‘Liberalóides’ comprados pela Aipac pedem aos EUA que invadam Haia

Liberalóide é um termo político pejorativo, frequentemente usado para insultar àqueles à esquerda, mas penso que podemos usá-lo para descrever também Tom Cotton — senador republicano pelo estado do Arkansas. Cotton, de 47 anos, deu um chilique ao saber que o Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, emitiu mandados de prisão contra o genocida primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e seu ex-ministro da Defesa, Yoav Gallant.

Sim — decidi usar a palavra com “g” e tenho apoio do Wikipedia, que agora se refere oficialmente ao “Genocídio em Gaza”, apesar de supostos especialistas na lei internacional, como o premiê britânico Keir Starmer, que serviu na promotoria de Haia, serem incapazes de admitir o termo, por conta de seus vieses sionistas. Apesar de Starmer, poderíamos dizer, ser um liberalóide inglês, permita-me discorrer por qual razão acredito que o senador Cotton se tornou um exemplo perfeito para este termo.

Após cinco horas digerindo a declaração da corte, o ex-soldado americano e suposto advogado treinado em Harvard descreveu o TPI como “corte canguru”. Então, em um tom deveras mais sinistro, insultou o promotor-chefe Karim Khan ao rotulá-lo como um “fanático desvairado”. Insatisfeito com isso, então ameaçou: “Desgraça a ele e a qualquer um que ouse aplicar esses mandados ilegais [sic]. Deixem-me lhes dar um aviso de amigo: a lei americana sobre o TPI se chama Ato de Invasão de Haia por uma boa razão. Pensem nisso”.

O Ato foi sonhado por um forte candidato ao título de liberalóide-chefe.

George W. Bush, então, presidente dos Estados Unidos engendrou a peça legislativa que busca proteger soldados americanos de toda a sorte de acusações pelos crimes de guerra notavelmente hediondos cometidos sob suas ordens.

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Como o senador Cotton, pensei bastante sobre os inquéritos e as determinações de Haia, muito embora tenha levado menos de cinco horas para chegar à minha conclusão. O senhor, senador, certamente não passa de um liberalóide, ameaçando invadir a Holanda nas redes sociais. Sim — a Holanda, um Estado soberano. Sim — a Holanda, um membro-fundador da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Como o senhor mesmo disse: Pense nisso.

Agora, tenho certeza absoluta que a generosa doação da AIPAC de US$4.5 milhões a este caipira ignorante, o senador Cotton, influência seu processo mental, ao ignorar — não importa seu diploma de Harvard — que o promotor Khan teve assessoria dos mais impressionantes peritos em lei internacional ao constituir um painel capaz de ponderar sobre a eventual decisão.

Um desses especialistas foi Theodor Meron, de 94 anos de idade, renomado pesquisador do direito humanitário internacional e ele próprio sobrevivente do Holocausto, que passou quatro anos em um campo de concentração nazista. Desde os primórdios de sua carreira, o polímata Meron praticou o direito, além de servir como diplomata e embaixador que então representava o Estado de Israel. Desde a década de 1970, quando deixou Israel e se mudou a Nova York, foi juiz e leciona e pesquisa a lei internacional. Hoje, serve como consultor do TPI sobre as acusações postas contra Israel por conta das violações cometidos durante a guerra em Gaza.

Quem mais bem qualificado para ponderar sobre tamanha decisão senão um sobrevivente do genocídio judaico e ex-refugiado polonês que já foi diplomata em Israel?

De fato, a guerra de extermínio israelense matou e feriu quase 150 mil civis e deslocou milhões múltiplas vezes. Estima-se 11 mil desaparecidos, tidos como mortos debaixo dos escombros das casas e outras construções civis atacadas por Israel. A maioria dos deslocados pertencem a famílias refugiadas desde a Nakba de 1948, quando o incipiente Estado israelense se criou em terras palestinas à medida que terroristas sionistas forjavam as décadas seguintes de limpeza étnica.

