Sem punição internacional a Israel pela bárbara execução da jornalista palestino-americana Shireen Abu Akleh, em maio de 2022, quando cobria ataques israelenses aos palestinos, em menos de dois anos o caso virou estatística frente à verdadeira política de extermínio da imprensa que se seguiria ao 7 de outubro de 2023.
Israel calou jornalistas investigativos e repórteres de campo sobre o que ocorreu na invasão surpresa do Hamas. As mortes de repórteres em menos de 3 meses daquele ano superou o total registrado em 30 anos de ocupação. A narrativa da guerra contra Gaza passou a basear-se nos informes das IDF- Forças de Defesa de Israel e nas campanhas coordenadas de embaixadores israelenses pelo mundo. Enquanto jornalistas selecionados eram reunidos nas embaixadas para assistir 45 minutos de um filme de terror sobre o 7 de outubro, seus colegas em campo eram assassinados por Israel.

Mais de 100 jornalistas palestinos foram mortos por Israel em Gaza – Cartoon [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]
Wael al-Dahdouh, hoje premiado pelos Repórteres Sem Fronteiras por sua coragem em seguir cobrindo a guerra em Gaza em meio à própria tragédia familiar, até ser ele mesmo ferido em um ataque que matou seu colega cinegrafista Samer Abudaqa, já havia perdido esposa e dois filhos pequenos em outubro de 2023. Sem a devida reação da comunidade internacional e a condenação da barbárie israelense, quando já se configurava um genocídio em curso, Israel se viu com carta branca para golpear a imprensa que procurava registrá-lo.
2024 tornou a matança de jornalistas uma rotina.
LEIA: O que faz os jornalistas palestinos se levantarem por Gaza?
O número de jornalistas mortos em Gaza passou de 192 na entrada de dezembro deste ano, com o assassinato de Maysara Ahmed Salah. Na véspera, foi morto Mamdouh Quneita no Hospital Árabe al-Ahli. E antes Saed, Haneen Selmeyeh … Os nomes já não ficam na memória de quem acompanha essa guerra e os crimes da ocupação, como ficaram os de Shireen e Dahdouh, pela banalidade com que as mortes se repetem e são noticiadas. A imprensa internacional vai perdendo o sangue e as garantias nas mãos de Israel enquanto parece contentar-se com as declarações do mesmo exército que mata seus profissionais
Sobre as últimas mortes nesse extermínio a conta-gotas, é preciso dizer que Mamdouh Quneita era editor do canal de TV via satélite Al-Aqsa, sediado em Gaza e foi morto por disparos de drones israelenses que o perseguiram no pátio do hospital. Maysara Ahmed Salah era jornalista da Quds News Network e foi morta por Israel. Nos últimos dois meses, um drone israelense matou o jornalista palestino Mohammed Saleh Al-Sharif depois de Israel bombardear sua casa e o cinegrafista da Al Jazeera Fadi Al-Wahidi foi gravemente ferido. Hamza Abu Selmeyeh, Saed Redwan e Haneen Baroud foram mortos em outubro, no campo de refugiados Al-Shati. Em agosto, foram assassinados Tamim Ahmed Abu Muammer da Palestine Television e Abdullah Mahir Al-Susi do Al-Aqsa Channel.
O Escritório de Mídia do Governo de Gaza condenou “nos termos mais fortes o direcionamento, a morte e o assassinato de jornalistas palestinos pela ocupação israelense”. A lista é assustadora de profissionais que arriscaram a própria vida para furar o cerco das fakenews de Israel sobre o genocídio e foram eliminados.
A estrutura física, logística e financeira do jornalismo que tenta cobrir a guerra por meios próprios é especialmente visada por Israel. Assim como os escritórios da Rede Al Jazeera foram fechados na Cisjordânia, o jornal israelense Haaretz foi punido com o corte de publicidade e assinaturas governamentais que garantem boa parte de seu financiamento. O Haaretz chegou a investigar e noticiar o envolvimento de Israel nas mortes do 7 de outubro e costuma ter posição crítica a Netanyahu. O ministro das Comunicações de Israel, Shlomo Karhi, acusou o jornal de estar “sabotando Israel em tempos de guerra” e de atuar como “porta-voz inflamado dos inimigos de Israel”.
LEIA: A verdade está lá fora, por trás de todas as mentiras
O Comitê para a Proteção dos Jornalistas, sediado em Nova York, acompanha os casos na Palestina desde 1992. Seu diretor de pesquisa, Carlos Martínez de la Serna, afirmou ao Haaretz que o acesso para cobertura local só é permitido em visitas militares rigorosamente controladas e aos influenciadores pró-Israel.
Para Tim Dawson, Secretário-Geral Adjunto da Federação Internacional de Jornalistas (IFJ), a taxa de mortalidade entre jornalistas palestinos é muito maior do que em outras profissões civis e seria alta até para as mortes de soldados de infantaria em guerra.
O ano termina sem justiça para o povo palestino. O genocídio continua. E as garantias de proteção aos repórteres de guerra não existem mais. Como constatou o CPJ, os jornalistas estão sendo caçados e mortos justamente por serem jornalistas. Na lógica da cumplicidade da própria mídia internacional com a guerra, parece que o crime é fazer jornalismo.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.