clear

Criando novas perspectivas desde 2019

Irresponsável, desvairado, absurdo? Palavras faltam sobre plano de Trump para ‘Riviera’ em Gaza

8 de fevereiro de 2025, às 13h02

Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, durante coletiva de imprensa na Casa Branca, em Washington DC, em 4 de fevereiro de 2025 [Kyle Mazza/Agência Anadolu]

Nos últimos 15 meses, tornei-me pouco a pouco dessensibilizado por comentários e ações que certa vez me indignariam. Vi políticos britânicos de todo espectro político fazendo acrobacias mentais, dignas de medalha olímpica, para responder perguntas sérias e incisivas em tons robóticos, ao vomitar as mesmas platitudes de sempre sobre o direito de Israel de “se defender”, ao ignorar os aspectos cruciais em respeito à lei internacional.

Lamentavelmente, não espero nenhuma mudança no futuro próximo. Todavia, ainda consigo encontrar palavras para expressar meu desprezo. Quando vejo o governo do Reino Unido convidando generais israelenses ao país, penso nas décadas de posicionamento irresponsável de nossa política externa para se associar de maneira tão íntima a um tremendo Estado pária. Quando o Ministério de Relações Exteriores diz que as licenças de armas “continuarão sob revisão”, vejo isso como um evidente não-compromisso. E quando vejo a dita oposição aludir a “marchas de ódio” — para difamar o ativismo pró-Palestina —, vejo com nitidez uma inversão constrangedora e desesperada.

Pode até ser frustrante, senão repulsivo, mas sempre podemos, de alguma maneira, encontrar palavras que caibam ao absurdo. No entanto, quando vi os mais recentes comentários do presidente dos Estados Unidos sobre a Faixa de Gaza sitiada, fiquei genuinamente estupefato — uma raridade em minha idade e diante de décadas de absurdo na vida política.

Não foi o sentimento por trás do que Trump disse que me surpreendeu. Até mesmo aqueles com o conhecimento mais básico da história palestina sabem muito bem do papel de longa data dos Estados Unidos em sabotar o direito à autodeterminação do povo palestino — contudo, nunca tão descaradamente ou expressamente articulado. Na prática, Trump disse aquilo que todos os outros pensavam, mas não queriam dizer.

LEIA: Netanyahu presenteia Trump com pager de ouro, agradece ‘maior amigo’ de Israel

Os detalhes exatos permanecem vagos, mas isso sabemos da tendência de Trump em preterir políticas embasadas em detalhes.

As palavras de Trump foram as seguintes: “Os Estados Unidos tomarão o controle de Gaza, seremos seu dono”. A pedidos dos jornalistas para elucidar sobre sua intenção clara de perpetuar uma ocupação no exterior, Trump não se acanhou: “Eu vejo uma posição de posse de longo prazo”. Sobre o eventual envio de tropas americanas, não hesitou: “Faremos o que for necessário”. Para concluir seu novo surto, o mandatário americano sugeriu que os habitantes palestinos de Gaza fossem “reassentados permanentemente”, em vez de retornarem a suas casas.

Embora vago, de uma coisa não resta dúvida — a mensagem lê: “Nada é tão extremo que possa ser descartado”.

Então, surgiu de Trump uma expressão ímpar seus planos de investimento para Gaza, ao transformar o enclave no que descreveu como uma “Riviera do Oriente Médio”. A primeira coisa que vem à mente são os longínquos motes racistas de “uma terra sem povo para um povo sem-terra” e “fazer florescer o deserto”. Tais máximas continuam por aí, contudo, com duas implicações sinistras e visivelmente facciosas. A primeira é que os palestinos nativos não têm direito à posse sobre suas terras ancestrais — pior ainda, que sequer têm o direito de existir.

A segunda implicação é que Israel teria aprimorado o ambiente, em vez de destruí-lo de maneira sistemática. Sobre isso, temos inúmeros textos, muito embora sua melhor representação esteja sumarizada por uma peça artística de Darren Cullen, que retrata um trator de Israel destruindo um bairro palestino, com as palavras: “Para florescer o deserto, primeiro temos que criar um”.

LEIA: Trump, a Palestina não está à venda

Na mesma veia, o comentário de Trump sobre uma “Riviera do Oriente Médio” parece indicar que a feiura dos escombros de Gaza seria uma ocorrência espontânea, como se fosse natural. O que ele convenientemente ignora é que os Estados Unidos permitiram que a devastação se desse em primeiro lugar. Portanto, diante de suas promessas, não estranha que os palestinos se mostrem céticos sobre uma utopia praiana.

Há muito a ser dito sobre as declarações de Trump, mas talvez seja mais interessante ver o pouco que disseram as autoridades britânicas. O primeiro a deixar a arapuca foi Steve Reed, ministro do Meio-Ambiente. Reed reiterou que o povo palestino “precisa poder voltar para suas casas”. Contudo, se isso é uma declaração forte, fica evidente quão baixo é o nível de nossas lideranças.

Sem sequer respirar, no entanto, Reed elogiou Trump, por seu suposto papel em obter um acordo de cessar-fogo em Gaza, ao insistir que o governo em Londres não poderia “comentar tão prontamente” as bravatas do presidente americano.

Não basta balbuciar platitudes sobre o direito dos palestinos de retornar a um lugar do qual jamais deveriam ter sido deslocados em primeiro lugar. Essa abordagem mansa da diplomacia é absolutamente inadequada diante da escala e comentários incendiários e de incitação que pedem a expropriação de milhões de pessoas de suas terras.

Tamanha mansidão se vê com contornos ainda mais nítidos no primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, diante da imprensa. Outra vez, tropeçou no mínimo: “Os palestinos devem poder reconstruir”; seguido por: “No caminho da solução de dois Estados”. O que Starmer quer dizer com esse “caminho” permanece uma incógnita. Parece mais um caso de vacilação e prevaricação. Com certeza, a retórica de Trump, mais do que nunca, mostra a urgência de que o Reino Unido reconheça a Palestina, como fizeram outros 146 Estados-membros das Nações Unidas.

Quem não o fizer, quer que sequer reste um Estado palestino para reconhecer.

LEIA: Trump reforça ‘lei da selva em âmbito internacional’, alerta Hamas

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.