Muitas questões foram (e continuam sendo) levantadas sobre a posição dos aliados de Bashar Al-Assad e a extensão de sua traição a ele, especialmente nos dias que antecederam sua fuga. Como o Irã, o primeiro e mais confiável aliado regional, está passando por um período muito difícil, dados os golpes sucessivos que recebeu nos últimos meses, sua posição é mais compreensível e explicável, especialmente à luz dos vazamentos relacionados às dúvidas de Teerã sobre a verdadeira posição de Damasco ou, mais precisamente, seu papel na transmissão de informações perigosas a Israel, o que contribuiu para o sucesso da onda sucessiva de assassinatos de líderes do Hezbollah.
O comportamento da Rússia, principal aliada global de Damasco e a potência global que mais se beneficiou da sobrevivência contínua do regime de Bashar Al-Assad na última década, vale a pena contemplar e examinar. A Rússia tem um interesse vital em manter a presença militar que o regime de Al-Assad lhe concedeu. Portanto, abandonar o apoio a esse regime e não apoiá-lo em seu confronto contra as facções da oposição é uma questão cercada de grande mistério.
Moscou estava acompanhando o desenvolvimento dos preparativos das facções armadas sírias, mais notavelmente Hay’at Tahrir Al-Sham (HTS), e suas provisões para o ataque abrangente que lançaram nos locais controlados pelo exército regular sírio. Esses preparativos levaram cerca de seis meses, entre acumular armas e munições, redistribuir forças e grupos armados em grandes áreas do território sírio, seguido por arranjos logísticos e coordenação política com forças sociais internas. Se Moscou não obteve informações diretas de inteligência no local, todos esses arranjos devem ter sido monitorados por satélites.
Se for esse o caso, então por que Moscou “vendeu” Bashar Al-Assad?
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A resposta é que Al-Assad foi quem vendeu todo mundo primeiro. Ele lidou com seus aliados, apesar de seu pequeno número, aos poucos, e pensou que, ao satisfazer cada um deles parcialmente, ou em uma determinada questão, ou durante um tempo específico, ele manteria suas alianças com todos eles e continuaria a obter seu apoio ininterrupto. Ele não lidou com seus aliados, incluindo Irã e Rússia, com confiança. Ele ouvia, mas não escutava, recebia conselhos e sugestões, mas fazia outra coisa, ou tomava medidas que eram inconsistentes com os conselhos e, às vezes, até contrárias aos conselhos que recebia.
Após dez anos de presença militar russa direta em território sírio e obtendo duas bases militares lá, Moscou não recebe mais muito de Damasco. Na verdade, é o oposto, pois o regime de Bashar Al-Assad (com o tempo) se tornou um fardo pesado para Moscou, especialmente no nível operacional. Quando a Rússia interveio militarmente na Síria, esperava que mais tarde só precisasse fornecer armas e conhecimento técnico ao exército sírio, sem ter que repetir a intervenção direta das forças russas. No entanto, Moscou ficou surpresa com a incapacidade do exército sírio de cumprir suas tarefas como um exército regular, mesmo em áreas controladas pelo regime. O que é mais trágico é a disseminação da corrupção entre as fileiras do exército e seus membros preocupados com contrabando e extorsão. Claro, o exército sírio não tinha a vontade ou o impulso para ser treinado para usar as armas que Moscou forneceu ao regime de Al-Assad por dez anos. Portanto, a Rússia se viu obrigada a defender Damasco contra qualquer perigo real e, ao mesmo tempo, teve que suportar a teimosia e a mentalidade inflexível de Bashar Al-Assad, como foi o caso quando Moscou mediou para aproximar Damasco e Ancara, e o processo parou devido à rejeição de Bashar ao entendimento patrocinado pela Rússia.
Moscou abandonou Bashar Al-Assad porque ele queria apoio militar, cobertura política e proteção de segurança da Rússia, sem levar em conta seus interesses, mas sim, em seus próprios termos. Assad estava mal informado, não percebeu o significado da aliança e que tudo tem um preço, e tentou satisfazer seus aliados externamente, mas não na prática, e acabou não satisfazendo ninguém.
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