Sagrada Redenção: Expondo a mentalidade colonial sionista

O documentário investigativo Holy Redemption, produzido pela TRT World, traz consigo uma marcante exposição da ideologia violenta e fundamentalista do colonialismo sionista, por trás do movimento de assentamento ilegal de Israel nos territórios palestinos ocupados. Ao se infiltrar em alguns dos grupos mais extremistas de colonos israelenses, como o Juventude das Colinas — também conhecido como o “Daesh israelense” —, este filme traz à luz a estratégia de longa data dos esforços coloniais de Israel para deslocar as comunidades nativas e expandir seu controle territorial sobre a região, a fim de criar, por meio da violência, da intimidação e da expropriação de terras, o chamado “Grande Israel”.

Gravado pouco após se deflagrar o genocídio em Gaza, em outubro do ano passado, este documentário recorre a imagens e testemunhos exclusivos não apenas das vítimas dos colonos, como perpetradores, políticos de extrema-direita e soldados reformados. O resultado é revelador, ao demonstrar a campanha sistemática e abrangente de Israel para materializar seus planos de limpeza étnica.

No coração de Holy Redemption — ou Redenção Sagrada — está a crença entre colonos israelenses de que seus atos de violência são um direito e uma determinação divina, conforme mandatos bíblicos. Grupos supremacistas, como o Juventude das Colinas e outros grupos israelenses, veem a si mesmos como agentes de uma suposta missão divina para “reconquistar” a Terra Santa, prometida por Deus, do Rio Jordão ao Mar Mediterrâneo — e até mesmo “do Rio Eufrates ao Nilo”, como proclama a líder colonial Daniella Weiss. Weiss vislumbra uma expansão dos assentamentos para além das fronteiras palestinas, em direção a outros países, como Líbano, Jordânia e Síria. Weiss e seus correligionários aguardam somente o aval do premiê Benjamin Netanyahu, para materializar seu projeto de “Grande Israel”.

Colonos recorrem a textos religiosos para alegar que os palestinos não têm qualquer reinvindicação por direito à terra em que habitam há quatro mil anos, ao justificar a expansão de seus assentamentos ilegais por supostas ordenações bíblicas. Seu compromisso com este projeto expansionista é tão implacável que se mostram dispostos a até mesmo atacar soldados israelenses, em caso de raríssimas ordens para desmantelar os assentamentos. Suas crenças se evidenciam neste documentário pelo depoimento de Nati Rom, um autoproclamado pioneiro sionista, que opera como advogado a colonos que cometem crimes graves. Rom evoca profecias messiânicas: “Continuaremos rumo às montanhas de Samaria [Cisjordânia] e aqui estamos — tudo isso é parte de nossa redenção”.

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A justificativa messiânica se alinha, no entanto, à política de Estado, em particular, quando vemos o primeiro-ministro Netanyahu recorrer à retórica genocida de Amaleque para legitimar — a seus correligionários sionistas — o massivo extermínio dos palestinos de Gaza. O rabino Joshua Mordechai Schmidt também cita o Torá, ou Velho Testamento, para justificar os assentamentos ilegais, ao reforçar a convicção dos colonos de que agem sob ordens de Deus.

Holy Redemption expõe a brutalidade da violência colonial contra o povo palestino, alimentada pela ideologia sionista. Este documentário documenta habilmente colonos ilegais atacando casas, escolas e terras produtivas palestinas, de maneira sistemática e deliberada, com a destruição de oliveiras e outros cultivos, com objetivo declarado de apagar não apenas a presença palestina e sua infraestrutura como seu patrimônio cultural e seus símbolos afetivos. Sistemas de água são destruídos; poços são envenenados; casas são demolidas; rebanhos são mortos — tudo isso como parte de uma estratégia para tornar insuportável a vida dos palestinos nativos e seu dia a dia um verdadeiro pesadelo.

Os assentamentos e postos avançados coloniais são instalados estrategicamente sobre as colinas, a fim de se sobreporem às aldeias, cidades e campos de refugiados palestinos, ao assegurar uma dominância não apenas material e militar, como psicológica sobre as comunidades nativas. Colonos aterrorizam cotidianamente as famílias palestinas, por meio de assédio, racismo, destruição de propriedades, ataques incendiários, agressões, sequestros e assassinatos.

O documentário recorda o infame atentado incendiário de Duma, em 2015, quando o colono Amiram Ben Uliel comandou o linchamento da família Dawabsheh, ao atear fogo à residência e queimar vivo o bebê Ali, de apenas 18 meses, assim como seus pais, que não resistiram aos ferimentos. O único sobrevivente, o pequeno Ahmad, foi deixado com queimaduras graves em metade do corpo. Holy Redemption registra, no entanto, a celebração da tragédia pelos colonos, ao entoar canções que glorificam o assassinato brutal dos palestinos — e revelam, consequentemente, uma mentalidade maníaca e perturbadora.

