Contra a ameaça de expulsão de estudantes pró-Palestina da USP

Em medida arbitrária, repleta de vícios, inconsistências e baseada em artigo já considerado inconstitucional, dos tempos da ditadura, cinco estudantes da graduação da Universidade de São Paulo (USP) enfrentam ameaça de expulsão da instituição por denunciarem o genocídio em Gaza, que já matou mais de 44 mil palestinos em pouco mais de um ano. Defensores de direitos humanos e solidários à causa palestina se mobilizam contra essa ação.

O processo administrativo-disciplinar que deu origem à tentativa de punir os estudantes foi aberto em novembro de 2023 por três professores do curso de Ciências Moleculares — um deles também pró-reitor de Pesquisa e Inovação da USP. Fundamenta-se na falsa premissa de que críticas ao Estado de Israel teriam resvalado para o antissemitismo (historicamente, discriminação contra judeus). Nada disso aconteceu.

Esse argumento falacioso ecoa a principal propaganda sionista para silenciar aqueles que denunciam os crimes contra a humanidade a que estão submetidos os palestinos na contínua Nakba — catástrofe cuja pedra fundamental é a formação do Estado de Israel no ano de 1948 em 78% do território histórico da Palestina, mediante limpeza étnica planejada.

Essa manipulação é tão central na política sionista que, no mesmo mês em que se instaurava o processo contra os estudantes da USP, conforme noticiou o jornal israelense The Jerusalem Post, o denominado Ministério de Assuntos da Diáspora e Combate ao Antissemitismo anunciou em reunião da Subcomissão de Relações Exteriores investimento de 10 milhões de novos shekels (o equivalente a 2,66 milhões de dólares) em uma campanha global de hasbara (em hebraico, explicação).

Na prática, hasbara designa o esforço de relações públicas para difundir distorções, mitos e invenções que compõem narrativa e propaganda favoráveis ao Estado racista e colonial de Israel, de modo a justificar, alimentar e encobrir o genocídio, limpeza étnica, colonização e apartheid. Criminalizar seus críticos é parte disso.

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Ao solicitar à reitoria a suspensão do processo contra os estudantes ameaçados de expulsão na USP, a Rede Universitária de Solidariedade ao Povo Palestino, que abrange docentes de instituições públicas brasileiras, afirma em nota no dia 28 de outubro último que antissemitismo é condenável e “deve ser combatido vigorosamente”. No entanto, explicita que não é o mesmo que antissionismo, como quer transparecer esse esforço de propaganda. “Antissionismo refere-se à crítica às políticas do Estado de Israel de opressão e negação dos direitos do povo palestino”, o que não tem nada a ver com hostilidade ou preconceito contra judeus.

A nota expressa preocupação que em uma instituição de renome internacional como a USP se utilize essa acusação para o silenciamento e intimidação das expressões de solidariedade ao povo palestino, contrariando “tradição de liberdade acadêmica e pluralidade de ideias, essenciais ao desenvolvimento do pensamento científico, rigoroso e humanista”.

A campanha contra a expulsão dos estudantes observa que “é, portanto, incoerente permitir tamanha arbitrariedade, e ainda fundamentando-se nos artigos 249 e 250 do regimento disciplinar da USP, que em alguns de seus incisos utilizados para justificar o processo proíbem ‘atentado a moral e aos bons costumes’, ‘perturbar trabalhos escolares’ e ‘organizar manifestações políticas, raciais ou religiosas’”. Cunhados durante o regime ditatorial no Brasil, em 1972, tais artigos já foram julgados inconstitucionais (Parecer PG 2374/2012 da própria Procuradoria-Geral da universidade).

Vale lembrar que a USP, por meio de sua Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento, tem levado a cabo o projeto intitulado “Diplomação da Resistência”, com o objetivo de diplomar honorificamente 31 estudantes mortos pela repressão durante a ditadura — mais da metade já o foram.

De acordo com reportagem da Agência Brasil, durante cerimônia na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) de entrega de certificados a familiares de 15 desses alunos, no dia 26 de agosto último, o reitor Carlos Gilberto Carlotti Junior enfatizou: “Esses jovens perderam a oportunidade de poder modificar a sociedade através de suas atividades profissionais. Mas eles fizeram mudanças profundas em nossa sociedade através de suas ações. Eles deram suas vidas para que pudéssemos ter um futuro melhor.”

Numa instituição que tem realizado ações como essa, de memória, justiça e reparação, a qual prima por afirmar a defesa da democracia e dos direitos humanos, utilizar recurso do regime de exceção para perseguir alunos torna-se uma gritante contradição.

Em defesa dos estudantes, a campanha contra sua expulsão destaca a urgência em se reverem os artigos dos tempos da ditadura do regimento disciplinar da USP, sendo categórica: defender o povo palestino não é antissemitismo.

É, de fato, se colocar do lado certo da história em uma luta da humanidade. Além de suspender imediatamente esse processo arbitrário, a USP deve dar um passo além, rumo a uma universidade livre de apartheid: romper acordos de cooperação com instituições israelenses, onde se desenvolvem as pesquisas, a tecnologia e a ideologia ao genocídio, colonização e limpeza étnica.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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