O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, recusou-se a responder uma questão sobre expectativas de um acordo de cessar-fogo em Gaza e troca de prisioneiros antes do fim de seu mandato, flagrado em uma fala notavelmente hostil ao trabalho de imprensa.
Após ser questionado por uma jornalista israelense sobre um eventual acordo até janeiro, rebateu o presidente: “Você acha que pode apanhar na cabeça com essa câmera atrás de você?”. O registro foi transcrito aos documentos oficiais da gestão americana.
O incidente ocorreu no Salão Oval da Casa Branca, nesta terça-feira (12), no início de um encontro entre Biden e o presidente israelense, Isaac Herzog.
Neria Kraus, jornalista que fez a pergunta, compartilhou vídeo nas redes sociais, ao notar: “A realidade política é tamanha que o presidente Biden, comprometido que seja a reaver os reféns, não foi capaz de me dar uma resposta clara sobre essa questão crítica em torno de um acordo até o fim de seu mandato”.
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Conforme analistas, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, segue sabotando esforços por um acordo por interesses próprios, sob receios de colapso de seu governo e eventual prisão por corrupção em três processos em curso.
Na semana passada, Netanyahu agravou a crise interna ao demitir Yoav Gallant, ministro da Defesa e coinvestigado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, sob pedido de prisão da promotoria. Protestos voltaram a tomar as ruas israelenses.
Nesta semana, Gideon Saar, novo ministro de Relações Exteriores, — que substituiu Israel Katz, elevado à Defesa — alegou “certo progresso” sobre um cessar-fogo no Líbano, onde as forças israelenses perdem terreno para o grupo Hezbollah. Entretanto, não comentou sobre Gaza.
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Durante seu encontro com Herzog, o incumbente democrata — cuja vice, Kamala Harris, perdeu as eleições ao ex-presidente Donald Trump, em 5 de novembro — voltou a reiterar seu “compromisso inabalável” com Israel.
Herzog comentou que restam ainda 101 colonos e soldados na Faixa de Gaza, após mais de 400 dias de operações militares intensas. Herzog alegou que os prisioneiros de guerra “passam o inferno nos calabouços de Gaza” e devem voltar a Israel.
Biden — que disseminou sucessivas fake news favoráveis a Israel, desde a deflagração do genocídio — assentiu.
Seu Departamento de Estado também rejeitou alertas de oito organizações humanitárias internacionais, ao insistir que Israel cumpriu metas de melhora assistencial a Gaza, após 30 dias de prazo, a despeito de ataques diretos a palestinos carentes.
O Catar, por sua vez, notou recentemente que os esforços de mediação estão suspensos até que Israel demonstre “disposição e seriedade em encerrar a guerra”.
Para Joyce Msuya, diretora interina do Escritório das Nações Unidas para Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA):
o mundo “testemunha em Gaza atos remanescentes dos mais graves crimes cometidos internacionalmente”.
Para Msuya, a recusa de Tel Aviv e Washington em reconhecer a catástrofe de fome posta aos dois milhões de desabrigados em Gaza é “escandalosa”.
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Israel mantém ataques indiscriminados a Gaza há 13 meses, como retaliação e punição coletiva a uma operação transfronteiriça do grupo palestino Hamas que capturou colonos e soldados. O exército colonial alega 1.200 mortos na ocasião — número questionado, no entanto, por evidências de “fogo amigo” verificadas pelo jornal israelense Haaretz.
Desde então, uma brutal campanha de desinformação, desumanização e propaganda de guerra busca justificar as violações israelenses contra a população civil, junto a ataques diretos contra profissionais de imprensa.
No total, são ao menos 43 mil mortos, cem mil feridos e dois milhões de desabrigados em Gaza, sob bombardeios e invasões militares ainda em curso.
No Líbano, são 3.200 mortos e 14 mil feridos, sobretudo nos últimos 45 dias.
Israel é réu por genocídio no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), com sede em Haia, sob denúncia sul-africana deferida em janeiro.