O Uruguai realizou o primeiro turno de suas eleições nacionais no domingo, 27 de outubro. O pleito se dá em dois turnos e, caso alguma candidatura obtivesse a metade mais um dos votos, ganharia na primeira volta. Não foi o que aconteceu. A ciência política do Cone Sul avalia que a segunda volta foi implantada na República Oriental do Uruguai justamente para tentar impedir que a coalizão eleitoral de centro-esquerda chegasse ao poder. Em geral, a Frente Ampla (FA) ganha as eleições para a intendência de Montevidéu — a capital do país, concentrando mais da metade da população — e perde nos demais 18 departamentos. Da democratização, em 1985, aos dias atuais, este desenho da distribuição dos votos já se modificou bastante. A regra uruguaia prevê mandato de cinco anos e sem direito a reeleição.
A Frente Ampla ganhou em doze departamentos, o Partido Nacional em seis e o Colorado apenas em um.
Yamandú Orsi, candidato da Frente Ampla, cumpriu as previsões ao sair como primeiro colocado nas eleições gerais no Uruguai realizadas no domingo. Segundo os dados oficiais, Orsi obteve aproximadamente 46,2% dos votos. Seu principal rival, Álvaro Delgado (Partido Nacional), ficou em segundo lugar, conseguindo 28,15% dos apoios. Agora, apesar da diferença de 18 pontos entre os dois candidatos, Orsi não ultrapassou os 50% necessários para vencer o primeiro turno e, no dia 24 de novembro, terá de enfrentar Delgado, patrocinado pelo atual presidente Luis Lacalle Pou, em segundo turno.
Os números exatos foram assim. A Frente Ampla recebeu os 46,2% assignados no parágrafo acima, o Partido Nacional — no poder, como partido de governo, à frente da chamada Coalizão Republicana — obteve 28,15%. O terceiro colocado foi o rival — e associado no governo —, também oligárquico, Partido Colorado; seu candidato, Andrés Ojeda, recebeu 16,86%.
O quarto colocado, ou o vencedor entre os partidos pequenos foi o Identidade Soberana. Liderada por Gustavo Salle — um operador político imprevisível, liderança populista, mas com discurso nacional popular —, a legenda recebeu 2,83%. Assim se saiu vitorioso sobre a extrema-direita militar, representada pelo Cabildo Abierto e sob a liderança do ex-comandante geral do exército, Guido Manini Ríos. Na terceira posição dos “nanicos” está o Partido Independente, com a candidatura de Pablo Mieres, recebendo 1,8% da votação.
Plebiscitos
Também foram votados dois plebiscitos, que fracassaram por não terem obtido 50% de aprovação. No caso do plebiscito para viabilizar batidas noturnas, os dados mostraram que teve uma adesão entre 39% e 41% dos votos expressos. Por sua vez, o plebiscito sobre a reforma da previdência obteve entre 36% e 41% dos votos. A regra uruguaia permite a realização de consultas públicas caso a cidadania mobilizada atinja um índice médio de 220 mil assinaturas.
LEIA: O segundo turno das eleições municipais no Brasil: Um balanço crítico
O plebiscito da chamada “reforma da previdência” —ao contrário do que houve no Brasil — visava justamente proibir as chamadas AFAPs — ou Administradora de Fundos de Poupança e Pensão. Ou seja, caso saísse vitorioso, a população uruguaia se livraria do flagelo dos fundos privados de aposentadoria. Tal como no Chile e na Argentina, a modalidade começou a se instalar com o avanço do neoliberalismo no Cone Sul — através das ditaduras militares e sua herança na política econômica — e diminuiu os ganhos reais da população aposentada.
Infelizmente além da derrota na votação, o plebiscito não recebeu apoio da direção da Frente Ampla, de modo que sua campanha foi conduzida basicamente pela militância sindical — PIT-CNT, a única central sindical do país — e pela esquerda social uruguaia. Pode parecer uma falsa equivalência com a derrota da consulta que pede mais operações policiais noturnas. Mas não é.
