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Relembrando a formação da República Árabe Unida, entre Egito e Síria

Presidente do Egito, Gamal Abdel Nasser (à direita), e presidente da Síria, Shukri el-Kuwatly, assinam acordo de unificação das nações na República Árabe Unida, na cidade do Cairo, em fevereiro de 1958 [Arquivo]

A República Árabe Unida (RAU) foi uma união política, de vida breve, entre Egito e Síria, que incorporou as aspirações do panarabismo em seu ápice, em meados do século XX. Essa ambiciosa união representou um ousado experimento de integração regional, ao desafiar tanto os legados coloniais como as rivalidades da Guerra Fria, com impacto de longa data à identidade nacional de ambos os países.

O quê: Formação da República Árabe Unida

Quando: 1º de fevereiro de 1958 (proclamação); 22 de fevereiro de 1958 (ratificação oficial)

Onde: Cairo, no Egito, e Damasco, na Síria

O que aconteceu?

Pouco após a Segunda Guerra Mundial, o chamado mundo árabe vivenciou uma onda de movimentos nacionalistas que buscavam unificar as diversas nações árabes sob uma única entidade política. Após a Revolução de 1952, o Egito sob a liderança carismática do presidente Gamal Abdel Nasser, emergiu como ponta de lança do panarabismo. Ao nacionalizar enfim o Canal de Suez, em 1956, Nasser se sentiu encorajado a defender a união dos povos árabes e sua independência das metrópoles coloniais.

Ao mesmo tempo, a Síria enfrentava instabilidades políticas, com mudanças frequentes de governo e aumento da influência dos blocos ocidental e soviético durante a Guerra Fria. A ascensão do Partido Comunista Sírio e os temores sobre sua possível chegada ao poder levaram os líderes da Síria a buscar a unificação com o Egito, como um meio para estabilizar o país e robustecer suas fileiras no mundo árabe.

Em 1º de fevereiro de 1958, o Egito e a Síria anunciaram a intenção de se fundir em um único Estado soberano — a República Árabe Unida (RAU). A proclamação se seguiu por uma série de referendos em escala nacional em ambos os países, de modo a culminar na ratificação oficial em 22 de fevereiro de 1958, quando Nasser e o então presidente sírio Shukri el-Quwatli assinaram a Carta de União em Qasr el-Qubba, no Cairo. Nasser foi declarado presidente da RAU e o Cairo, sua capital.

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“Formamos um país forte, livre da influência de estrangeiros que costumavam se gabar de serem grandes potências”, declarou Nasser a milhares que ovacionavam: “Nasser, o destruidor do imperialismo”. Quwatli, de sua parte, saudou o evento como “um grande dia na história dos povos árabes e um ponto de virada na história do mundo”.

A unificação, no entanto, não foi somente um movimento político, mas representou o ressurgimento de uma realidade histórica.

Ambas as terras mantiveram laços culturais e estratégicos por séculos, sobretudo sob a liderança do célebre sultão Salah al-Din al-Ayubi, ou Saladino, no século XII. Ao resistir aos cruzados europeus em Jerusalém ocupada, Salah al-Din uniu a Síria e o Egito, para consolidar um poderoso front contra a dominação estrangeira. Nasser, profundamente influenciado por este legado, somou a sua retórica anti-imperialista diversas evocações a Salah al-Din. Em um de seus discursos, declarou Nasser:

Toda a região se uniu por razões de segurança mútua, para enfrentar um imperialismo que vem da Europa e que carrega a cruz, ao disfarçar suas ambições por traz do cristianismo.

Após se formalizar a União, Nasser fez uma visita surpresa à cidade de Damasco, em 24 de fevereiro, para assinar o acordo, sob a celebração de enormes multidões que deram as boas-vindas à república recém-formada. Era sua primeira viagem à Síria, ocasião na qual prestou homenagem a Salah al-Din em seu túmulo, como parte da turnê realizada por Quwatli na antiga capital.

A RAU nasceu com a ideia de ser um primeiro passo rumo a um Estado panárabe ainda maior, como um exemplo a ser seguido na futura união das nações árabes. A república foi estruturada como um governo centralizado, com Nasser implementando uma série de políticas voltadas a integrar os sistemas políticos e econômicos da Síria e do Egito. A centralização, porém, levou a tensões, à medida que muitos sírios passaram a se sentir marginalizados no processo de tomada de decisões, assim como nas Forças Armadas. Neste entremeio, as reformas econômicas de Nasser, de caráter socialista, enfrentaram resistência das comunidades empresariais da Síria.

O que aconteceu a seguir?

Após sua formação oficial, no mesmo dia, a Dinamarca foi o primeiro país a reconhecer a nova república. Os Estados Unidos estenderam seu reconhecimento pouco depois, no dia 25 de fevereiro de 1958.

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Apesar do entusiasmo de seus primeiros dias, a União enfrentou desafios. Seu modelo de governança centralizado levou a sentimentos de marginalização na Síria, que viam o Egito como parte dominante nos assuntos da União. As políticas econômicas adotadas por Nasser, incluindo reforma agrária e nacionalização das indústrias, receberam forte resistência na Síria e engendraram contundente oposição.

Tais questões resultaram em um golpe militar na Síria em 28 de setembro de 1961, que incorreu na separação do país da União e do restabelecimento da chamada República Árabe Síria.

Ainda assim, a RAU teve um impacto duradouro, ao impactar os símbolos de ambos os seus Estados-membros.

O Egito continuou a usar o nome de República Árabe Unida até 1971, quando regrediu oficialmente a República Árabe do Egito.

A bandeira da RAU, com duas estrelas verdes representando seus membros, ressurgiu na Síria em 1980, com a ditadura do partido Baath. A bandeira permaneceu em uso até recentemente, quando foi deposto o presidente Bashar al-Assad, em 8 de dezembro de 2024. Após sua queda, os sírios restituíram a bandeira da independência: verde, branca e preta com três estrelas vermelhas em sua faixa central, usada pela oposição síria nos anos de guerra civil.

Após se formar a RAU, o Iraque expressou interesse de se juntar à iniciativa, ao sugerir uma União tripartite. Uma nova bandeira chegou a ser proposta, com três estrelas para representar seus três membros. O plano jamais se realizou, mas o Iraque adotou uma bandeira semelhante com três estrelas refletindo suas aspirações.

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A Federação das Repúblicas Árabes (FRA), formada em 1972 entre Egito, Síria e Líbia, se tornou mais tarde uma tentativa de reaver o espírito do panarabismo. A FAR constituiu-se, porém, como uma confederação decentralizada, que permitia a seus membros que mantivessem seus próprios governos enquanto cooperassem com uma agenda ampla. Muammar Gaddafi, falecido presidente da Líbia, inspirou-se em Nasser para comandar a iniciativa, mas, diferente da RAU, jamais alcançou um Estado unificado.

Embora a RAU tenha, em último caso, fracassado em perpetuar sua União, a iniciativa logo assumiu um lugar na memória coletiva como um episódio excepcional no Oriente Médio moderno e — podemos dizer — a manifestação mais literal do panarabismo na prática, ao transcender fronteiras instauradas pelo funesto Acordo de Sykes-Picot.

Em um de seus discursos em Damasco, Nasser a uma multidão entusiasmada, formada não apenas de sírios e libaneses, mas árabes de toda a região:

Ao ver meus irmãos do Líbano lado a lado com seus irmãos da Síria e do Egito, sinto como se testemunhasse o retorno de todas as coisas ao seu curso natural. As fronteiras artificiais que se impuseram entre os países árabes, pelos imperialistas, não nos impedirão de nos unir.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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