As atrocidades de Israel não são novidade; a novidade é a escala

A agressão israelense em curso, conduzida simultaneamente em Gaza, Cisjordânia, Líbano, Síria, Iêmen e Irã, parece para muitas pessoas excepcional e sem precedentes.

Os ataques de Israel contra aeroportos civis, hospitais, escolas e mesmo abrigos são, muitas vezes, descritos como obra de uma liderança de extrema-direita, encabeçada pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, como se fossem inéditos para o país.

Da mesma maneira, a violência colonial em toda a Cisjordânia e as invasões coloniais à Mesquita de Al-Aqsa são vistas como provocações e violações incomuns, que supostamente os governos anteriores, ditos racionais, de Israel jamais permitiram ou ao menos buscaram limitar.

Nada disso é verdade.

A escala do genocídio em Gaza — cujos mortos podem chegar a 200 mil pessoas, segundo estudos de publicações científicas de renome — é de fato sem precedentes. As atrocidades, no entanto, são rotineiras a todos os governos de Israel.

Precedentes horríveis

Os líderes do Partido Trabalhista israelense cometeram crimes similares de guerra e lesa-humanidade contra os povos do mundo árabe desde a criação da predatória colônia supremacista judaica do Estado de Israel.

Há incontáveis exemplos desses precedentes hediondos. Após a guerra de 1967, Israel reprimiu violentamente protestos contra sua conquista ilegal de três países árabes distintos. Os ocupantes israelenses atacaram, dia após dia, cidadãos em Gaza, Cisjordânia, Golã — pertencente a Síria — e Sinai — no Egito, ao balear, espancar, prender e assassinar inúmeras pessoas e destruir milhares de casas.

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Os israelenses demoliram completamente o antigo Quarteirão Marroquino de Jerusalém e seguiram a aniquilar aldeias palestinas inteiras, como Shuyukh, na região de Hebron, e Nusayrat e Jiftlik, entre muitas outras, no Vale do Jordão. Atacaram também as aldeias de Banyas, Jibata, Kafr Harib, Nakhilah e outras nas colinas de Golã — todas elas destruídas somente na segunda metade de 1967.

Na Cisjordânia ocupada, em 1972, Israel fez uso de produtos químicos contra a aldeia de Aqraba, perto de Nablus, onde expropriou cem mil dunums de terras, deixando os camponeses palestinos com não mais do que seis dunums.

À medida que os palestinos se negavam a vender as terras remanescentes, encanamentos instalados por Israel passaram a disseminar os insumos químicos em seus campos agrários, ao destruir ao menos 200 hectares de trigo cultivado, meramente para “ensinar lição a esses aldeões”.

Ainda em 1972, Israel expulsou dez mil egípcios do Sinai, então ocupado, após confiscar ilegalmente suas terras em 1969. As forças israelenses, em seguida, tratoraram e destruíram casas, colheitas, mesquitas e escolas, para dar lugar a seis kibutzim, nove assentamentos rurais exclusivamente judaicos e à cidade-colônia de Yamit.

Massacrando os árabes

Neste entremeio, os israelenses estavam bastante ocupados em bombardear todos os seus vizinhos árabes e cometer sucessivos massacres.

Em novembro de 1967, Israel bombardeou o campo de refugiados palestino de al-Karamah, no território da Jordânia, incluindo uma escola para meninas. Catorze pessoas foram mortas, incluindo três alunas e uma professora. Em fevereiro de 1968, o campo voltou a ser bombardeado, desta vez, em uma escola para meninos, com outros catorze mortos.

Aviões israelenses lançaram bombas de napalm em ao menos 15 aldeias e campos de refugiados jordanianos ao longo do Rio Jordão, deixando 56 mortos, incluindo 56 comprovadamente civis. Mais de 70 mil refugiados fugiram a Amã.

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Em junho de 1968, Israel disparou foguetes contra a cidade jordaniana de Irbid, deixando 30 mortos, além de lançar napalm na cidade de Salt, com mais 28 vítimas fatais. Nos últimos cinco meses de 1969, Israel matou mais de 69 jordanianos em invasões e bombardeios.

Em fevereiro de 1969, as forças israelenses bombardearam ainda a Síria, com nove civis mortos. Tais ataques atingiram aldeias como Majdal Sallum, Maysalun e Hasbaya e culminaram no bombardeio de sete aldeias sírias, com 200 mortos, apenas em setembro de 1972.

No decorrer deste período, Israel não hesitou também em atacar o Egito.

Em setembro de 1967, bombardeios israelenses mataram 44 cidadãos egípcios em Porto Tawfiq e Suez, além de outros 36 mortos em Ismailiyyah. Em julho de 1968, artilharia israelense voltou a cair sobre Suez, com 43 mortos. Somente em Ismailiyyah, entre 1967 e março de 1970, Israel matou 600 pessoas e deixou quase um milhão de refugiados que fugiram à região do Canal de Suez. Israel então bombardeou a cidade egípcia de Mansurah, com 12 mortos, em março de 1970.