A agenda que pede maior repressão, considerando os poucos recursos do Estado uruguaio, implica necessariamente em dispor das Forças Armadas do país para desvio de função em atividades de segurança pública. Como o alto comando militar não tem a menor intenção de se preparar efetivamente para a defesa do país, preferem uma solução “Costa Rica”, onde não tem funções de proteção territorial e sim garantir a ordem social e a estabilidade institucional.
Resultados proporcionais e os setores da interna de cada partido
A Frente Ampla terá maioria parlamentar, contando com dezesseis senadores, nove do Partido Nacional e cinco do Partido Colorado. Na composição da Câmara de Representantes (deputados), a Frente Ampla terá 48 parlamentares; o Nacional, 29; Colorado, 17; Identidade Soberana e Cabildo Abierto, dois cada; e o Independente com apenas um.
Dos 1.057.515 votos que a Frente Ampla obteve, a lista mais votada foi a 609, do Movimento de Participação Popular (MPP), com Alejandro Sánchez e Blanca Rodríguez à frente, com 434.377 votos. Para quem não identifica, este é o setor do ex-presidente Pepe Mujica, que por sinal comandou a campanha.
Na interna da centro-esquerda a lista 1001, do Partido Comunista, liderado por Oscar Andrade e Constanza Moreira, obteve 126.502 votos — os comunistas foram o único setor majoritário do partido que apoiou o plebiscito contra a previdência privada. Segue-se 1.358 votos, do setor Amplo, de Carolina Cosse, com 111.035 votos. A quarta lista mais votada foi a de número 95, da Convocação Seregnista Progressista, de Mario Bergara, Liliam Kechichian e José Carlos Mahía, com 88.895 votos.
LEIA: O avanço dos BRICS e as instâncias prévias para a reunião de cúpula
O Partido Nacional obteve 644.147 votos. A lista mais votada foi a do Espacio 40, liderada por Javier García, com 227.265 votos. Atrás, com 215.578 votos, vêm 404, do setor Aire Fresco, formado por Graciela Bianchi e Martín Lema. Com 96.602 votos, em terceiro lugar ficou a lista 5, do setor D Centro, de Beatriz Argimón. Em quarto lugar está a lista 71, do Herrerismo — a extrema-direita do partido —, com 84.588 votos.
Dos 385.685 votos que o Partido Colorado obteve, a lista 10, do setor Vamos Uruguai, de Pedro Bordaberry — filho do ex-presidente Juan María Bordaberry, golpista de 1973 aliado dos militares —, foi a mais votada, com 148.148 adesões. Em segundo lugar está a lista 25, do Sublema Unir, a única que levou Andrés Ojeda ao Senado — no caso, o candidato a presidente —, com 104.322 votos. Em terceiro lugar ficou o 600, de Robert Silva e Ope Pasquet, com 78.796; e na quarta, a lista de Gustavo Zubía, 9.007, que obteve 31.081 votos.
Apontando conclusões
Para o Brasil, a vitória eventual da Frente Ampla no segundo turno pode trazer a volta de um aliado importante no Mercosul. Ao mesmo tempo, adiaria a insana ideia do Uruguai assinar um Tratado de Livre Comércio com a China. Em termos de estratégia de médio, pode ajudar a iniciativa do BRICS de construir uma bolsa de commodities agrícolas — no comércio de grãos — e com especial atenção para o trigo, essencial no padrão alimentar de mais da metade do planeta. Obviamente que a diplomacia brasileira ganha um aliado na defesa de uma Palestina soberana, ainda que repetindo o discurso ultrapassado e inexequível de dois Estados.
Em termos eleitorais, os votos da Identidade Soberana — o “fio desencapado” do pleito — serão decisivos para a social-democracia vencer. Ou então, apostar na fratura da coalizão da direita oligárquica com a extrema-direita, o que parece mais improvável.
LEIA: O intento de golpe na Bolívia: Junho de 2024, militares e bloqueio do sistema político
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.