Neste segundo texto seguiremos a proposta de trazer elementos para compor uma análise da derrota de Israel.
Nas memórias de Bassam Abu Sharif intitulada “Arafat and the dream of Palestine: an insider’s account”, o ex-militante de esquerda da Frente Popular da Libertação da Palestina, posterior conselheiro pessoal de Yasser Arafat e articulador dos acordos com Israel, que tiveram seu apogeu público, em 1993, com Oslo I, relembra o cerco israelense a Beirute, em 1982. Bassan afirma que defender a capital libanesa de uma invasão terrestre israelense era uma questão de honra para as facções que compunham a OLP de então, juntamente com a resistência libanesa, a despeito do imenso e horrendo bombardeio israelense a Beirute, muito similar ao que vimos recentemente. O responsável por aquela operação de invasão militar ao Líbano era o conhecido carniceiro e criminoso de guerra Ariel Sharon que, posteriormente, tornaria-se, graças a sua longa lista de crimes contra civis palestinos e libaneses, em primeiro-ministro israelense – algo comum na história de Israel.
Ariel Sharon e o exército invasor nunca conseguiram entrar em Beirute por terra, enquanto a OLP estava na defesa da capital árabe – todas as suas tentativas foram frustradas pela resistência. Bassan, ao refletir sobre aquele episódio histórico, diz sobre Sharon: “ele nunca aprendeu nada sobre nós”. Seu ódio aos palestinos foi expresso nos massacres dos campos de refugiados, próximos a Beirute, de Sabra e Chatila, quando a OLP já havia se retirado da capital em um acordo, mediado pelos Estados Unidos da América, em que este se responsabilizava pela defesa da população civil palestina refugiada – algo que nunca aconteceu.
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É possível dizer que há claramente momentos na história de Israel em que seus dirigentes “nunca aprenderam nada sobre nós”. Um desses momentos, que tem a ver com a nossa reflexão sobre os elementos da derrota israelense, foi o assassinato de Yahya Sinwar, líder do HAMAS, em 16 de outubro de 2024. Na concepção colonizadora judaica sionista liberar as imagens do assassinato dessa liderança palestina era uma demonstração de força e superioridade. Um homem ferido em batalha é filmado por um drone israelense, em seus gestos finais, não se rende, mais… em um esforço final de luta arremessa restos de escombro na tentativa de acertar o drone. O exército israelense, com todo o seu aparato tecnológico e apoio bélico dos Estados Unidos da América, decide atirar projéteis de tanques de guerra contra o combalido Yahya Sinwar.
O efeito sobre a população palestina foi o oposto daquilo que esperava os israelenses. “Eles nunca aprenderam nada sobre nós”. Yahya Sinwar foi visto não só como um combatente, mas como um exemplo a ser seguido. Morrer corajosamente por sua causa – libertar a Palestina – e nunca se render. Eis a lição.
A pedagogia do exemplo é uma das fortes heranças da luta palestina e uma das fontes responsáveis pela sua continuidade geracional. No fundo dessa lição está a compreensão de que o “oposto da morte não é exatamente a vida”, mas, sim, “lutar corajosamente por uma digna causa”. Neste sentido, a única forma dos palestinos “viverem é lutar”, só morre quem se rende, quem foge da luta e se acovarda. Graças aquelas imagens, provavelmente centenas ou milhares de jovens palestinos, aderiram corajosamente à luta armada.
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Think Yahya Sinwar has immortalised the reclining in a couch pose …
Surrounded by the ruins of what once was; proud, defiant in both and hauntingly composed in this last image aware that it’s his time . pic.twitter.com/F7qMQcZrYT
— Maria (@mariaa_awd) October 18, 2024
Yahya Sinwar foi refém nos cárceres israelenses por 22 anos, quando foi liberto em um acordo de troca, voltou rapidamente à luta, na Faixa de Gaza. Ele pertencia a uma matriz política e religiosa islâmica. Yahya é um nome de um Profeta palestino no Islã, presente também na tradição Cristã como “João Batista”, o primo de Jesus. No Islã, o Profeta Yahya tem uma distinção: nunca mentiu. Yahya Sinwar em uma entrevista, poucos anos antes da morte, dizia que seria uma honra morrer como mártir de al Quds (“A Sagrada”, nome árabe de Jerusalém) em alusão a sua causa fundida à visão religiosa islâmica que dignifica o martírio. No momento de sua morte Yahya Sinwar, seguindo a lição do profeta palestino homônimo, não mentiu.
A coragem é a medida da sinceridade de quem defende uma causa. Yahya Sinwar é um corajoso mártir (da causa palestina e do islã) e uma lição para todos nós.
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