O efeito cascata das tarifas no comércio global e nos mercados de energia

Elif Selin Calik
1 mês ago
Caminhão com bens chineses no porto de Oakland, na Califórnia, Estados Unidos, em 20 de junho de 2018 [Justin Sullivan/Getty Images]

As novas tarifas implementadas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, devem levar a mudanças consideráveis nas dinâmicas de comércio global e nas condições do mercado de energia. Seu recente anúncio de 10% em tarifas sobre importações da China e 25% sobre bens importados canadenses e mexicanos gerou debates extensos sobre as consequências em potencial de suas propostas sobre os campos supracitados.

Analistas sugerem que as tarifas terão pouco impacto nas exportações de petróleo, mas regiões dependentes do mercado de energia devem continuar a se preocupar com impactos diretos e indiretos a sua economia.

Tarifas e seu contexto histórico

Estratagemas econômicos, historicamente, fazem uso das tarifas para proteger suas indústrias nacionais e responder a desequilíbrios eventuais comerciais. Adam Smith, em A Riqueza das Nações, alerta contra a dependência nas tarifas, ao apontar que um acesso monopolista da indústria nacional ao mercado interno influencia como cidadãos privados aplicam seu capital.

Paul Krugman, em O retorno da economia da depressão, nota que políticas protecionistas costumam dar resultados indesejados, como carestia e retaliação de parceiros.

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Impacto imediato nos mercados de energia

Os mercados de petróleo e gás natural operam sob um sofisticado sistema global de interações de suprimento e demanda. O impacto das tarifas aos mercados energéticos se dá mediante uma desaceleração econômica, ao modificar padrões de consumo de energia. Daniel Yergin, em O prêmio: A busca épica por petróleo, dinheiro e poder, observa que o petróleo permanece o recurso natural de maior importância estratégica no mundo atual, com seu custo determinado por dinâmicas geopolíticas, para além das condições de oferta e procura.

Os Estados Unidos produzem um enorme volume de petróleo e gás natural; contudo, tarifas sobre importações de energia do México e do Canadá, seus maiores parceiros comerciais no setor, podem afetar consideravelmente a eficácia da rede de abastecimento. Os Estados Unidos recebem petróleo cru do México e devolve, em troca, gasolina refinada. Quando este fluxo for interrompido, setores da indústria e consumidores comuns certamente sofrerão com um aumento nos preços de insumos combustíveis.

Reações e sentimento do mercado e dos investidores

O anúncio das tarifas levou a respostas imediatas de investidores, sobretudo de mercados emergentes e economias altamente dependentes do setor de energia. Alguns dos principais mercados de ações da região do Golfo vivenciaram uma rápida derrocada — incluindo o maior mercado da Arábia Saudita, com queda de 0.3%. As quedas do mercado indicam apreensão de investidores sobre desacelerações globais.

O sentimento dos investidores exerce um papel crucial na estabilidade econômica, como argumenta John Maynard Keynes, em Teoria geral do emprego, juros e capital: “Os mercados são motivados tanto por expectativas quanto por fundamentos”.

Neste sentido, as chances de uma guerra fiscal ganham contornos no horizonte, quando países afetados decidem responder com tarifas retaliatórias. Um risco da medida é, portanto, a reciprocidade. China, Canadá e México devem responder com tarifas próprias, capazes de culminar em uma guerra fiscal de larga escala. Como Ha-Joon Chang nota em Maus samaritanos, medidas protecionistas costumam provocar reações, criando um ambiente econômico desfavorável que afeta, em último caso, todos os países.

Caso a China decida aplicar restrições às importações de insumos energéticos dos Estados Unidos, este terá de redirecionar sua demanda de petróleo e gás natural a novos fornecedores, incluindo Rússia e Oriente Médio. O potencial realinhamento dos mercados de energia pode engendrar efeitos duradouros geopolíticos e econômicos, ao impactar especialmente os exportadores americanos que recentemente estabeleceram lucro a partir da demanda chinesa.

Transição energética e implicações de longo prazo

Restrições de comércio produzem efeitos que vão além de interrupções de curto prazo, ao incorrer em mudanças duradouras nas dinâmicas do mercado energético. A implementação de tarifas pode acelerar uma movimentação global em busca de novos sistemas de energia renovável. Como aponta Jeffrey D. Sachs em A era do desenvolvimento sustentável, interrupções no comércio podem levar nações a avançar rumo a sistemas mais sustentáveis, na tentativa de minimizar a dependência em redes instáveis de fornecimento.

A estrada à frente

Os tarifas de Trump podem não causar mudanças imediatas nos mercados internacionais de energia, mas seus efeitos econômicos amplos devem ser tomados em conta. Restrições de comércio costuma gerar consequências bastante indesejáveis ao longo da história, como carestia e retaliação. Interrupções no comércio de energia levarão a consequências generalizadas, capazes de afetar mercados de ação e mesmo trazer nova forma ao futuro das transições energéticas.

A evidência histórica demonstra que políticas protecionistas levam a custos consideráveis. Políticos precisam proceder com cautela, ao navegar entre o nacionalismo e a natureza interligada da economia global contemporânea. Os abundantes ensinamentos de Smith, Keynes e Yergins mostram que, embora possa parecer que haja benesses imediatas nas interrupções do mercado, seus efeitos de longo prazo demandam análise bastante profunda e detalhada.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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