contra Israel até ser morto em combate na região de Rafah, em Gaza, em 16 de outubro de 2024.

Sinwar passou 22 anos de sua vida em uma prisão israelense, entre 1989 e 2011, quando foi solto por um acordo de troca de prisioneiros. Desde então, Sinwar foi demonizado pela propaganda de guerra de líderes ocidentais e da mídia corporativa de seus países. Kamala Harris, vice-presidente dos Estados Unido, e candidata às eleições de novembro, exaltou seu assassinato, ao repetir a retórica que criminalizou o Hamas nos Estados Unidos, Grã-Bretanha e União Europeia.

O retrato ocidental de líderes da resistência como “terroristas” não é nenhuma novidade, mas sim uma herança repugnante dos tempos coloniais. Na Palestina, os colonizadores britânicos, seus associados sionistas e o subsequente Estado de Israel sempre rotularam todo e qualquer líder nacional palestino como “terrorista”.

Para os palestinos, a designação já não significa nada. Sinwar, da forma como enxergam, pertence a uma extensa lista de heróis da resistência que viveram e morreram na batalha contra o colonialismo e a ocupação britânica e, então, israelense, em busca de libertação e autodeterminação.

Mentalidade política

Para responder à perspectiva palestina de uma morte honrada — isto é, o martírio de um homem no campo de batalha —, múltiplas contas bastante suspeitas logo vieram à tona para tentar desacreditar Sinwar e sua biografia.

De fato, este tratamento deferido aos líderes palestinos é comum nas redes ocidentais de imprensa, muitas vezes reciclados da narrativa racista de Israel.

Em meu livro Hamas: Guia para iniciantes, incluo diversas citações de Sinwar, traduzidas do árabe ao inglês, que revelam um contraste marcante entre o homem em si e a imagem que lhe foi imposta por ideólogos israelenses e ocidentais.

LEIA: Yahya Sinwar morreu combatendo Israel; sua morte não derrotará o Hamas

Um momento crucial, muitas vezes ignorado, mesmo por aqueles que estudam o Hamas, foi sua coletiva de imprensa realizada em 26 de maio de 2021, dias após Israel encerrar a ofensiva daquele mês contra Gaza, com início em 10 de maio. Em uma hora e 43 minutos, Sinwar respondeu todo tipo de pergunta, ao possibilitar uma jornada em sua mentalidade política e militar.

Sinwar falou de priorizar a resistência pacífica e popular, acima da ação armada; contudo, lamentou a “traição” dos Estados Unidos e governos ocidentais sobre o povo palestino; e explorou a possibilidade de uma trégua de longo prazo com Israel, em caso de um acordo de paz justo e abrangente.

Sinwar advertiu também que Gaza era uma panela de pressão, prestes a explodir sem que as condições mudassem. Em retrospecto, a análise de suas declarações naquela coletiva de imprensa poderia nos levar a única conclusão: o impasse de Gaza implodiria em breve, com o Hamas como seu coração.

A seguir, alguns dos comentários de Sinwar naquela coletiva de imprensa — excertos que representam não apenas uma amostra de seu discurso, mas que podem, talvez, trazer um novo equilíbrio frente às representações vilanescas da mídia ocidental.

‘Palestina livre!’

Sinwar começou ao cumprimentar os palestinos, árabes e ativistas globais por seu apoio ao povo palestino. Então, dirigiu-se aos cidadãos palestinos no território designado Israel: “Saudações a vocês, grandes homens e mulheres de nossas terras ocupadas em 1948, à medida que mantêm seu compromisso com sua identidade palestina, islâmica e cristão e não se tornem parte dessa entidade estrangeira”.

Após agradecer os árabes que tomaram as ruas em apoio à Palestina e aos residentes do bairro de Sheikh Jarrah, em Jerusalém ocupada, voltou-se aos apoiadores internacionais: “Saudações, povos livres do mundo, de todos os países, raças e nações, que saíram aos gritos de ‘Palestina livre’ e denunciaram os crimes da ocupação israelenses contra nossas crianças, mulheres e homens”.

Sobre união e resistência

Sinwar costumava falar bem de lideranças militares de outras facções palestinas, como o Fatah, maior rival do Hamas, e reivindicava esforços para obter união.

LEIA: Imagens finais de Yahya Sinwar viram símbolo de resistência nas redes sociais

Em seu discurso, Sinwar mencionou o falecido líder palestino Yasser Arafat, ao prometer que seu movimento manteria adiante a luta por libertação que ele havia iniciado. “Minhas saudações à alma do líder Abu Ammar [Arafat]. Digo a ele nesta ocasião: ‘Durma tranquilo e em paz, Abu Ammar. Você morreu tentando ampliar as capacidades de seu povo”.

Palavras gentis também foram deferidas a outros lídres, como Fathi Shaqaqi, do grupo de Jihad Islâmica da Palestina, assassinado por Israel em 1995, e Abu Ali Mustafa, da Frente Popular para Libertação da Palestina (FPLP), morto em 2001.

