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De militantes a políticos: Pode o Hamas seguir os passos da oposição síria?

12 de fevereiro de 2025, às 13h36

Membros das Brigadas Izz-ad al-Qassam, braço armado do movimento palestino Hamas realizam cerimônia para libertar três reféns israelenses, sob acordo de cessar-fogo, entregues ao Comitê Internacional da Cruz Vermelha, em Deir al-Balah, na Faixa de Gaza, em 8 de fevereiro de 2025 [Ashraf Amra/Agência Anadolu]

Desde dezembro, muitos alimentam temores sobre as repercussões do vácuo de poder deixado pela queda do regime de Bashar al-Assad. Seja em âmbito regional ou internacional, a resposta orbita entre a cautela e o otimismo sobre o cenário político da Síria. Enquanto muitos celebravam o fim de décadas de ditadura, e mais de dez anos de guerra civil, apreensões emergiram sobre o destino das minorias à medida que movimentos islâmicos tomavam o poder. Certa vez considerados extremistas, os líderes da nova autoridade na Síria buscaram garantir tanto a sua população quanto à comunidade internacional, que estão comprometidos em construir uma nação a todos os seus cidadãos, alicerçada na lei e na ordem.

Tamanha transformação é mais evidente na reinvenção do novo presidente, Ahmed al-Sharaa — ou Abu Mohammad al-Jolani. Al-Jolani se juntou à Al-Qaeda no começo da década de 2000, ainda no Iraque. Em 2005, foi preso no campo de Bucca, onde estabeleceu o Jabhat al-Nusra, que se tornou uma força combatente de destaque dentro de um ano. Mais tarde, em 2016, o grupo cortou laços com a Al-Qaeda e o Estado Islâmico (Daesh), sob a nova marca de Jabhat Fatah al-Sham; em 2017, tornou-se o Hay’at Tahrir al-Sham (HTS).

A transformação mais radical, no entanto, veio com a queda de Assad e a tomada de poder em Damasco. Al-Jolani passou a usar seu nome de batismo e adotou uma retórica de diplomacia e relações públicas. Sua metamorfose foi além de sua imagem pessoal, incluindo mudanças estratégicas consideráveis tanto em termos de governança quanto comunicação. Em seus primeiros pronunciamentos públicos, al-Jolani insistiu em assegurar à comunidade internacional que a nova Síria não representaria uma ameaça à região ou ao mundo. Prometeu também proteção das minorias conforme a lei. Em seguida, agiu, especialmente ao dissolver todas as facções armadas sob as instituições do Estado e reivindicar uma unificação das forças nacionais. Em seguida, passou a defender a realização de uma conferência nacional, rumo a um governo inclusivo e eleições futuras.

Tamanha reinvenção abriu caminho para outros grupos islâmicos que sofrem sob a conjuntura regional, para tentar reaver tanto a confiança doméstica quanto a legitimidade internacional. Este caminho pode ser particularmente relevante a outros grupos islâmicos sob ataques externos, como o movimento palestino Hamas. Estabelecido em 1987, o Movimento de Resistência Islâmica, ou Hamas, é designado há décadas como “organização terrorista”, sob pressão em particular após sua operação transfronteiriça contra Israel de 7 de outubro de 2023.

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Em âmbito doméstico, o Hamas enfrenta ainda a frustração dos palestinos da Faixa de Gaza, que sofreram quase um ano e meio de genocídio realizado por Israel em retaliação e punição coletiva às ações do movimento. A enorme devastação e as perdas em vidas alimentaram um senso de oposição, não apenas contra Israel, mas até mesmo contra o próprio Hamas.

A fim de assegurar seu papel na vida política palestino no pós-guerra, o Hamas demonstrou maior flexibilidade sobre a governança de Gaza. O grupo concordou com a formação um governo de união nacional de caráter tecnocrata, apoiado por todas as facções palestinas e cuja gestão se estenderia tanto a Gaza quanto à Cisjordânia. Contudo, apenas flexibilidade pode não bastar para que o Hamas mantenha sua relevância política.

Vale notar, no entanto, que o Hamas ganhou popularidade na Cisjordânia ocupada. Seu apoio, porém, concentra-se mais em operações de resistência do que eventual governança. A maioria dos palestinos vê a resistência armada como algo imprescindível, mas isso não se traduz em apoio político direto ao grupo Hamas. Na Faixa de Gaza, a catástrofe política e humanitária decorrente da guerra fomenta dúvidas se o Hamas pode — ou mesmo deveria — governar o enclave.

Reinventar-se não é novidade para o Hamas, um movimento que tem constantemente evoluído desde sua fundação — especialmente em 2007, quando sinalizou sua disposição em aceitar uma trégua duradoura com Israel para se estabelecer um Estado palestino dentro das fronteiras de 1967. Contudo, no pós-guerra, o Hamas pode enfrentar sua maior transformação até então, ao reavaliar a atual capacidade de resiliência do povo palestino, adotar um novo discurso que reconheça seu sofrimento e admitir responsabilidade.

Para além de tudo isso, o Hamas deve refletir sobre suas ferramentas de comunicação — não apenas junto ao povo palestino, mas à comunidade internacional. Um engajamento mais eficaz pode levar a um reconhecimento maior de seu papel em campo e de sua história de resistência, em troca de maior flexibilidade em sua abordagem de governança. Caso o Hamas sinta que sua presença é respeitada, em vez de sabotada uma e outra vez, certamente estará mais disposto em se adaptar em âmbito político, ao abrir portas a estruturas de gestão mais e mais inclusivas. Tamanha mudança pode contribuir, em último caso, a uma estabilidade de longa data e um caminho mais viável à paz e à justiça.

À medida que a paisagem política do Oriente Médio não para de mudar, os palestinos precisam permanecer bem informados e engajados nas oportunidades que se desenrolam à sua frente, para que possam avançar em sua causa e fortalecer sua luta por direitos e libertação.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.