A pesquisa quantitativa e qualitativa de Minna Cowper-Coles sobre a diferença de gênero nos territórios palestinos ocupados mostra que as mulheres têm maior probabilidade de apoiar o Hamas. Gender and Political Support: Women and Hamas in the Occupied Palestinian Territories (Routledge, 2023) apresenta uma análise detalhada dos resultados da pesquisa, tendo como pano de fundo o colonialismo israelense e a ocupação militar.
Cowper-Coles observa que a literatura ocidental sobre lacunas de gênero não explica necessariamente a lacuna de gênero na Palestina, já que a pesquisa no Ocidente se concentra em sociedades pós-coloniais, e não em territórios sob ocupação. O livro mantém consistentemente o foco na ocupação militar de Israel e começa com uma visão geral sucinta da história da Palestina, mostrando a trajetória política e os vários graus de opressão que os palestinos enfrentam por parte de Israel, bem como a repressão atribuída à Autoridade Palestina e ao Hamas. O estudo da diferença de gênero na Palestina permite encontrar possíveis explicações para o apoio político e a opinião divergentes entre homens e mulheres em relação à AP e ao Hamas.
Embora bastante detalhado em termos de dados estatísticos, Cowper-Coles os explica de maneira acessível. O livro é dividido em seções que facilitam o fluxo de leitura, começando com o contexto político palestino dentro da ocupação colonial e militar israelense e, em seguida, passa a discutir o apelo da AP e do Hamas em termos de patrocínio e bem-estar, respectivamente. Em seguida, a autora discute religião, nacionalismo e feminismo, bem como violência e opressão, e como isso afeta o apoio dos palestinos à AP e ao Hamas. As estatísticas, no entanto, indicam que a diferença de gênero em termos de apoio político é explicada, em grande parte, pelo status de gênero no emprego e pelas crenças religiosas. O livro também defende a expansão da pesquisa no Oriente Médio.
Cowper-Coles escreve como o apoio ao Fatah começou a declinar durante a Segunda Intifada e observa que “as guerras também afetaram os níveis de apoio político”. Uma diferença notável entre o apoio ao Hamas e ao Fatah está na geografia – o Hamas é mais popular nas áreas urbanas – a densidade populacional em Gaza é um fator que aumenta o apoio ao movimento de resistência, enquanto o Fatah encontra apoio nas áreas rurais, onde se conecta e forma redes por meio dos clãs. Embora as facções políticas palestinas tenham começado como um movimento de resistência, Cowper-Coles observa que o Fatah desempenhou um papel de duplicidade após a segunda Intifada. A pesquisa também mostrou que o Fatah é mais popular entre os jovens do sexo masculino com menos instrução.
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O livro explica que, desde a Segunda Intifada, o Hamas tentou utilizar o pragmatismo político, inclusive nas fronteiras de 1967, e observa que, em seu manifesto eleitoral de 2006, não fez menção à resistência armada.
A diferença de gênero na economia também é afetada pela ocupação militar de Israel. Cowper-Coles escreve que a economia “não se enquadra nos mesmos moldes de muitos estados ocidentais” e menciona a ocupação militar de Israel, a ajuda humanitária, o não desenvolvimento e a insegurança alimentar como fatores contribuintes. Ademais, além das diferenças de gênero em relação a emprego e trabalho doméstico, Cowper-Coles observa que a dependência da Autoridade Palestina em relação à coordenação de segurança cria oportunidades de emprego para os palestinos que não estão abertas a indivíduos afiliados ao Hamas. O Hamas, por sua vez, não tem os fundos necessários para pagar seus trabalhadores, o que resulta em altas taxas de desemprego em Gaza – uma situação que também remonta à ocupação militar de Israel.
O apoio político a diferentes partidos políticos palestinos difere principalmente entre homens e mulheres solteiros; um dos principais motivos é que a família e os interesses econômicos compartilhados não desempenham um papel nesse grupo. A família estendida desempenha um papel na definição do apoio político ou da lealdade, enquanto o Fatah parece ser a opção estável devido à adoção de políticas neoliberais. Cowper-Coles escreve sobre a dívida e como ela se tornou um meio de desviar a atenção dos palestinos da luta política entre os adeptos do Fatah.
O livro encontra várias razões para o apoio das mulheres ao Hamas. Seu programa de bem-estar, que não é afiliado às alas ativistas e políticas do movimento, é mais voltado para as mulheres devido ao seu papel de cuidadoras na sociedade palestina. A religião é descrita como a principal explicação para a diferença de gênero no apoio político ao Hamas. O papel das mulheres, tanto do ponto de vista religioso quanto social, é discutido em detalhes – desde o papel das mulheres na geração de filhos, que também é interpretado como oposição à ameaça demográfica de Israel, até pontos de vista que despriorizam a participação das mulheres na luta anticolonial. Os movimentos islâmicos, observa o livro, também deram às mulheres acesso à esfera pública, como é seu direito dentro do Islã – uma visão com a qual o feminismo ocidental não se sentirá confortável e que explicita a necessidade de maior compreensão da narrativa e da política palestinas. A pesquisa mostra, por exemplo, que, apesar de o Fatah ser mais secular, ele ainda evita tomar uma posição sobre os direitos das mulheres, ao mesmo tempo em que reforça a sociedade patriarcal.
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Outro motivo pelo qual mais mulheres apoiam o Hamas é a associação dos homens com a resistência e a violência política, o que gera consequências para os homens envolvidos em movimentos de resistência. Isso apesar de, como afirma o livro, “a masculinidade palestina passou a ser definida pela participação na luta nacional”, o que indica a expectativa de que os homens participem da resistência anticolonial. Os homens também são os principais alvos de vigilância, enquanto os papéis de gênero na sociedade palestina podem ser responsáveis pelo fato de que menos mulheres são visadas por suas atividades de resistência.
Na conclusão, a autora observa que estava morando em Tel Aviv durante a segunda Intifada e associa o Hamas aos atentados suicidas da época. “Por que as mulheres, mais do que os homens, apoiariam essa organização violenta que oprime as mulheres?”, pergunta ela. “O problema com o feminismo ocidental”, continua a autora, “é que ele está vinculado às prioridades mais confortáveis das mulheres no Ocidente. Para as mulheres palestinas, a violência faz parte da vida e é algo que recai sobre elas e suas famílias com muito mais frequência. Dessa forma, é menos provável que elas fiquem tão horrorizadas com a perspectiva de um atentado suicida quanto as feministas ocidentais”.
Embora o livro explore muitos temas e defenda o fim da ocupação militar de Israel, o foco selecionado em atentados suicidas na conclusão, que foi em grande parte vinculado à segunda Intifada, parece causar um impacto repentino e chocante em comparação com a pesquisa mais matizada em todo o livro. Dito isso, há várias percepções dignas de nota no livro que tornam a leitura atraente e fornecem informações para estudos futuros, pois a pesquisa, de fato, dá espaço às vozes, experiências e opiniões palestinas de ambos os lados do espectro político palestino.