O exército da Síria retirou-se de boa parte no sul do país, à medida que os combatentes da oposição continuam a ganhar terreno em sua operação surpresa, ao reaver as cidades de Daraa e Sweida. As informações são da rede Al Jazeera.
Neste sábado (7), forças da oposição reivindicaram o controle de Daraa — a quarta perda estratégica do regime de Bashar al-Assad em apenas uma semana.
Daraa se tornou conhecida como “berço da revolução”, quando forças de Assad falharam em conter a indignação popular pela prisão e tortura de um grupo de meninos que haviam grafitado mensagens antigoverno nas paredes de sua escola, em 2011.
Em abril do mesmo ano, o regime sitiou a cidade — avanço que militarizou a revolução, de acordo com analistas.
Na noite de sexta-feira (6), o Observatório Sírio para Direitos Humanos (OSDH) relatou que fações locais tomaram o controle de 90% da província, incluindo a capital epônima.
O exército sírio também se retirou da vizinha Sweida — bastião da minoria drusa, que tem vivenciado protestos contra Damasco há mais de um ano, sob do aumento vertiginoso do custo de vida e recusa da comunidade ao serviço militar obrigatório.
Segundo as informações, o governador e os chefes de polícia e serviço prisional, além do líder local do partido assadista Baath deixaram suas bases e repartições, conforme forças rebeldes se aproximavam.
LEIA: Rebeldes sírios fazem retorno dramático a Aleppo ao avançarem para a cidade
Após a queda de Daraa e Sweida, na manhã de sábado, o regime sírio detém ainda Homs, Latakia, Tartus e a sede do governo, Damasco.
Segundo o OSDH, o exército sírio se retirou ainda de Quneitra, na fronteira com as colinas de Golã, ocupadas ilegalmente por Israel.
Perdendo terreno
“Nossas forças operando em Daraa e Sweida estão se reposicionando para estabelecer … um cordão de segurança … após elementos terroristas [sic] atacaram postos remotos do exército”, disse o comando-geral da Síria em nota divulgada pela mídia estatal.
O exército alegou montar um “cinturão de defesa na área”, aparentemente para proteger o lado sul da capital Damasco.
O exército insistiu ainda “começar a reaver controle das províncias de Homs e Hama”, sob relatos de ataques aéreos russos e sírios contra o norte de Homs, nas primeiras horas da manhã de sábado.
Hama caiu à oposição na quinta-feira (5), que seguiu a Homs, cinco dias após conquistar Aleppo, a segunda maior cidade do país.
Segundo correspondente da Al Jazeera no Líbano, Zeina Khodr: “As forças rebeldes batem agora nos portões de Homs. Pediram, mais de uma vez, a rendição das tropas do governo. Mas as condições sugerem que deve haver uma batalha”.
Desde a aliança rebelde, encabeçada pelo Hayat Tahrir al-Sham (HTS), mas que abrange outros núcleos diversos, lançou sua ofensiva surpresa, em 27 de novembro, o governo de Assad rapidamente perdeu terreno.
À medida que milícias ligadas ao Irã, alinhadas ao governo, deixaram Deir az-Zor, no leste da Síria, forças curdas anunciaram nesta sexta-feira (6) terem atravessado o rio Eufrates e retomarem o território então vacante.
LEIA: Jordânia fecha passagem de fronteira para a Síria, diz Ministério
A rápida inflexão da guerra — em um ritmo que parece inédito — leva a crer que a ditadura de Assad, que herdou o poder de seu pai no ano 2000, após 13 anos de guerra civil, pode cair a qualquer momento.
Movimentação diplomática
Doha, capital do Catar, recebe neste sábado um encontro entre os ministros de Relações Exteriores da Turquia, Hakan Fidan; Rússia, Sergey Lavrov; e Irã, Abbas Araghchi, a fim de debater “soluções” sobre a retomada dos confrontos na Síria.
Turquia, Rússia e Irã são parceiros, desde 2017, nos chamados processos de Astana, que buscam dar fim à guerra civil na Síria.
A guerra síria pareceu estagnada por quatro anos, quando Moscou e grupos alinhados ao Irã, incluindo o Hezbollah libanês, auxiliaram Assad a reaver grande parte do país. Ancara, por sua vez, apoia grupos de oposição radicados no norte.
Contudo, com a Rússia concentrada na Ucrânia e tensões entre Irã e Israel, incluindo com um Hezbollah enfraquecido, a oposição síria parece ter compreendido que uma janela de oportunidade estaria brevemente aberta.
“A diplomacia deve trabalhar agora em encontrar uma saída para o regime e garantir uma transição ordeira”, comentou Berkay Mandiraci, analista do Grupo de Crise Internacional, à Al Jazeera. “Os avanços rebeldes ocorreram em um momento que os principais aliados do regime estão atolados em seus próprios conflitos”.
Na sexta-feira, o ministro de Relações Exteriores da Síria, Bassam Sabbagh, reuniu-se em Bagdá com seus homólogos iraniano, Araghchi, e iraquiano, Fuad Hussein, no objetivo de ressoar alarde para riscos à “estabilidade regional”.
Hussein condenou a ofensiva, mas disse que o Iraque “não pode se envolver em nenhuma guerra”.
A guerra civil na Síria matou mais de 500 mil pessoas, desde a repressão brutal de Assad a protestos populares por democracia. Mais da metade da população da Síria deixou suas casas, muitas delas ao exterior, em uma crise de refugiados sem precedentes.