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Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

Waleed Siam, embaixador palestino no Japão, comenta Gaza e acordo de Tóquio

Waleed Siam, embaixador palestino no Japão [Reprodução]

A embaixada da Palestina no Japão fica no quieto e sofisticado bairro de Minami Azabu, na cidade de Tóquio. Em uma sala ensolarada no andar superior, sentamo-nos em cadeiras grandes de estadista e tomamos café em xícaras elegantes de porcelana com o embaixador Waleed Siam. Os arredores civilizados da missão parecem distantes da barbárie que vemos na Palestina ocupada.

Siam é um diplomata experiente que está no Japão desde 2003. Falou de assassinato a sangue frio, devastação e destruição de cidades inteiras. O manto de ódios antigos orbitou nossa conversa. A humanidade nos pareceu desumana diante do que o embaixador nos revelou.

No entanto, ofereceu a nós um vislumbre de esperança. Quem sabe o Japão, ele disse, poderá agir como um mediador, para encerrar o reinado de terror que assola hoje a população de Gaza. Nesta conversa exclusiva, falamos dos horrores do ódio que tomam forma no mundo e da promessa, embora exígua, de dias melhores na Palestina.

Começamos a perguntar sobre o que está acontecendo em Gaza, onde segue a guerra de extermínio travada por Israel, há mais de um ano, desde a incursão transfronteiriça do grupo Hamas, em 7 de outubro de 2023. O embaixador Siam reiterou mais de uma vez ser contrário às ações da resistência. No entanto, condenou ainda a resposta de Israel.

“Dois dias atrás, Israel queimou um campo de tendas para os deslocados, queimou vivas crianças, homens e mulheres que não tinham qualquer amparo”, comentou o embaixador. Isso foi em 14 de outubro de 2024, quando o exército israelense bombardeou tendas que abrigavam famílias deslocadas no centro de Gaza, com quatro mortos e dezenas de feridos. “Nas redes sociais, há imagens dos incêndios, de pessoas queimadas vivas tentando escapar. Vimos imagens como essa em outras guerras no mundo?”, questionou Siam. “Mas, bem, Israel faz o que quer, infelizmente”.

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Notamos uma célebre fotografia da Guerra do Vietnã, na qual crianças correm após serem atingidas por napalm. Não é a mesma coisa, mas é bastante parecido. “Sim, está correto”, disse o embaixador.

Os Estados Unidos fornecem armas e recursos a Israel desde 7 de outubro, em favor de seus objetivos militares na região. Perguntamos se há uma chance de o Japão —conhecido aliado de Washington — poderia romper com a política e agir de forma mais independente. “Se você me perguntasse isso cinco anos atrás, eu diria que é bem improvável”, respondeu o diplomata. “Mas durante a presidência americana de Donald Trump, ele declarou Jerusalém como ‘capital eterna’ de Israel. Obviamente, nossa delegação da Palestina rechaçou a medida na ONU — o Japão também”.

Waleed Siam, embaixador palestino no Japão [Reprodução]

Siam argumentou ainda que, quando o Estado da Palestina — em vez da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) — solicitou plena adesão às Nações Unidas, o Japão apoiou o requerimento.

As posições do governo em Tóquio, cada vez mais favoráveis à Palestina, comentou Siam, sugerem que o Japão é plenamente capaz, hoje, de divergir da influência dos Estados Unidos em sua política externa, sobretudo no que concerne o Oriente Médio. “Há certamente razões para tanto”, explicou o diplomata. “O Japão depende de gás natural e petróleo da região, em mais de 90% [de suas demandas energéticas]. Portanto, seus interesses ainda repousam no Oriente Médio e isso ajuda a contrapor a pressão americana enquanto Tóquio busca elaborar sua própria política”.

O Japão também investiu bastante na região, ressaltou o embaixador, sobretudo na Palestina. “Creio que o volume [de investimentos] gira em torno a US$2.7 bilhões, desde a assinatura dos Acordos de Oslo [em 1993] até os dias de hoje”.

