Um acordo de cessar-fogo entre Israel e o grupo libanês Hezbollah entrou em vigor nesta quarta-feira (27), após 14 meses de disparos transfronteiriços e dois meses de invasão de Israel ao território levantino, com milhares de mortes e milhões de deslocados.
Conforme o acordo, Israel deve se retirar no Líbano dentro de 60 dias; o Hezbollah tem de recuar ao norte do rio Litani; e o exército regular libanês deve enviar entre cinco mil e dez mil tropas ao sul para monitorar o processo.
O acordo foi recebido com alívio no Líbano, com milhares de pessoas voltando ao sul, em aparente desafio às ordens de evacuação israelenses ainda vigentes.
Apesar do aparente avanço diplomático — sem a presença direta do grupo libanês —, Tel Aviv manteve ataques intensivos ao Líbano horas antes do anúncio.
Palestinos expressaram ora dúvidas ora esperanças sobre a medida. Enquanto lideranças creem que um cessar-fogo no Líbano pode pressionar Israel a assumir melhor diplomacia, outros temem um isolamento ainda maior dos palestinos carentes.
O movimento palestino Hamas, que administra Gaza, respondeu com cautela, ao reiterar seu “compromisso em cooperar com qualquer esforço para chegar a um cessar-fogo” no enclave sitiado, ao denunciar, no entanto, a intransigência de Tel Aviv.
Em nota, o Hamas ressaltou que um acordo em Gaza deve incluir fim da ofensiva, retirada das tropas ocupantes, retorno dos deslocados a suas casas e troca de prisioneiros.
Sami Abu Zuhri, oficial do Hamas, notou à Reuters que seu grupo “compreende” o direito do Hezbollah de firmar um acordo para proteger seu povo e ecoou a intenção. No entanto, culpou o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, por sabotar esforços.
“O Hamas mostrou enorme flexibilidade para chegarmos a um acordo e ainda permanece comprometido com essa posição, no interesse dar fim à guerra”, enfatizou.
A Autoridade Palestina (AP), por sua vez, notou “esperanças” e alertou para a urgência de que se aplique uma resolução das Nações Unidas para cessar-fogo em Gaza.
“Esperamos que esta medida contribua para dar cabo da violência e instabilidade de que sofre a região”, comentou a presidência em Ramallah.
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“Exortamos da comunidade internacional que pressione Israel para cessar sua criminosa guerra contra Gaza e Cisjordânia e dê fim a todas as medidas de escalada contra o povo palestino”, disse Hussein al-Sheikh, secretário-geral do Comitê Executivo da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), na rede social X (Twitter).
Governos regionais, como Egito, Jordânia e Catar, fizeram coro, ao sugerir um “importante passo”, mas reivindicar um “prelúdio para o fim da agressão”.
Palestinos em campo, sobretudo sucessivamente deslocados por bombardeios de Israel a áreas civis, se mostraram mais céticos, sem indício, até então, de que as negociações se estendam à Faixa de Gaza.
“A situação será pior porque haverá ainda mais pressão sobre Gaza”, lamentou Mamdouh Yonis, refugiado em Khan Younis, deslocado pela agressão israelense contra a cidade de Rafah, no extremo sul do enclave.
Ahlam Abu Shalabi, ex-residente da Cidade de Gaza, também deslocada, indagou:
“Eles concordam com um acordo num lugar, mas não no outro? Qual o sentido disso? Tenham piedade de nossas crianças, nossos idosos e nossas mulheres. Já é inverno de novo, mas ainda estamos vivendo nas tendas”.
Israel mantém ataques indiscriminados a Gaza desde outubro de 2023, como retaliação e punição coletiva a uma operação transfronteiriça do grupo Hamas que capturou soldados e colonos. Desde então, as ações de guerra falharam no resgate.
O exército colonial alega ainda que a incursão palestina incorreu em 1.200 mortes, índice, no entanto, sob escrutínio, após o jornal israelense Haaretz divulgar evidências de “fogo amigo”, com ordens gravadas de comandantes militares para atirar em reféns.
Em Gaza, são 44 mil mortos, 105 mil feridos e dois milhões de desabrigados sitiados, sem comida, água ou medicamentos.
Na última quinta-feira (21), o Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, após seis meses de análise, emitiu mandados de prisão contra Netanyahu e o ex-ministro da Defesa, Yoav Gallant, pelos crimes de guerra e lesa-humanidade cometidos em Gaza.
Netanyahu é acusado de postergar um cessar-fogo sob receios do colapso de sua aliança de governo, fim de sua carreira política e mesmo prisão por corrupção, nos três processos em curso no judiciário israelense.
Israel é réu por genocídio no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), também em Haia, sob denúncia sul-africana deferida em janeiro.
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