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Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

A guerra do Ocidente consigo mesmo: O que significam os mandados de Haia?

Outdoors em Teerã mostram Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, e Yoav Gallant, ex-ministro da Defesa, atrás das grades, após emissão de mandados de prisão do Tribunal Penal Internacional (TPI), por crimes de guerra e lesa-humanidade em Gaza, em 25 de novembro de 2024 [Fatemeh Bahrami/Agência Anadolu]

Os mandados de prisão emitidos pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), com sede em Haia, contra o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, e seu ex-ministro da Defesa, Yoav Gallant, configuram um desastre diplomático para Israel, reportou a rede The Economist; um “verdadeiro estigma”, destacou o The Guardian; e um “duro golpe”, segundo outros.

Ainda assim, parece consenso que os mandados representam um terremoto na arena geopolítica, embora ainda seja improvável que Netanyahu passe sequer um dia nos tribunais.O campo pró-Palestina — que ultimamente constitui a maior parte da humanidade — dividiu-se em descrença, ceticismo e otimismo. Acontece afinal que o sistema internacional parece ter pulso — embora fraco, o suficiente para renovar esperanças de que a justiça ainda é possível.

Este caldeirão de emoções e linguagem contundente é um reflexo de diversas experiências importantes e interconectadas: primeiro, o extermínio sem precedentes de toda uma população, conduzido ainda hoje por Israel contra os palestinos de Gaza; segundo, o fracasso absoluto da comunidade internacional em dar fim ao genocídio conduzido no enclave; por fim, o fato de que as instituições internacionais têm um histórico de negligência no que diz respeito às violações de Israel — ou qualquer outro aliado ocidental.

O verdadeiro terremoto está no fato de que esta é a primeira vez na história do tribunal em Haia que um líder alinhado ao Ocidente é indiciado por crimes de guerra e lesa-humanidade. De fato, historicamente, a ampla maioria dos mandados de prisão e mesmo dos casos de detenção incidiu contra suspeitos e criminosos de guerra do Sul Global, sobretudo da África.

Israel, não obstante, não é um Estado “ocidental” qualquer. O sionismo foi uma invenção da colonização ocidental e a criação de Israel só foi possível por conta do apoio inabalável e irrestrito do Ocidente.

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Desde sua criação sobre as ruínas da Palestina histórica, em 1948, Israel serviu ao papel de fortaleza colonial ocidental no Oriente Médio. Todo o discurso político israelense, desde então, desenhou-se conforme prioridades e supostos valores ocidentais: civilização, democracia, iluminação, direitos humanos e assim por diante.

Com o tempo, Israel se tornou um projeto sobretudo americano, abraçado e acalentado tanto por liberais quanto conservadores religiosos. Multidões fundamentalistas evangélicas nos Estados Unidos foram motivadas pela noção bíblica de que “quem quer que abençoe Israel será abençoado; e quem quer que amaldiçoe Israel será amaldiçoado”. Liberais, também, recorreram a um discurso exotérico, concentrado na ideia de que Israel seria a “única democracia no Oriente Médio”, ao enfatizar constantemente seu “relacionamento especial” ou seu “vínculo inquebrantável” com o Estado ocupante.

Portanto, não seria um exagero afirmar que o indiciamento de Netanyahu, como representante do establishment político em Israel, e Gallant, como líder da classe militar, em Haia, é também um indiciamento dos Estados Unidos.

Costuma-se dizer que Israel não seria capaz de conduzir sua guerra — ou genocídio — em Gaza sem o apoio político e militar de Washington. Segundo reportagem investigativa divulgada pelo site de notícias ProPublica, somente no primeiro ano da campanha, Washington enviou mais de 50 mil toneladas de armas a Israel.

A mídia mainstream dos Estados Unidos, e seus jornalistas, também têm culpa neste genocídio. A imprensa corporativa de fato elevou os criminosos de guerra, agora reconhecidos, Gallant e Netanyahu, junto de outros líderes políticos e militares de Israel, como se fossem defensores do “mundo civilizado” lutando contra a “barbárie”. Círculos de imprensa conservadores retrataram ambos como se fossem profetas a serviço de Deus, contra supostos pagãos radicados no sul.

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Eles, também, foram indiciados em Haia, em uma espécie de indiciamento moral, ou “verdadeiro estigma” que jamais será erradicado.

Quando Karim Khan, promotor-chefe de Haia, requisitou os mandados de prisão em maio, muitos duvidavam do devido processo — com razão. Israelenses sentiam que seu país reunia apoio suficiente para desacreditar tais mandados em primeiro lugar. Ideólogos e políticos sionistas chegaram a citar casos prévios, incluindo um processo judicial na Bélgica no qual vítimas da brutalidade israelense no Líbano tentaram responsabilizar o ex-primeiro-ministro Ariel Sharon, em particular, pelos massacres de Sabra e Shatila. Não apenas o caso foi encerrado, em 2003, como a Bélgica recebeu pressão americana para mudar suas próprias leis, de modo a excluir a jurisdição universal em caso de genocídio.

