Yahya Sinwar, o homem mais procurado de Israel, foi morto em Gaza, em combate com as forças ocupantes, durante operação na quarta-feira, 16 de outubro. De acordo com Israel Katz, ministro de Relações Exteriores de Israel, sua execução seria uma mensagem a seus pares em todo o mundo.
O exército israelense disse, a princípio, checar elementos forenses e DNA para confirmar que o líder do Hamas fora “eliminado”. Em um primeiro momento, as forças da ocupação alegaram que “três terroristas foram eliminados [sic]” em uma operação em Gaza. O Shin Bet, cauteloso, afirmou que um dos suspeitos poderia ser Sinwar. Segundo a propaganda de guerra israelense, “no prédio onde foram eliminados os terroristas [sic], havia sinais de presença de reféns”. Não foram apresentadas provas.
Sinwar, de 62 anos, tornou-se líder do gabinete político do Hamas em agosto, dias depois de um atentado atribuído a Israel matar seu antecessor, Ismail Haniyah, em Teerã.
Ativista estudantil a prisioneiro político
Sinwar nasceu no campo de refugiados de Khan Younis, no sul de Gaza, no ano de 1962. Seus pais haviam sido expulsos de suas terras em Majdal — hoje, Ashkelon — por milícias sionistas, em 1948, durante a Nakba, ou “catástrofe”, quando cerca de 750 mil palestinos tiveram suas casas destruídas ou expropriadas.
Sinwar estudou árabe na Universidade Islâmica de Gaza, onde teve seu primeiro contato com o ativismo estudantil e a política. Foi ali, em 1982, que foi preso pela primeira vez por autoridades israelenses, por seu envolvimento na luta contra a ocupação.
Três anos depois, voltou a ser preso, o que levou a conhecer Ahmed Yassin, que em breve se tornaria o fundador do Hamas. Yassin trouxe Sinwar a seu círculo íntimo.
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Foi então que Sinwar ajudou a instaurar o Munazzamat al-Jihad w’al-Dawa, ou Majd, cujo objetivo era identificar e punir agentes colaboracionistas a serviço de Israel. A agência se tornou o primeiro aparato de segurança do incipiente Hamas.
Em 1988, foi preso novamente pelas autoridades de Israel, desta vez, condenado a quatro penas perpétuas — ou o equivalente a 426 anos de prisão. A acusação: envolvimento no sequestro e na morte de dois soldados israelenses e quatro colaboracionistas palestinos. Assim começou seus 23 anos nas cadeias da ocupação.
Em custódia, aprendeu hebraico, seja para acompanhar os jornais israelenses ou imergir na política e na cultura de seus adversários coloniais. Conforme Sinwar, o idioma o ajudou a compreender melhor seu inimigo. No cárcere, escreveu também um romance, intitulado O espinho e o cravo, inspirado em sua própria biografia.
Em 2011, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, concordou com um acordo para trocar 1.047 prisioneiros palestinos em troca de um único soldado, Gilad Shalit, que cruzara a Gaza e fora capturado em 2006.
Sinwar era um dos principais nomes entre os libertados pelo acordo.
Ascensão ao topo
Sinwar rapidamente subiu nas fileiras do grupo Hamas após ser solto. Dentro de um ano, foi eleito a seu gabinete político. Sua principal tarefa era coordenar posições com o braço armado do Hamas, conhecido como Brigadas Izz ad-Din al-Qassam.
Sinwar esteve bastante envolvido — política e militarmente — nos esforços do Hamas em meio a guerra de sete semanas com Israel em meados de 2014. Meses depois, os Estados Unidos adicionaram seu nome à lista de “terroristas internacionais”.
Em 2017, no entanto, tornou-se chefe do Hamas em Gaza, cargo que manteve até meses atrás. No mesmo ano, encabeçou as conversas por reconciliação entre o Hamas, por um lado, e o Fatah e a Autoridade Palestina, por outro, sob mediação do Egito — com o qual mantinha um relacionamento de segurança.
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“Sinwar é um contundente apoiador da união entre os palestinos”, reiterou Bassem Naim, seu colega do gabinete político do grupo radicado em Gaza, ao Middle East Eye.
A estratégia de Sinwar reunia tanto ações armadas quanto não-violentas.
Em 2018, exerceu um papel particular de liderança ao organizar os protestos pacíficos da Grande Marcha do Retorno, que exigiam o fim do cerco colonial a Gaza e o direito legítimo de retorno dos refugiados palestinas às terras de que foram expulsos — como o caso de sua família, em 1948. As manifestações, apesar da natureza não-violenta, tiveram como resposta repressão brutal das forças israelenses na cerca nominal de Gaza, com a morte de 230 pessoas.
Sinwar também encabeçou a Operação Espada de Jerusalém, nome atribuído pelo grupo Hamas a sua resposta aos bombardeios israelenses a Gaza entre 6 e 21 de maio de 2021. Ainda mais notável, é atribuída a Sinwar a autoria da Operação Tempestade de Al-Aqsa, que rompeu a fronteira a Israel, em 7 de outubro do ano passado, e capturou soldados e colonos.
Desde então, Israel alega que 1.100 pessoas foram mortas por militantes palestinos — no entanto, sob denúncias de “fogo amigo” corroboradas por gravações de líderes militares vazadas pelo jornal Haaretz. Em retaliação e punição coletiva, Israel matou em um ano ao menos 43 mil palestinos em Gaza — dentre os quais, 16.700 crianças.
Ao longo da campanha, Sinwar não foi visto em público. Prisioneiros de guerra israelenses libertados por uma trégua em novembro passado disseram vê-lo ou mesmo falar com ele no subterrâneo, onde supostamente estariam presos.
Em agosto, uma semana após Israel assassinar o então líder político do Hamas, Haniyeh, que buscava negociações, Sinwar foi escolhido como seu sucessor. Para muitos, esta foi uma ação ousada e surpreendente, dado que se esperava a indicação de Khaled Meshaal, radicado em Doha, no Catar, que já havia servido ao cargo.
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Para Khaled Hroub, pesquisador e especialista no Hamas, “ao unificar a liderança armada e política em um único homem — tão poderoso quanto Sinwar — o Hamas buscou emitir uma mensagem de união e resiliência”. A escolha mostrou que os líderes do grupo ainda em Gaza, sob comando de Sinwar, teriam continuado a ganhar influência, apesar do sítio, ao passo que aqueles na diáspora estariam distantes da crise.
Sua ascensão também demonstrou a importância do relacionamento do Hamas com Irã. Sinwar tinha uma excelente relação com Teerã — diferente de Meshaal, que se estranhou com o regime após se distanciar do governo sírio de Bashar al-Assad, após se deflagrar a guerra civil.
Agora, todo este debate deve voltar à mesa, dentre a cúpula do Hamas, em busca de seu novo líder.
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