Caso criado um Estado palestino independente, conforme o paradigma de dois Estados, Israel teria de abrir mão de receitas de petróleo e gás no valor de meio trilhão de dólares, reportou a Agência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (Unctad).
As informações são da Agência Brasil.
Atualmente, a exploração de ricos campos de gás natural no Mar Mediterrâneo, na costa de Gaza — hoje sob violento genocídio e alertas de assentamento ilegal — tem sido feita exclusivamente pelas forças de Israel.
Conforme a agência, as reservas da Bacia do Levante, nas águas de Gaza, possuem 122 trilhões de pés cúbicos de gás natural a um valor líquido de US$453 bilhões, a preços de 2017, e 1.7 bilhão de barris de petróleo a um valor líquido de US$71 bilhões.
Ao todo, são US$524 bilhões em insumos combustíveis pertencentes, de acordo com a lei internacional, aos palestinos — hoje, contudo, sob cerco absoluto de Israel, sem sequer recursos para manter operantes seus hospitais.
“Esta bacia é um dos recursos de gás natural mais importantes do mundo — são recursos comuns cuja exploração pro uma das partes diminui a participação das partes vizinhas”, destacou a Unctad. “A ocupação continua, porém, a impedir os palestinos de desenvolver seus campos de energia para explorar e se beneficiar de tais ativos”.
Especialistas alertam, neste sentido, que a colonização dos recursos naturais palestinos motiva o genocídio em Gaza e os avanços na Cisjordânia e no Líbano.
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Segundo o Instituto de Estudos sobre Energia da Universidade de Oxford (OIES), “Israel se tornou, silenciosamente, um produtor e exportador significativo de gás nos últimos três a quatro anos, dobrando o tamanho da sua cadeia de valor com combustível offshore, que flui para o mercado israelense e exportações para Jordânia e Egito”.
Neste contexto, Israel superou sua dependência de combustíveis importados ao produzir quase 50% de sua demanda — enquanto palestinos vivem sob apartheid e pobreza.
Para Bernardo Kocher, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), a campanha militar de Israel em Gaza via viabilizar uma economia à base do gás.
“Porque tem energia e este é o caminho que leva a Europa até o Extremo Oriente”, sugeriu Kocher. “É uma zona de turbulência onde os países que têm petróleo, têm poder”.
Israel aproveitou o 7 de outubro e está atuando para resolver [sic] todos esses impasses, em várias frentes de batalha com o apoio do Ocidente — não é uma coisa apenas interna de Israel. O que é mais difícil é alcançar o Irã, pela distância e seu poderio militar.
Israel e Europa
A deflagração da crise em Gaza, no entanto, afetou duramente a economia de Israel, para além de suas relações públicas e diplomáticas, e até mesmo a produção e exportação de bens energéticos, seja a países regionais como à Europa.
A guerra culminou no fechamento, por exemplo, no campo de Tamar, que produziu, em 2022, cerca de 47% do gás natural de Israel. A exportação ao Egito foi suspensa, embora, em parte, redirecionada à Jordânia.
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Segundo o centro de estudos da Oxford, as mudanças ameaçam as demandas da Europa, que busca, no Mediterrâneo Oriental, alternativas ao gás russo, devido às sanções postas pela invasão do Kremlin contra a Ucrânia.
Neste contexto, apontam os pesquisadores, o “clima geral de investimentos” no mercado israelense de gás natural permanece comprometido.
Água
A autonomia do povo palestino também demandaria de Israel renunciar a sua supremacia sobre os recursos hídricos — colonos consomem, por ano, quase oito vezes mais água do que os palestinos, no que é descrito como um “apartheid da água”.
Em 2004, mais de 85% das águas palestinas da Cisjordânia haviam sido expropriadas por Tel Aviv, ao cobrir um quarto da demanda israelense, segundo a ONU.
“Os palestinos têm também negado seu direito de utilizar recursos hídricos do Rio Jordão e do Rio Yarmouk. Os fazendeiros da Cisjordânia historicamente usaram as águas do Rio Jordão para irrigar seus campos, mas a fonte foi poluída, com Israel desviando o fluxo de água ao redor do Lago Tiberíades para o baixo Jordão”, destacou a agência relevante.
‘Grande Israel’
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, defende há anos o que caracteriza como “Novo Oriente Médio”, com a hegemonia de Tel Aviv, sob a bênção de Washington e de nações árabes colaboracionistas.
Neste sentido, antes de deflagrar seu genocídio em Gaza, em setembro de 2023, o premiê expôs à Assembleia Geral da ONU seus planos supremacistas do “Grande Israel”, com a anexação ilegal de territórios palestinos, libaneses, sírios e outros.
Um ano depois, ao mesmo fórum, Netanyahu reforçou a ambição com tons messiânicos, ao ostentar mapas da “Grande Israel” como “bênção” enquanto Irã e aliados serviriam à legenda de “maldição”.
Segundo relatório da Unctad, Israel descobriu gás natural nos mares de Gaza entre 2000 e 2007 — quando impôs seu cerco militar a Gaza.
Em 1999, a companhia BG Group (BBG) assinou um contrato de 25 anos de exploração de gás com a Autoridade Palestina, que hoje controla somente 18% da Cisjordânia, mas, na época, administrava Gaza.
Em 2003, Israel proibiu que os recursos fossem para a gestão semiautônoma de Ramallah sob o pretexto de serem usados para apoiar o “terrorismo”.
“A BGG lida com o governo de Israel efetivamente ignorando a autoridade governante em Gaza com relação aos direitos de exploração e desenvolvimento sobre os campos de gás natural”, alertou o relatório.
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“Os campos de gás natural de Gaza foram, em violação da lei internacional, integrados de fato às instalações offshore de Israel — contíguas às do enclave”, acrescentou.
A agência notou ainda o controle ilegal de Israel sobre o campo de petróleo e gás natural de Meged, na Cisjordânia ocupada — descoberto na década de 1980, cuja produção teve início em 2010. Suas reservas são estimadas em 1.5 bilhões de barris de petróleo, assim como recursos de gás natural.
Para além do controle de energia, está o controle de águas e terras por toda a região. Em algumas interpretações, o projeto de Grande Israel — tão antigo quanto o próprio ideário colonial sionista — chega do Rio Nilo ao Rio Eufrates.
Em meio às invasões a Gaza e ao Líbano, agências israelenses anunciaram mesmo venda de terras em ambos os territórios, exclusivamente a compradores judeus.
Em paralelo ao genocídio em Gaza — que assumiu contornos ainda mais delineados de limpeza étnica após três semanas de nova ofensiva ao norte —, Israel intensifica abusos coloniais na Cisjordânia, incluindo pogroms contra cidades e aldeias.
São 760 mortos e 6.300 mortos na Cisjordânia em 12 meses, além de dez mil detidos em uma campanha arbitrária que dobrou a população carcerária palestina, voltada a coagir famílias a deixar suas casas e terras ancestrais.
O mês de outubro, por exemplo, foi marcado por ataques de soldados e colonos de Israel a camponeses palestinos, em meio à temporada de colheita de azeitonas.
Nos assentamentos ilegais israelenses, são 700 mil colonos supremacistas, em violação da lei internacional. Em julho, o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), em Haia, admitiu a ilegalidade da presença israelense nas terras palestinas ocupadas, ao instar sua imediata evacuação e reparação aos nativos.
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