No mundo em rápida evolução do ativismo, da tecnologia e da justiça social, poucas pessoas incorporam o espírito de inovação e propósito como Adil Abbuthalha, o criador do Boycat, um aplicativo criado para revolucionar o consumismo ético.
Sua jornada da ciência de dados até o lançamento de um movimento global por meio de um aplicativo mostra o poder da determinação e da visão.
Antes de outubro de 2023, ele estava trabalhando com ciência de dados. Mas com a escalada dos ataques israelenses em Gaza, seu foco mudou radicalmente. As atrocidades que ele testemunhou despertaram algo mais profundo dentro dele, provocando o desejo de agir. “Eu não podia mais ficar sentado e assistindo”, explica Adil. “Eu tinha que fazer alguma coisa.”
Embora a codificação não fizesse parte de sua formação, a urgência da causa alimentou sua determinação. Em apenas alguns meses, ele aprendeu sozinho a programar usando ferramentas de IA e tutoriais do YouTube. Em janeiro, o “Boycat” estava no ar. “Começou pequeno. Eu só queria tornar mais fácil para as pessoas ajudarem. Mas cresceu mais rápido do que eu imaginava”, lembra Adil, com um traço de admiração pelo acelerado crescimento do aplicativo. Ele atribui esse crescimento ao potencial inexplorado da disposição das pessoas de se envolverem de forma significativa quando recebem as ferramentas certas.
O inovador tecnológico do Iêmen e do Sri Lanka identifica três questões centrais que o “Boycat” procura abordar. O primeiro é a natureza fugaz da cobertura da mídia sobre questões globais. “Dependemos tanto dos ciclos da mídia que, quando eles terminam, as pessoas deixam de se importar”, explica ele. A ideia por trás do “Boycat” era criar algo que permitisse que as pessoas continuassem engajadas com as causas com as quais se importam, independentemente do que estivesse em alta nas notícias.
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A segunda questão é a visibilidade. Embora existam milhares de alternativas éticas às grandes marcas, muitas delas lutam para obter reconhecimento. “Há alternativas por aí, mas elas precisam de uma plataforma”, diz Adil. O Boycat oferece uma solução ao tornar esses produtos mais acessíveis aos consumidores, que, de outra forma, poderiam optar por opções mais familiares, mas menos éticas. Ao destacar as empresas locais e éticas, o “Boycat” proporcionou a elas uma nova plataforma de crescimento.
A última questão é o hábito. As pessoas são criaturas de hábitos, e mudar padrões de compras há muito arraigados não é pouca coisa. Adil percebeu que, para criar uma mudança duradoura, o “Boycat” precisaria oferecer incentivos que pudessem encorajar os usuários a experimentarem algo novo. “Se eu conseguir fazer com que as pessoas experimentem um novo produto, posso mudar todo o seu comportamento”, diz ele. E o aplicativo fez exatamente isso, oferecendo aos usuários maneiras fáceis de boicotar empresas cúmplices de abusos dos direitos humanos e, ao mesmo tempo, apoiar alternativas éticas.
Um dos sinais mais tangíveis do impacto do Boycat é sua base de usuários. Em menos de um ano, o aplicativo conquistou quase um milhão de usuários, um feito notável para uma plataforma que nasceu de um desejo de mudança, e não de um empreendimento comercial. Mas o sucesso do “Boycat” não é medido apenas em downloads; ele é medido em impacto no mundo real. Ao permitir que os consumidores desviem seus gastos de empresas envolvidas em práticas antiéticas, o aplicativo contribuiu para uma mudança financeira de mais de US$ 87 milhões. Esses números contam uma história poderosa de ação coletiva.
