O Tribunal Penal Internacional (TPI) deferiu na quinta-feira (21), em uma decisão histórica — embora procrastinada por mais de nove meses —, ordens de prisão contra o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e o ex-ministro da Defesa, Yoav Gallant, por seus crimes de guerra e lesa-humanidade perpetrados na Palestina.
Os mandados se somam ao processo em curso, sob denúncia sul-africana, na corte-irmã em Haia, o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), onde Israel é réu por genocídio desde 27 de janeiro, pela campanha de extermínio ainda em curso em Gaza.
Os crimes a serem investigados pela tramitação judicial do TPI partem de ao menos 8 de outubro de 2023, até 20 de maio deste ano, quando, Karim Khan, promotor-chefe de Haia, requereu os mandados, confirmou o tribunal em comunicado oficial.
Ao emitir os mandados, a Câmara Pré-Julgamento rejeitou unanimemente a contestação de Israel sobre a jurisdição de Haia nos territórios ocupados, ao reforçar decisão de Fatou Bensouda, antecessora de Khan, de 2021.
Sobre a situação em Gaza, a corte determinou “base razoável” para crer que Netanyahu e Gallant “carregam responsabilidade penal, como coperpetradores, junto de outros, pelos seguintes crimes: fome como arma de guerra — isto é, crime de guerra; e crimes contra a humanidade, como assassinato, perseguição e outros atos desumanos”.
Para o tribunal, houve “conhecimento e dolo”, por partes dos líderes em Israel, em “privar a população civil de objetos indispensáveis para sua sobrevivência — como comida, água e medicamentos”.
O TPI emitiu ainda um mandado de prisão contra Mohammed Deif, chefe militar do grupo Hamas, embora Israel tenha reivindicado sua morte em julho deste ano.
Os mandados, confirmam especialistas, tornam os indivíduos em questão oficialmente suspeitos, sob inquérito porvir, por crimes de guerra e lesa-humanidade — algo inédito a líderes de um regime ainda alinhado às potências ocidentais.
A principal repercussão a Netanyahu e Gallant se refere a restrições de movimento: desde instante em diante, todos os 124 Estados signatários do Estatuto de Roma — fundador da corte — têm legalmente de prendê-los caso pousem em seus territórios.
A medida pode afetar ainda outros líderes e generais israelenses, sob ordens judiciais que porventura sirvam à investigação.
Entre os países-membros, estão aliados históricos de Israel, que empregaram recursos ao genocídio, incluindo armas e diplomacia, como Reino Unido, França, Alemanha, Bélgica, Itália, Holanda, Canadá, Austrália, Dinamarca e Suíça. Todos, salvo Alemanha, sugeriram acatar as medidas.
Outros signatários incluem: Brasil, Colômbia, México, Espanha, Irlanda, Noruega, Coreia do Sul, Japão, Nova Zelândia, Nigéria e Quênia.
A exceção marcante é os Estados Unidos, que se retirou do Estatuto em 2002, no contexto das invasões ao Iraque e Afeganistão.
Contudo, de acordo com a corte, embora Estados não-membros não tenham a obrigação legal de aplicar os mandados, são “encorajados” a fazê-lo, em favor da lei internacional, à medida que a corte carece de mecanismos diretos de condução policial.
Conforme documentos do TPI, em alguns casos, não-signatários auxiliaram operações de rendição. “No entanto”, segue a jurisprudência, “quando o Conselho de Segurança aciona jurisdição da corte sob uma situação específica, o dever de cooperar repousa sobre todos os membros da ONU, não importa seu status referente ao Estatuto de Roma”.
Pressão internacional
Gerhard Kemp, pesquisador em direito, reiterou à agência Anadolu, que a decisão de Haia é “importante por diversas razões”, sobretudo ao impor pressão a países que mantêm seu apoio a Israel, apesar da crise diplomática deflagrada pelo genocídio.
“A decisão reforça que o TPI tem jurisdição sobre a Palestina, rejeita a objeção israelense, reflete observações importantes sobre a natureza do conflito, incluindo aplicabilidade da lei internacional, e reafirma a força das evidências”, explicou Kemp.
“Quem sabe, o mais importante é que confirma o princípio do TPI de que cargo oficial não impede a emissão de mandados de prisão e, em último caso, ao julgamento de oficiais de governo de alto escalão — por exemplo, o primeiro-ministro de Israel”, acrescentou.
Assim como a Omar al-Bashir, ex-ditador sudanês, e Vladimir Putin, presidente da Rússia, responsável pela invasão na Ucrânia, reiterou Kemp, a decisão contra Netanyahu “implica em desafios políticos e diplomáticos aos membros da corte, sobretudo ocidentais, como Alemanha e Reino Unido”.
Kemp, todavia, reconheceu a possibilidade de descumprimento, como Bashir na Jordânia e na África do Sul e Putin, mais recentemente, em viagem à Mongólia: “Estados-membros, é claro, têm obrigação legal … muitas vezes, porém, encontram dificuldades políticas em segui-las”.
“Suspeito que países europeus e outros aliados tradicionais de Israel, no entanto, viverão pressão para adotar rapidamente uma posição, se e quando surgir a ocasião para aplicar os mandados em questão”, concluiu o pesquisador, ao notar protestos contínuos.
Israel mantém ataques indiscriminados a Gaza há 13 meses, com 44 mil mortos, 104 mil feridos e dois milhões de desabrigados sob cerco absoluto. Entre as fatalidades, mais de 17 mil são crianças.
O exército israelense avançou também contra o Líbano, sobretudo desde setembro, com quatro mil mortos, 15 mil feridos e mais de um milhão de deslocados à força, sob alertas de reincidência dos crimes em Gaza no Estado levantino.
As ações israelenses, com cumplicidade ocidental, constituem crime de punição coletiva e ameaçam uma deflagração regional e internacional