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Holy Redemption também traz à tona o apoio direto que os colonos recebem do aparato estatal israelense, incluindo proteção do exército e anuência a seus crimes, incluindo não apenas incitação como facilitação da violência. Testemunhos de soldados reformados das chamadas Forças de Defesa de Israel (FDI), eventualmente, ponderam um sentido de arrependimento por participar e mesmo promover tremenda violência, em um sistema de apartheid que oprime os palestinos em todos os aspectos de sua vida. O documentário nota, porém, o estabelecimento de quase 200 postos avançados ilegais na Cisjordânia ocupada — muitos deles bases militares utilizadas para atacar palestinos. Os registros evidenciam ainda a coordenação íntima entre Estado e milícias — incluindo grupos fundamentalistas judaicos, como a Unidade Agmar, que reúne jovens colonos doutrinados e radicalizados para odiar os palestinos. Os colonos chegam a receber treinamento militar usado para aterrorizar as comunidades nativas.

A ascensão de figuras como Itamar Ben-Gvir — hoje ministro de Segurança Nacional e ex-líder do Juventude das Colinas, que costuma incitar abertamente a violência e ódio racistas contra os palestinos, e que serviu como advogado a criminosos como Ben-Uliel — comprova a normalização do extremismo na política israelense e a forma como a violência colonial se entrincheirou no Estado. O mesmo vale para deputados como Son Har-Melech, visto em um barco assistindo em deleite os bombardeios implacáveis a Gaza.

Recentemente, o caso da ativista turco-americana Aysenur Ezgi Eygi, assassinada por soldados israelenses durante uma manifestação pacífica ao lado de camponeses palestinos contra a expansão dos assentamentos em Beita, na região de Nablus, demonstra a cumplicidade profunda entre o exército e colonos.

O documentário não deixa dúvida de que a violência conduzida por colonos israelenses não é randômica, mas parte de uma campanha ampla patrocinada pelo Estado para a limpeza étnica dos palestinos, motivada pela desumanização sistemática das comunidades nativas e pela busca de um supremacismo judaico. Os palestinos são subjugados por restrições severas a suas liberdades de movimento, além de demolição de casas e apreensão de terras — tudo projetado para expropriá-los de sua humanidade e reduzi-los a mera sobrevivência, sob ameaças constantes, como parte de um regime colonial de apartheid.

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A obra também expõe como colonos operam com absoluta impunidade, protegidos pelos sistemas militar e judicial de Israel. Rom, o advogado dos colonos, faz chacota do policiamento de maneira descarada, ao descrevê-lo como somente um “teatrinho”, ao confirmar a cumplicidade do Estado com atos terroristas.

Muitos dos assentamentos não são somente ilegais sob o direito internacional, como corroborado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e por vários países, mas carecem até mesmo de aprovação oficial do governo israelense, ao continuarem a operar com uma violência ímpar enquanto se mantêm acima da lei. O filme demonstra também como os assentamentos ilegais israelenses — em expansão ininterrupta desde 1967 — destruíram a própria viabilidade da chamada “solução de dois Estados”, ao fragmentar deliberada e estrategicamente os territórios palestinos e impossibilitar a contiguidade do país. Neste sentido, Weiss, por exemplo, se vangloria abertamente: “Não há qualquer hipótese de se estabelecer um Estado palestino”.

Contudo, ao enfrentar uma balança demográfica desfavorável em um cenário onde Israel ocupa flagrantemente todo o território palestino, Israel insiste em suas operações de limpeza étnica e expropriação dos nativos, para consolidar um regime de apartheid e garantir a supremacia judaica. Tudo isso se torna tragicamente evidente, mais do que nunca, com o genocídio em Gaza.

De fato, os colonos israelenses não se envergonham de seu fanatismo. Declaram-se “prontos para o grande massacre” e prometem aos quatro ventos: “Se precisarmos matar todos eles, os mataremos”. Desde outubro passado, colonos e soldados israelenses assassinaram ao menos 700 palestinos na Cisjordânia, incluindo cerca de 160 crianças. Em Gaza, são mais de 42 mil mortos — dentre os quais, quase 17 mil crianças.

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Holy Redemption recebeu o prêmio de Melhor Documentário no Festival de Cinema dos Balcãs em Sarajevo, com apoio da rede internacional Al Jazeera, em 17 de setembro. Trata-se de um retrato aberto, poderoso e sem filtros da violenta colonização israelense e sua persistente limpeza étnica, como parte da ocupação e do apartheid que integram, essencialmente, o projeto colonial sionista.

Neste sentido, Holy Redemption serve como uma fonte valiosa a governos e organizações de direitos humanos para denunciar os crimes de Israel no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), com sede em Haia, incluindo o processo de genocídio registrado pela África do Sul e deferido em janeiro.

A comunidade internacional já não pode continuar a ignorar a violência genocida de Israel nos territórios ocupados. A recente resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas, aprovada por ampla maioria em 18 de setembro, que impõe, pela primeira vez, um cronograma para o fim da ocupação, e a decisão de Haia, em caráter consultivo, sobre a ilegalidade desta, emitida em julho, somam-se à pressão por justiça para os palestinos nativos. É imperativo que a resolução seja devidamente respeitada e que os Estados Unidos e outros países cessem os envios de armas ao genocídio conduzido contra os palestinos pelo Estado de Israel, capaz de arrastar toda a região — quiçá, o mundo — a um conflito sem precedentes.

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