Em seu ponto de vista, a situação na Palestina já não pode mais ser vista como um conflito, mas sim ocupação militar israelense dos territórios palestinos, ilegal sob a lei internacional, como corroborou o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), sediado em Haia, em julho. Dado que o Japão sempre se opôs à ocupação, rejeitou os assentamentos ilegais e manteve seu apoio à chamada solução de dois Estados, para Siam, trata-se de um mediador bastante viável.

Voltamos nossa conversa a um incidente que ocorreu em agosto envolvendo uma cerimônia em Nagasaki realizada para recordar as vítimas do ataque nuclear americano de 1945. Na ocasião, Rahm Emanuel, embaixador dos Estados Unidos em Tóquio, recusou-se a comparecer porque o embaixador israelense estava entre os três emissários — junto de Rússia e Bielorrússia — desconvidados ao evento devido às campanhas militares de seus países em terras estrangeiras.

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Algumas redes de imprensa no Japão defenderam Emanuel. Com isso em mente, perguntamos a Siam se o Japão permaneceria do lado da lei internacional apesar das pressões externas, em particular após o grupo de ativistas anti-armamentistas Hidankyo vencer o Prêmio Nobel da Paz de 2024. Para o embaixador, seu país anfitrião tem de permanecer ao lado do Estado de direito. “Mas devemos estar atentos à geopolítica da Ásia”, admitiu o diplomata. “O Japão não tem laços formais com a Coreia do Norte; costuma assumir uma posição contrária a China e Rússia. Será que o Japão defenderá o Estado de direito ou preferirá seguir Washington e pagar o preço por isso?”

Siam expressou certeza de que os Estados Unidos jamais lutarão pelo Japão. “Nunca. Dizemos há muito tempo que é inimaginável que um soldado americano aja em defesa do povo japonês. O passado guarda uma mentira, contada por Lyndon Johnson e Richard Nixon [ex-presidentes americanos], dentre outros, de que tudo é comunismo, comunismo, comunismo. Mas não funciona mais assim”.

Ao examinar as pressões externas, questionamos sobre a influência em potencial do lobby israelense no Japão. “Imagino que o Japão deve passar também pelo lobby sionista, para passar pelo lobby de Washington. Mas embora haja alguns indícios do lobby israelense no Japão, ele não está ainda bem-estabelecido”.

Siam observou que ideólogos sionistas não podem usar da religião como subterfúgio no Japão: “Budistas e xintoístas não tem qualquer interesse em outras religiões, então sionistas carecem do argumento supostamente judaico de que cristãos e muçulmanos estariam vindo para destruí-los”.

Embora os sionistas possam ser capazes de influenciar as grandes corporações japonesas que exportam aos Estados Unidos, ao impor pressão sobre a gestão americana para recorrer a tarifas contra elas, por exemplo, o embaixador argumentou que essa abordagem falhou no passado e deve permanecer assim porque o povo japonês tem sua própria influência. “É por isso que, desde outubro passado, não vimos qualquer movimentação significativa do lobby sionista no Japão”, argumentou o embaixador. “Vimos também muitos políticos japoneses falando abertamente contra as atrocidades e o genocídio conduzido por Israel”.

Para encerrar nossa conversa, perguntamos sobre o papel dos Estados Unidos em fomentar a paz e a estabilidade na Palestina. “Nunca vi isso, pessoalmente, uma política americana positiva para os palestinos”, reconheceu o diplomata. “O Estados Unidos continuam a enviar armas a Israel, incluindo bombas gigantescas que não foram usadas nem mesmo no Afeganistão. Os israelenses usam bombas de 900 kg, de fabricação americana, em Gaza, uma das áreas mais densamente povoadas do mundo”.

Para Siam, isso é incompreensível. “O que os americanos dizem sobre Gaza e o que fazem é completamente oposto — é pura hipocrisia. O senador Lindsey Graham chegou a sugerir lançar uma bomba atômica na Faixa de Gaza. Um senador dos Estados Unidos da América! Uma bomba atômica em Gaza! Imagine falar algo assim sobre Israel. Certamente seríamos expulsos do Japão”.

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Palestina: quatro mil anos de história
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