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Nosso liberalóide do Arkansas poderia ser muito bem acusado de antissemitismo por seu grosseiro desdém a figuras como Meron, que demonstraram opiniões muito bem embasadas, sobretudo diante do conhecimento profícuo do especialista em questão e sua experiência em primeira mão sobre genocídio e crime de guerra. Como se não bastasse, tanto o TPI quanto sua corte-irmã em Haia, o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), têm raízes no mundo pós-Segunda Guerra Mundial, como resultado direto dos hediondos nazistas cometidos na Europa contra judeus e outras minorias.

Genocídio, crimes de guerra e lesa-humanidade são agora cometidos por aqueles que acatam às ordens de Netanyahu e de seu gabinete de guerra, que, até muito recentemente, incluía Gallant, demitido em novembro. E o homem com o dedo sobre o botão, ninguém menos que Netanyahu, é reiteradamente comparado com Hitler, até mesmo por chefes de Estado e governo nas Nações Unidas.

Portanto, prevalece a pergunta — os oito distritos holandeses que hoje constituem Haia devem se preparar para uma invasão do Tio Sam? A Sexta Frota americana, hoje estacionada na cidade italiana de Nápoles, afinal, permanece atracada junto da Marinha dos Estados Unidos na Europa (NAVEUR).

Assustadoramente, Cotton tem a atenção do presidente eleito Donald Trump e a admiração do ideólogo de extrema-direita e supremacista branco Steve Bannon, embora Trump diga preferir fazer as pazes com Putin, ao contrário do senador. Mas é um verdadeiro abutre, o liberalóide do Arkansas. No que diz respeito a tortura, por exemplo, Cotton afirma abertamente crer que afogamento não é tortura e que, caso Trump reintroduza a prática, terá seu apoio para “tomar decisões difíceis”. Após o assassinato de George Floyd por um policial branco de Mineápolis, em 2020, Cotton não hesitou em reivindicar, nas redes sociais, que o exército americano fosse acionado contra as manifestações civis e que as forças policiais não cedessem “um centímetro sequer a insurrecionistas, anarquistas, baderneiros e saqueadores”. Trump, então presidente, deu ouvidos ao conselho e ameaçou acatá-lo.

Em nome do meio milhão de cidadãos holandeses que vivem em Haia, esperemos que as “decisões difíceis” de agora não envolvam uma retaliação militar americana aos mandados de prisão de Haia contra Gallant e Netanyahu, além de um líder do movimento Hamas. Vivemos em tempos estranhos, em que tais ameaças são proferidas por um oficial eleito que afirma defender a democracia, a lei e a ordem. O senso comum certamente deve prevalecer, mas parece um produto fora de estoque no que diz respeito à política externa dos Estados Unidos. Nos resta esperar para ver se esses belicistas liberalóides se tornaram hegemônicos na política do país.

O senador Cotton, no entanto, é pró-Israel até a medula.

Em seu website, atacou ainda o movimento pacífico de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), ao propor um projeto de lei para criminalizar designações “antissemitas” sobre produtos exportados dos assentamentos ilegais nos territórios palestinos ocupados. “Militantes de esquerda”, declarou Cotton, “abusam dos rótulos de origem nacional para estigmatizar bens fabricados em Israel [sic]. Nossa lei defenderá a integridade do Estado judeu, ao garantir que bens israelenses ostentem orgulhosamente o rótulo de ‘Made in Israel’”. Como todo bom sionista que está nos bolsos da AIPAC, Cotton se recusa a reconhecer que tais produtos são continuamente fabricados em terras palestinas ilegalmente ocupadas.

Cotton parece afoito em ver tropas invadindo aliados da OTAN, porque não gostou de uma conclusão embasada em especialistas, incluindo um sobrevivente do Holocausto. Também parece afoito em jogar na lata do lixo o direito internacional, que determina que a ocupação israelense em terras palestinas expropriadas é terminantemente ilegal. Certamente, não esconde seu desprezo pela lei e as instituições.

É difícil crer, portanto, que Cotton seja um advogado formado, que gosta tanto de “defender” online a lei e a ordem. O dinheiro da AIPAC parece muito bem gasto no estado do Arkansas. Liberalóide não basta. Cotton e seus pares são também hipócritas.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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