Nos meses que sucederam a escalada de Israel a Gaza, a partir de outubro do último ano, uma onda de repressão varreu as universidades no Reino Unido, ao alvejar ativistas pró-Palestina com uma alarmante severidade. Na Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres (SOAS) — centro histórico para o pensamento progressista — a repressão é palpável.
Estudantes enfrentam intimidação, suspensão e mesmo expulsão por ousarem denunciar o genocídio em Gaza e a cumplicidade de sua universidade aos mecanismos de opressão internacionais. Ativistas descrevem um clima de medo, no qual a solidariedade para com o povo palestino se depara com duras represálias e embargos institucionais.
Abel Harvie-Clark, formado recentemente, figura central no ativismo estudantil da SOAS, nota a hipocrisia no coração das políticas da universidade. A SOAS se orgulha de manter um compromisso anticolonial, mas suas ações sugerem o contrário. “Dizem que são uma autoridade em descolonização — ainda assim apoiam uma colônia de assentamentos. A parceria com a Universidade de Haifa, envolvida em pesquisa militar, realmente salta aos olhos”, comentou Abel em nossa entrevista.
Apesar de autoproclamada progressista, a SOAS tem sido cúmplice em manter e legitimar sistemas de opressão. Estudantes como Abel e Alexander Cachinero Gorman — membro eleito da liderança do Sindicato dos Estudantes (SU) da SOAS — estão na vanguarda dos esforços para expor essa cumplicidade, apesar de represálias violentas.
Abel, copresidente da seção Democracia & Educação, foi expulso “permanentemente” do campus; junto de Alexander, com quem compartilhava a liderança da seção Bem-estar & Campanhas, foi também exonerado ainda no primeiro dia de cargo, em 15 de julho, de sua posição no sindicato discente. “Lutamos contra isso porque estabelecia um precedente contra todos os outros”, explicou Abel, ao descrever os abusos enfrentados por ele e seus pares. Sua expulsão e suspensão são apenas uma parte de uma estratégia amplia voltada a silenciar qualquer forma de resistência ou dissidência no campus.
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O Sindicato dos Estudantes — certa vez um vibrante bastião do ativismo estudantil — foi duramente afetado pela atual liderança de Adam Habib. Abel recordou que a instituição já serviu como “um espaço fundamental para a resistência”, no entanto, hoje cooptada pela administração da instituição. “O Sindicato dos Estudantes deveria ser independente, mas sob a gestão de Habib e seu diretor executivo, Irfan Zaman, foi completamente silenciado e se tornou nada mais que uma ferramenta a serviço da reitoria”, reiterou Abel.
Por muitos anos, o Sindicato dos Estudantes foi verdadeiramente um espaço livre onde os estudantes poderiam se reunir para organizar suas ações por justiça, em questão como a solidariedade ao povo palestino, direitos trabalhistas e reformas sociais. Hoje, entretanto, opera sob uma cultura de medo e intimidação. Segundo Abel, tanto a liderança quanto a e independência do Sindicato foram deliberadamente erodidas para suprimir a dissidência. “Eles não poderiam se livrar tão facilmente, com tamanha opressão, se tivéssemos ainda o nosso sindicato como uma forma de mobilizar os estudantes”.
Alexander tem comentado bastante da crise do setor de serviços na SOAS e o papel que o sindicato exerceria para abordá-la, caso permanecesse operante. “Antes de ser eleito, vi quão grave é a crise de bem-estar em nossa universidade”, reportou Alexander. “Serviços terapêuticos e equipes da seção de Deficiência & Neurodiversidade mal sobrevivem; os estudantes e profissionais se veem privados de ajustes razoáveis nas condições de saúde e mesmo luto, para além de experiências claras de assédio e discriminação presentes em cada nível da instituição”.
Ele mesmo estudante com deficiência, Alexander se sentiu compelido a agir ao vivenciar na pele a discriminação institucional que perfunde a SOAS. “Após quase dois anos vendo uma repressão brutal contra meus colegas palestinos e qualquer um que ousasse apoiá-los, vendo estudantes sendo calados e mesmo feridos, decidi concorrer à copresidência da seção de Bem-estar & Campanhas”.
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O processo que levou Abel e Alexander a serem eleitos se baseou em esforços voltados a uma mudança verdadeiramente transformadora, no sentido de ecoar apelos estudantis, de longa data, por reformas consideráveis. “Se você olhar para as campanhas — radicais, otimistas e animadoras — que realizamos ao concorrer às vagas, verá como vencemos: houve, e ainda há, uma sede por mudanças substanciais na nossa universidade”, insistiu Alexander.
