Um engarrafamento surgiu pela manhã, tomando pouco a pouco as vias estreitas, dentre as ruínas, da periferia de Beirute, capital do Líbano.
Nesta quarta-feira (27), um acordo de cessar-fogo enfim interrompeu as altercações entre Israel e Hezbollah, com residentes afoitos em voltar para suas casas, informou a agência de notícias Reuters.
Com colchões amontoados sobre seus veículos e algumas bandeiras verde-amarelas do Hezbollah penduradas nas janelas, milhares de deslocados pelos meses de bombardeios israelenses correram para a casa, horas após a trégua entrar em vigor.
Bairros comerciais e residenciais inteiros foram virados do avesso pelos intensos ataques de Israel, mesmo nas horas derradeiras que antecederam o acordo. Prédios caíram, com telhados nas calçadas e fios revirados por toda a parte.
Um homem é visto com um bebê sobre as telhas inclinadas de um edifício, pisando entre antenas e caixas d’água deixadas em pedaços.
Entre aqueles voltando para a casa está Zahi Hijazi, cidadão de 67 anos originalmente do sul do país, que vivia nos subúrbios da capital há décadas.
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“Tudo que guardamos na vida … Toda essa destruição”, lamentou Hijazi, ao pisar entre os móveis quebrados e estilhaços de vidro de seu apartamento. O prédio inteiro já havia sido destruído em 1982, quando Israel invadiu o Líbano durante a guerra civil.
Treze anos depois, Hijazi voltou para a casa, para reconstruí-la.
No fim de setembro, foi deslocado outra vez, à medida que Israel intensificou os ataques contra o território libanês, um ano depois de trocar disparos com o movimento Hezbollah, através da fronteira.
À Reuters, Hijazi expressou dúvidas sobre quem é que poderá ajudá-lo a se reerguer desta vez. Mesmo antes dos bombardeios israelenses, o Líbano sofria há anos com um colapso econômico, que devastou a poupança das famílias.
“Eu quero viver”, insistiu Hijazi. “Esta é a minha casa, tem 40 anos. Cada canto da casa … Tudo que está aqui significa alguma coisa para mim”.
‘O que se foi, se foi’
Sente-se um alívio no ar. Uma mulher batia palmas enquanto dirigia de volta a seu bairro; um rapaz despontou da cobertura de um prédio, de uma enorme fenda deixada por uma bomba israelense, com os polegares para o alto e a alegria no rosto.
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Mas muitos confirmam que suas casas estão inabitáveis, à medida que Israel atacou toda a infraestrutura de água e eletricidade de bairros civis. Tampouco sabem o que ocorrerá daqui 60 dias, quando se encerra o período de teste deste cessar-fogo.
“No fim, o que se foi, se foi”, comentou Ramez Boustany, de 62 anos, ao tentar analisar os danos de seu apartamento. “Não sabemos o que vai acontecer. Se haverá mais guerra ou uma Terceira Guerra Mundial. Quem sabe, um acordo. Simplesmente não sabemos”.
Conforme dados do Banco Mundial, ao menos cem mil unidades habitacionais em todo o Líbano foram parcial ou completamente destruídas pelas agressões de Israel.
Outros milhares seguiram às suas aldeias no sul do país, com seus carros adornados com bandeiras nacionais libanesas e mesmo retratos de Hassan Nasrallah, secretário-geral do Hezbollah, executado por Israel em 27 de setembro.
Muitos, contudo, foram impedidos de chegar a suas aldeias pelo exército do Líbano, que pede cautela aos deslocados, ao adverti-los contra se aventurar em áreas onde soldados israelenses permanecem estacionados.
“Não há nada como a terra do sul, o aroma do sul”, notou Khedr, cidadão libanês ansioso em se reunir com sua família, no caminho de Tiro, cidade costeira também alvejada pelos bombardeios de Israel.
A alegria não durou. Horas depois, o exército de Israel estabeleceu um toque de recolher, ao proibir que residentes adentrassem na maior parte do sul do país entre as 17 horas e as 7 horas da manhã. A ocupação se mantém presente.
“Informaremos a vocês quando é seguro que voltem para a casa”, alegou o comunicado.
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