“Com a ajuda de Deus, teremos êxito em unir nosso povo palestino após anos de divisão. Todos estão juntos: Hamas, Fatah, FPLP, Jihad Islâmica e outros — facções filiadas ou não que pedem a resistência”, observou. “Hoje, cantamos com corpo e alma em defesa de Al-Aqsa. Homens e mulheres, religiosos ou não, cantando juntos: ‘Somos todos homens de Mohammed Deif [comandante do braço armado do Hamas]’”.

Sinwar sugeriu ainda a operação retaliatória de 7 de outubro de 2023, ao emitir um alerta de gelar a espinha ao Estado israelense, caso prosseguisse com suas violações contra a Mesquita de Al-Aqsa e outros santuários palestinos.

“Al-Aqsa e Jerusalém são uma linha vermelha. Se querem continuar aqui por mais tempo, então fiquem longe de Al-Aqsa e de Jerusalém. Acabar com seu Estado depende somente de seu intento em implementar seus projetos para Al-Aqsa e Jerusalém. Estamos prontos e nós já temos um plano muito bem ensaiado. Gaza lançará sua resistência com toda sua força e a Cisjordânia explodirá em pleno poder”.

Os alertas de Sinwar prosseguiram, ao condenar as péssimas condições econômicas em Gaza devido ao cerco militar israelense. “Nós, os líderes da resistência, prometemos que este ano, se Deus quiser, não passará sem um grande avanço nas condições econômicas e humanitárias de Gaza. Este ano não passará e os problemas em Gaza — causados pelo bloqueio, pela guerra, pela destruição — não serão assim para sempre. Que o mundo nos escute: Queimaremos tudo, verde e seco, se os problemas de Gaza não se resolverem de imediato”.

Primeiro, a não-violência

Apesar de seus alertas de resistência armada, Sinwar enfatizou a importância de abordar como prioridade a resistência não-violenta, ao lembrar os protestos pacíficos da Grande Marcha do Retorno.

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“Para poupar nosso povo dos horrores da guerra, acreditamos — sempre acreditamos — que devemos combinar diferentes tipos de resistência: pacífica e popular … para além da luta armada em suas diversas formas e dos esforços políticos e diplomáticos”, reafirmou. “Todo mundo sabe e admite que nós, junto com outras facções da resistência palestina, entre março de 2018 e março de 2020, realizamos essas belas manifestações populares e pacíficas — isto é, a Grande Marcha do Retorno. Pela graça de Deus, deixamos uma bela impressão por essas marchas, ao mostrar um povo civilizado, engajado nas modalidades de resistência pacífica e popular”.

“Esperávamos que o mundo livre e civilizado e que a comunidade internacional reagisse, ao menos, em dois fronts: Primeiro, em apreciação deste movimento pacífico, para conter o uso desproporcional da força pelo inimigo. Segundo, esperávamos pressionar o inimigo e a ocupação a respeitar nossas demandas e nossos direitos. Infelizmente, depois de dois anos, a máquina de guerra sionista continua a alvejar nossos filhos e filhas com os seus franco-atiradores a serviço da ocupação”.

Soluções políticas

Mesmo ao preservar limites, Sinwar expressou compromisso em oferecer alguma solução de paz a seu povo, incluindo, eventualmente, uma trégua com Israel.

“Um repórter de uma rede americana me perguntou: ‘Qual a sua mensagem ao presidente [Joe] Biden? Respondi em uma frase: faça a ocupação cumprir a lei internacionais e suas resoluções. Caso a ocupação acate, há sim a possibilidade uma trégua de longo prazo — seja quatro, cinco anos ou mais. Caso o mundo pressione a ocupação a tirar suas tropas da Cisjordânia, desmantelar os assentamentos e deixar Jerusalém Oriental, é possível — sim — que tenhamos uma trégua. Pedimos, é claro, também a soltura dos prisioneiros, o fim do bloqueio em Gaza, que nos permitam realizar eleições nacionais em Jerusalém e estabelecer um Estado palestino em ao menos parte de nossa terra. Seria um começo, ao abrir as portas para uma trégua relativamente longa que postergue os conflitos e alcance alguma estabilidade para a região. O mundo está disposto a pressionar a ocupação? Nós apenas esperamos que a última rodada de agressão israelense leve a alguma mudança neste sentido”.

Seu discurso é indicativo de um líder sofisticado, ao contrapor a imagem superficial e, de fato, caluniadora disseminada pela imprensa ocidental.

Aqueles que conheciam de perto admiravam sua humildade e sua ligação com o povo — algo que o tornou cada vez mais querido entre os palestinos de Gaza. Ayman al-Hafi, nas redes sociais, capturou o sentimento: “Sinwar não se escondia em um túnel ou bunker — não estava entre as tendas dos deslocados e os doentes nos hospitais. Sinwar estava no lugar mais difícil de estar, junto aos mais bravos combatentes, os mais determinados em sua batalha. Não queria luxo nenhum. Queria conforto e segurança para seu povo. Jamais ordenou seus homens a atacar Be’eri e Re’im [dois kibutzim, ou colonatos, na fronteira de Israel, em 7 de outubro]. Estava magro, como se a fome e a morte que tomaram seu povo também o tomassem. Suas decisões, inclusive em 7 de outubro, deram-se em busca do melhor a seu povo e sua causa”.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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