Ter um ambiente amoroso é o que torna um espaço um lar. Por isso, lar é onde posso ser eu mesma, como sou agora, mas com pessoas que amo”, diz Nour, que se estabeleceu na Dinamarca. O lar é algo que muitos de nós consideramos como uma ideia natural, mas quando perguntados sobre o que torna um lugar um lar, todos damos respostas diferentes e parece que isso se resume ao fato de que o reconhecemos quando o vemos. No entanto, para os refugiados, o conceito de lar não é apenas uma abstração, mas um lugar que eles estão tentando cultivar ativamente em um mundo ao qual não sabem a que lugar pertencem. A Síria é uma das maiores populações de refugiados do mundo e, 14 anos após o início das revoltas árabes em 2011, a identidade e o senso de lar de um povo inteiro estão sendo forjados no exílio da terra mediterrânea.
A cientista política Wendy Pearlman fez um trabalho extraordinário ao documentar as vozes dos sírios durante a revolta e o deslocamento. Agora, ela retorna com um novo livro que analisa como os refugiados sírios redesenham a ideia de lar após deixarem a Síria. “The Home I Worked to Make: Voices from the New Syrian Diaspora” (O lar que trabalhei para criar: vozes da nova diáspora síria) é uma coletânea de depoimentos de sírios de diferentes origens, crenças e circunstâncias, estabelecidos em todo o mundo, que nos contam suas histórias e a evolução da ideia de lar.
A relação com a Síria é complicada para muitos dos refugiados. Masri, que acabou indo com seus filhos para o Japão, diz: “O Japão é pacífico. Tudo é bom. É seguro e conveniente. Só que não é a utopia que esperávamos que fosse. Eu me sinto como um pássaro em uma gaiola dourada”. Sua existência no Japão contrasta fortemente com sua vida na Síria: “Durante todos os anos que passei na Síria, eu sempre esperava ser morta”. Ela até diz que não se sente ligada a nenhum lugar físico, mas quando dá seminários para aumentar a conscientização sobre a Síria, ela conta com orgulho a todos sobre as antigas tradições, a comida, a cultura e a longa história. Para Ali, que foi parar na Índia, pensar na Síria gera um conflito dentro dele como homem gay: “Durante os anos em que estive fora, pensei em minha terra muitas vezes. Vejo apenas as partes boas. É engraçado como temos a tendência de romantizar nosso lar”. Mas Ali também lembra: “Para mim, ‘preso’ é sinônimo de Síria. Isso me faz lembrar a frase de uma série de TV que me é muito cara: ‘Viver é sobreviver a escolhas injustas’. Acho que muitas pessoas na Síria podem se identificar com isso”.
Estar longe da Síria desafiou muitas das ideias que os sírios tinham anteriormente. Para Houda, que se estabeleceu no Sudão, a experiência religiosa mais comovente de sua vida aconteceu em Cartum. Um dia, a clínica do estudante de Medicina teve um dia aberto, em que as pessoas chegavam com todos os tipos de problemas. Alunos de uma Khalwa, que é uma instituição educacional islâmica ligada a uma mesquita, apareceram durante o dia aberto. Houda descreve que sentiu pena deles, pois eram jovens estudantes que estavam longe de suas famílias e levavam uma vida bastante pobre. Tudo isso mudou quando alguns dos alunos reuniram a equipe médica em uma sala e recitaram o Alcorão para eles. “Eles estavam tão puros. É como se nunca tivessem visto nada de ruim neste mundo. Nada distorcia sua inocência”. Houda diz que, apesar de ter memorizado e ouvido o Alcorão durante toda a sua vida, escutar certos versos das crianças a fez sentir como se estivesse ouvindo o Alcorão pela primeira vez. Todos os estudantes de Medicina ficaram chorando, saíram da clínica e se sentaram embaixo de uma árvore em silêncio. Não sentíamos mais pena das crianças. Sentíamos pena de nós mesmos”. A experiência a deixou humilde e, quando lhe perguntaram como ela escolheu viver no Sudão, ela começou a responder: “Eu não escolhi o Sudão. O Sudão me escolheu”.
“The Home I Worked to Make” oferece ao leitor uma visão sobre o amor, o ódio, a tortura, a complexa e, ainda assim, reconfortante ideia de lar para muitos sírios. O lar não é fixo, mas migra com eles, tanto física quanto mentalmente. Para muitos, há um profundo amor pela Síria, mas também uma grande dor associada a ela. É simultaneamente o lugar em que não tiveram escolha de estar e o lugar em que muitos gostariam de estar novamente. Escrevendo esta resenha durante esta conjuntura histórica em que o conceito de lar tomou outra reviravolta inesperada com o colapso do regime de Assad, muitos sírios agora acreditam que podem retornar ao país levantino, como disse a escritora síria exilada Sarah Hunaidi em um vídeo choroso e alegre no Instagram, logo após a notícia de que Bashar Al-Assad havia fugido de Damasco, disse: “Não sou mais uma refugiada síria. Sou apenas síria. Estamos voltando”. Wendy Pearlman prestou um grande serviço ao documentar as experiências dos sírios através dos olhos e das palavras sírios. “The Home I Worked to Make” é uma obra calorosa, empática e instigante, sendo uma leitura obrigatória para qualquer um que esteja tentando entender o que é pertencimento, lar e Síria.