Na área H2, em Hebron, restrições israelenses impedem acesso das pessoas à saúde

Checkpoint militar israelense em Hebron (Al-Khalil), na Cisjordânia ocupada, em 29 de agosto de 2023 [Wisam Hashlamoun/Agência Anadolu]

A área H2 da cidade de Hebron é emblemática dos desafios enfrentados pelos palestinos que vivem sob o controle israelense. A área, uma das mais restritas da Cisjordânia, compreende cerca de 20% da cidade de Hebron e é o lar de cerca de 7 mil palestinos e várias centenas de colonos israelenses. É uma região controlada com rígidas restrições de movimento, fechamentos sistêmicos e violência contínua. As equipes de Médicos Sem Fronteiras (MSF) têm fornecido cuidados de saúde primária e apoio à saúde mental em duas clínicas para palestinos cujo acesso aos cuidados de saúde foi diretamente obstruído.

H2 tem cerca de 28 postos de controle israelenses com pessoal permanente. Muitos deles são fortificados com detectores de metais, câmeras de vigilância e tecnologia de reconhecimento facial, além de instalações para detenção e interrogatório, limitando severamente o movimento de residentes palestinos e profissionais de saúde.

O acesso a cuidados médicos nunca deve ser arbitrariamente negado, impedido ou bloqueado.”

– Chloe Janssen, coordenadora do projeto de MSF em Hebron

Desde a guerra de Israel contra a população de Gaza, as restrições das forças israelenses aumentaram drasticamente na Cisjordânia, inclusive em Hebron. Em dezembro de 2023, citando preocupações com a segurança, as autoridades israelenses forçaram as equipes de MSF a suspender as atividades por mais de cinco meses no bairro de Jaber, dentro do H2. Como alternativa, as equipes de MSF abriram uma clínica móvel perto de Jaber, fora do posto de controle, e em Tel Rumeida, que seria acessível a pessoas que podem sair do H2, mas nem todas conseguem acessá-lo.

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“Embora agora possamos prestar atendimento na clínica de MSF no bairro de Jaber, o acesso continua sendo um desafio, pois nossa equipe pode ser revistada e atrasada nos postos de controle para entrar na área H2”, diz a coordenadora do projeto de MSF, Chloe Janssen. “O acesso a cuidados médicos nunca deve ser arbitrariamente negado, impedido ou bloqueado”, enfatiza ela.

Acesso aos cuidados de saúde

Desde o início da guerra em Gaza, a maior parte da equipe médica do Ministério da Saúde não conseguiu obter as permissões necessárias para atravessar os postos de controle israelenses, deixando apenas uma clínica de MSF operacional durante esse período.

“Tenho 77 anos e meus pés doem. As forças israelenses nos impedem de usar veículos, então eu seguro as mãos dos meus filhos e caminho entre as casas para chegar à clínica ou a qualquer serviço médico”, compartilha paciente de MSF que vive na área H2.

MSF enfrenta frequentes interrupções em seus serviços de clínicas móveis, sendo impedida de entrar na área ou enfrentando restrições de movimento durante os feriados públicos israelenses. Essas interrupções têm impactos profundos na saúde dos pacientes, particularmente daqueles que necessitam de cuidados contínuos, como os que enfrentam diabetes ou hipertensão.

A clínica móvel de MSF em Jaber recebe de 60 a 70 pacientes por semana. Cisjordânia, novembro de 2024. © Oday Alshobaki

As clínicas de MSF fornecem não apenas cuidados médicos essenciais, mas também um espaço raro para conexão social em um ambiente marcado pelo isolamento e pela mobilidade restrita. Duas vezes por semana, as clínicas móveis tratam de 60 a 70 pacientes, oferecendo cuidados físicos juntamente com apoio à saúde mental para ajudar os residentes a lidar com o trauma contínuo de se viver sob tais circunstâncias.

O impacto nas crianças

Entre outubro de 2023 e maio de 2024, três escolas palestinas que atendiam a pelo menos 350 alunos permaneceram fechadas, e mais de 13 mil alunos na área perderam o aprendizado presencial*. Desde então, muitos desistiram inteiramente da escola, por causa do custo logístico e psicológico de frequentar as aulas em tais condições.

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“Vimos um declínio dramático na saúde mental das crianças”, explica Ola Jabari, conselheira de saúde mental de MSF. “Muitas das crianças voltaram a urinar na cama à noite, têm pesadelos e dificuldades acadêmicas. Também vemos sintomas de trauma, como hiperatividade e dificuldade de concentração, todos ligados à violência e às restrições que testemunham diariamente.”

Jabari acrescenta: “Os pais aqui estão sob imensa pressão. Eles não podem suprir as necessidades de seus filhos – econômica, emocional ou psicologicamente. Vimos até um aumento na violência doméstica, à medida que o estresse se acumula dentro das famílias.”

MSF também oferece atividades recreativas para mulheres e crianças palestinas vindas de toda a província de Hebron. “As participantes gostam de ter um lugar seguro para conhecer e conversar com outras mulheres”, continua a conselheira de saúde mental. “Para aquelas que vêm de H2, esses compromissos são uma oportunidade de escapar de um ambiente de confinamento que se assemelha a uma prisão.”

O custo mental do trauma contínuo

“A Palestina não é um caso de transtorno de estresse pós-traumático, porque o trauma nunca termina. Aqui, estamos falando de traumas contínuos e complexos. Toda a população é afetada.” explica Lucia Uscategui, coordenadora de atividades de saúde mental de MSF.

Ela conta a história de um menino de 11 anos que foi forçado a passar por uma humilhante revista corporal em um posto de controle: “Depois disso, ele se recusou a sair de casa por semanas. Ele teve pesadelos, voltou a urinar na cama e ter ansiedade severa. Seu pai o trouxe até nós, mas o trauma afetou profundamente os dois. Esta é a realidade para muitas famílias em H2”, relata Lucia.

Mesmo que o conflito e a ocupação terminassem amanhã, as consequências durariam anos.”

– Lucia Uscategui, coordenadora de atividades de saúde mental de MSF

Apesar dos imensos desafios, algumas pessoas na comunidade mostram uma resiliência impressionante. No entanto, Lúcia tem observado um aumento preocupante de hábitos não saudáveis. “Vemos mais pessoas passando a fumar, rolando sem parar as telas de seus celulares ou recorrendo a outras soluções rápidas que oferecem um alívio a curto prazo. Soluções de longo prazo, como a terapia, parecem fora de alcance, porque as pessoas perderam a esperança de mudança”, diz.

“Mesmo que o conflito e a ocupação terminassem amanhã, as consequências durariam anos”, reflete Lucia. “Mas nosso trabalho é mostrar às pessoas que elas não estão sozinhas – que ainda há alguma esperança, mesmo nos momentos mais sombrios.”

Médicos Sem Fronteiras pede às forças israelenses que interrompam as medidas restritivas que impedem os palestinos de acessar serviços básicos, incluindo cuidados médicos. Israel deve tomar todas as medidas possíveis para garantir que as pessoas consigam acessar os serviços de saúde.

*Dados do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários. Leia aqui em inglês.

Publicado originalmente em MSF

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