Os americanos, também, não pareciam preocupados, dispostos a castigar juízes, difamar Khan e, conforme recente postagem nas redes sociais publicada pelo senador republicano Tom Cotton, prontos até mesmo a “invadir Haia”.

De fato, não é a primeira vez que os Estados Unidos — não signatários do Estatuto de Roma; portanto, não signatários de Haia — mostram os dentes contra quem quer que tente cumprir com seus deveres para fazer valer a lei internacional. Em setembro de 2020, o governo americano instituiu sanções à então promotora-chefe de Haia, Fatou Bensouda, e a outro oficial sênior, Phakiso Mochochoko.

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Mesmo aqueles que reivindicam que Israel seja responsabilizado pelo genocídio foram desacreditados, sobretudo por governos ocidentais, como a Alemanha, que agiram abertamente para tentar impedir a emissão dos mandados.

Atrasos sem a menor lógica nos procedimentos contribuíram para o clima de ceticismo, em particular quando o próprio Khan foi exposto por suposto “abuso sexual”.

Ainda assim, após todo esse esforço, em 21 de novembro, os mandados de prisão foram deferidos, indiciando Netanyahu e Gallant por crimes de guerra e lesa-humanidade, à medida que também os expõem, sob a jurisdição de Haia, a investigações por genocídio e invasão ilegal.

Considerando que a mais alta corte do mundo, o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), também em Haia, determinou, ainda no começo do ano, a plausibilidade de que as ações israelenses constituem genocídio, ao investigar as montanhas de evidências sobre o caso, Israel — como Estado — e seus líderes — como indivíduos — súbita e merecidamente se tornaram inimigos de toda a humanidade.

Embora seja legítimo e correto argumentar que o que mais importa é o resultado tangível dos processos em curso — dando fim ao genocídio e responsabilizando Israel —, não devemos perder de vista o verdadeiro significado desses eventos sísmicos.

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O TIJ e o TPI são, em essência, duas instituições ocidentais criadas para policiar o mundo mediante uma persistente abordagem de dois pesos e duas medidas resultante do sistema internacional dominado pelo Ocidente após a Segunda Guerra Mundial. Representam, portanto, o equivalente legal ao acordo de Bretton Woods, que regulou o sistema monetário internacional a serviço dos interesses ocidentais, em geral, e americanos, em particular. Embora, em tese, defendessem valores louváveis e universais, na prática, serviram apenas como ferramentas de controle e hegemonia ocidental.

Há anos, o mundo vive um estado de mudanças óbvias e irreversíveis. Novas potências estão surgindo e outras, encolhendo. O turbilhão político em países como Estados Unidos, França e Grã-Bretanha são meramente reflexos de uma luta interna entre as elites ocidentais. A extraordinária ascensão da China, a guerra na Europa e a crescente resistência no Oriente Médio são tanto resultados quanto catalisadores das mudanças.

É neste contexto que ascendeu ao centro da arena geopolítica um firme apelo por reformas no sistema internacional pós-Segunda Guerra Mundial, para refletir com maior equidade as novas realidades globais. Apesar dos esforços dos Estados Unidos e parceiros ocidentais para frustrar as mudanças, as novas formações geopolíticas não pararam de crescer.

O genocídio em Gaza é um divisor de águas nessa dinâmica global. Isso se reflete na linguagem adotada por Karim Khan quando solicitou os mandados de prisão, ao reafirmar a credibilidade do tribunal. “É por isso que temos uma corte”, declarou em entrevista exclusiva com a rede americana CNN, em 20 de maio. “É sobre a aplicação igualitária da lei internacional. Ninguém é melhor do que ninguém. E ninguém é santo”.

A ênfase na credibilidade representa, por sua vez, as intercorrências de uma evidente perda de confiança nas instituições internacionais em todos os fronts. Percepções como essas, no entanto, não deveriam ser surpresa, à medida que o Ocidente — autoproclamado guardião dos direitos humanos — é a entidade política que ainda defende e sustenta o genocídio perpetrado pelo Estado de Israel.

Embora alguns prefiram crer que os mandados de prisão foram emitidos exclusivamente em nome das vítimas, inúmeras evidências sugerem que a medida — ao que parece, surpreendente — representa também uma tentativa desesperada das instituições ocidentais para conservar a pouca credibilidade de que usufruem no momento.

O governo dos Estados Unidos — impenitente transgressor de direitos humanos e da lei internacional — não se intimidou em defender Israel, ao ponto de condenar as instituições em Haia, em vez daqueles que de fato cometem genocídio.

O conflito na Europa é ainda mais palpável, todavia, representado pela posição da Alemanha, que se conteve em prometer “analisar com cuidado” os mandados de prisão internacionais, ao reiterar, porém, que é “difícil imaginar” que haveria captura.

Podemos manter as esperanças de que as mudanças geopolíticas eventualmente sirvam de resgate à lei internacional, há muito sequestrada pela hipocrisia e oportunismo do Ocidente. Mas o que está claro, por enquanto, é que o conflito interno no Ocidente somente ganhará tração. Será que aqueles que criaram a ameaça colonial de Israel serão os mesmos poderes a derrubá-lo? Disso, eu duvido.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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