Além disso, Adil notou uma mudança notável no comportamento do consumidor. “O que observamos é que as pessoas estão se inclinando cada vez mais para as opções locais”, explica ele. “É possível ver isso refletido em nossas lojas locais, que também promovemos. Essas lojas agora estão recebendo um tráfego que nunca tiveram antes.” Esse entusiasmo recém-descoberto pelas empresas locais apresenta oportunidades incríveis de crescimento. “Por exemplo, agora há cerca de 10 ou 12 alternativas à Coca-Cola”, acrescenta ele, destacando como o aplicativo não apenas proporcionou visibilidade, mas também promoveu uma comunidade de apoio a marcas éticas.
Adil está particularmente orgulhoso do papel que o “Boycat” desempenha na promoção dessas alternativas. “Nós nos esforçamos para colocar na plataforma o maior número possível de opções e, como resultado, vimos um aumento nas vendas e no número de seguidores nas mídias sociais.” Recentemente, durante uma visita a uma mercearia chinesa local na área da baía, Adil ficou entusiasmado ao ver uma marca chamada “Salaam cola” ganhando destaque. “Não notamos mais nenhum produto fora de conformidade”, diz ele, refletindo sobre a mudança significativa.
“As pessoas estão examinando mais produtos, especialmente de empresas como Nestlé e PepsiCo”, observa Adil. “Há um número substancial de usuários envolvidos com a pesquisa de boicote, indicando o quanto eles estão optando por boicotar determinadas marcas a cada semana ou mês.”
Essa tendência sinaliza um declínio no mercado para grandes conglomerados. Esta semana, a Starbucks relatou um declínio de 7% nas vendas globais de julho a setembro, marcando o terceiro trimestre consecutivo de queda nas receitas da gigante do café, de acordo com a Agência Anadolu. O lucro por ação caiu 25% em comparação com o mesmo período do ano passado, e a receita líquida caiu 3%, para US$ 9,1 bilhões. A Starbucks tem enfrentado protestos e campanhas de boicote em todo o mundo por seu apoio a Israel, e os resultados financeiros dos últimos três trimestres refletem a crescente reação.
Da mesma forma, a Nestlé reconheceu que suas vendas foram prejudicadas devido aos boicotes ligados a Israel. O conglomerado suíço, que detém marcas como Nescafé e KitKat, tem sido um dos principais alvos do movimento de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) por ser proprietário da empresa israelense de alimentos Osem. Em uma recente atualização comercial, a Nestlé relatou uma desaceleração em sua métrica de crescimento interno real, atribuindo-a à “hesitação do consumidor em relação às marcas globais, ligada às tensões geopolíticas”.
Embora a Palestina continue sendo o foco principal do aplicativo, Adil prevê a expansão do “Boycat” para tratar de outras causas, como a comunidade uigur e as mudanças climáticas. “Queremos apoiar todo mundo”, diz ele. A meta de longo prazo de Adil é ambiciosa, mas clara: “Se pudermos ir a governos ou corporações e dizer: ‘Veja, temos 30, 40, 50 milhões de pessoas que podem movimentar centenas de milhões de dólares’, essa é a linguagem que eles entendem. Então, teremos uma voz”.
Quanto às próximas etapas do aplicativo, Adil e sua equipe estão adicionando novos recursos, como o Zoomies, uma ferramenta baseada em localização para ajudar os usuários a encontrarem empresas éticas nas proximidades. “O nome me veio às duas da manhã, quando meu gato estava dando voltas pela sala”, ele ri. A longo prazo, o “Boycat” pretende criar um sistema de classificação que categorizará as empresas com base em seus níveis de conformidade com boicotes. Esse sistema, desenvolvido em colaboração com o movimento oficial BDS, permitirá que os usuários adaptem seus boicotes às suas circunstâncias.
Para Adil, o “Boycat” não é apenas um negócio – é um movimento. “Na pior das hipóteses, eu fracasso em dois anos, mas na melhor das hipóteses, criamos um movimento que apoia comunidades oprimidas em todo o mundo.” Está claro que a determinação de Adil não está ligada apenas ao sucesso do aplicativo. Trata-se de mudar mentalidades, alterar comportamentos e desafiar as estruturas de poder que perpetuam a injustiça.
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