Mas não foi suficiente. Os israelenses cometeram dois de seus piores massacres em fevereiro de 1970, quando lançaram napalm contra uma usina de reciclagem de metal em Abu Za’bal, matando 30 trabalhadores. Em abril do mesmo ano, bombardearam uma escola de ensino fundamental em Bahr al-Baqar, com 46 crianças mortas.

Suas invasões a aldeias libanesas aumentaram em 1970, incluindo Kafr Kela e Bint Jubayl, com dezenas de civis entre as vítimas fatais. Ataques aéreos israelenses escalaram ao longo de 1972, sobretudo em fevereiro e setembro, com 58 civis mortos.

Podemos até pensar que o Iêmen escapou de tamanha agressão, mas no início da década de 1969 — especialmente entre 1964 e 1966 — aviões de guerra israelenses se mantiveram ocupados em sobrevoar o país e fazer chover armas e munição para os contrarrevolucionários, apoiados por Estados Unidos, Reino Unido e Arábia Saudita, que buscavam conter a insurreição republicana.

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Quanto ao Irã, cujo tirânico xá era aliado íntimo de Tel Aviv, o Estado israelense não hesitou em ajudá-lo na repressão do povo de toda maneira possível.

Em agosto de 1967, como observam documentos oficiais israelenses, revelados mais tarde, o regime da ocupação “estabeleceu uma colaboração próxima, amistosa e pragmática entre seus serviços de segurança e seus homólogos iranianos, incluindo a execução conjunta de programas e missões de importância nacional, com troca de visitas dos respectivos chefes das Forças Armadas e oficiais de alto escalão”.

De fato, os israelenses, mais tarde, receberam policiais da repressão iraniana para treinamento, mantendo uma relação simbiótica com o Savak — o serviço secreto do xá, famoso pela crueldade, que tanto perseguia os dissidentes no Irã.

Beligerância de Israel

Assim como é hoje, hospitais sempre foram o alvo favorito de Israel.

Durante a brutal conquista de Jerusalém Oriental, em 1967, o exército israelense lançou bombas de napalm contra o Hospital Augusta Victoria, ao alegar, sem quaisquer evidências, que fora usado pelo exército jordaniano — uma das mais comuns alegações de Israel. Em 1982, Israel lançou mísseis ao Hospital de Gaza, em um campo de refugiados de Beirute.

Quanto a aeroportos, Tel Aviv ordenou ataques diretos aos principais aeroportos civis de Damasco e Amã durante a conquista de 1967. Embora os ataques israelenses aos aeroportos de Aleppo e Damasco, na Síria, não tenham se atenuado na última década, esta tática não é nenhuma novidade.

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De fato, Tel Aviv bombardeou o aeroporto internacional de Beirute em dezembro de 1968, ao destruir 13 aviões de transporte de passageiros, estimados em US$44 milhões na ocasião, além de hangares e outras instalações. Bombardeou também as premissas do aeroporto internacional do Cairo.

Em 1973, abateu um avião civil da Líbia, matando, de um único golpe, 106 passageiros a bordo.

As atrocidades supracitadas servem para demonstrar que a maledicência e a violência imposta por Israel a palestinos, libaneses, sírios, iemenitas e outros no decorrer do último ano não são nada mais que a continuação de sua persistente agressão contra os palestinos, em particular, e os árabes, em geral.

Tais atrocidades não foram cometidas pela extrema-direita, mas um Partido Trabalhista supostamente “progressista” e seus premiês Levi Eshkol, Yigal Allon e Golda Meir.

Os detalhes acima são apenas parte do catálogo israelense, de crimes cometidos em tão curto período de tempo — muito antes da atual guerra genocida. Evidentemente, a beligerância e as atrocidades dos colonizadores sionistas remetem aos primórdios de seu projeto de assentamento ilegal na Palestina, ainda no fim do século XIX.

O que o último ano demonstrou, porém, é que é a escala da destrutividade de Israel, e não seu modus operandi, que segue em rota ascendente, sem quaisquer limites.

Se os sionistas mataram 13 mil palestinos em 1948 e 18 mil palestinos e libaneses em 1982, o genocídio israelense em curso multiplicou por dez o número de pessoas aniquiladas em ambos os países. Não mudou, no entanto, a natureza da agressividade, desumanidade e mesmo as estratégias da colônia sionista.

A única diferença notável é de grau, não tipo.

Aqueles que querem atribuir os crimes a Netanyahu e seu partido Likud devem revisitar a história, para que não recaíam a tais ilusões.

Eses crimes de guerra são, de fato, uma estratégia fundacional do Estado de Israel e seu regime colonial de apartheid, desde sua fundação em 1948.

A única novidade é a escala dos crimes; não sua natureza.

Publicado originalmente em Middle East Eye

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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