Tamanha mudança em potencial, porém, pôs em suas costas um alvo imenso. “Creio que não apenas prometemos, mas demonstramos com as nossas ações e outras campanhas estudantis que podemos nos mobilizar e vencer, embora perseguidos pela administração e pelo Conselho Executivo da SOAS”.
Abel enfatizou a maneira como a gestão acadêmica converteu processos disciplinares em armas, apontadas a ativistas de direitos humanos. “A gestão da SOAS simplesmente se negou a dialogar com os protestos, mesmo que sejam pacíficos. Em vez disso, recorreu a uma série de táticas de mão de ferro, como ao ampliar a segurança do campus, obstruir o acesso de estudantes e ativistas e apelar a checagens arbitrárias de nossos documentos no intuito de intimidar os jovens estudantes”.
“Alunos receberam uma montanha de ‘avisos finais’, a fim de intimidar ou antecipar, pelo primeiro deslize, suas punições. Quando vi as imagens da câmera de segurança gravadas durante o protesto que levou às minhas sanções — protesto no qual os guardas atacaram os estudantes —, era tudo tão trêmulo e circunstancial que pensei ‘É por causa disso que estão me demitindo? Sério mesmo?”, destacou Alexander.
O vínculo entre a liderança sênior da SOAS e o Sindicato dos Estudantes também incitou, desde então apreensões éticas. O Conselho Executivo — que supervisiona o sindicato — inclui ex-membros de comitês tradicionais da universidade, ao criar nitidamente conflitos de interesse. Alexander e Abel reagiram com um processo próprio, ao identificar a SOAS e o sindicato como acusados, sobretudo de violar dados de privacidade durante o processo de punição contra eles.
Para Alexander, as consequências de sua exoneração do Sindicato dos Estudantes são de fato devastadoras. “Quanto ao impacto pessoal, devo dizer que ser demitido injustamente de nosso sindicato destruiu minha saúde física e mental. Quase arruinou minha vida. Se não fossem por bons amigos e aliados, que tanto me ajudaram na Jordânia, onde estava quando recebi minha carta de demissão, creio que seria ainda pior”.
Para Alexander, a gestão planejou até mesmo o momento para exonerá-lo, a fim de causar o máximo de danos. “Nossos empregadores estavam absolutamente cientes dos desafios que enfrento, incluindo as razões pelas quais eu estava, naquele momento, viajando para realizar minha pesquisa, algo que tive de adiar diversas vezes devido à doença debilitante de que sofre minha esposa. Ainda assim, foi então que escolheram me exonerar: quando eu estava fora do país e quando Abel sequer podia mais entrar no campus”.
Apesar da repressão, Alexander e Abel permanecem determinados em não cederem sem luta. Ambos registraram um processo legal contra suas sanções, ao reafirmar que foram alvejados por suas críticas legítimas à colonização sionista e por participarem dos atos pró-Palestina em sua instituição. “Nossos empregadores cometeram o erro de citar, nos procedimentos disciplinares que nos foram impostos, nossa presença em manifestações de solidariedade ao povo palestino”, explicou Alexander, ao apontar que a luta por justiça vai muito, muito além de apenas dois indivíduos.
“Não queremos vencer somente para que se indenize a injustiça contra nós — queremos ser reempossados em nossos cargos eleitos, para dar início ao trabalho urgente de mudar as instituições, seja o sindicato ou a universidade como um todo”, corroboraram ambos a nossa entrevista. Suas demandas incluem também a ruptura de relações entre a SOAS e as Forças Armadas de Israel, reintegração dos estudantes suspensos e reconstrução do sindicato como uma instituição verdadeiramente independente e democrática.
Abel ecoou os apelos, ao instar estudantes, profissionais e aliados a resistirem às táticas de perseguição e intimidação da administração universitária. “Essa repressão representa, sim, um precedente assustador não apenas na SOAS, mas em todo o setor de educação”.
Concluiu Alexander: “Continuamos prontos para servir à comunidade da SOAS — como sempre fizemos — e espero que outros estudantes, trabalhadores e membros do público, que veem tamanho precedente em nossos casos, ao impor um ambiente hostil que vai além da sala de aulas ou do espaço de trabalho, juntem-se a nós na luta por justiça”.
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