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Estados árabes adotam alternativa do Egito a ‘Riviera’ de Trump

5 de março de 2025, às 12h08

Líderes e representantes durante cúpula de emergência árabe no Cairo, no Egito, em 4 de março de 2025 [Amiri Diwan do Estado do Catar/Divulgação/ Agência Anadolu]

Líderes árabes adotaram nesta terça-feira (4) a proposta de reconstrução do Egito para a Faixa de Gaza, estimada em US$53 bilhões, sem deslocamento dos palestinos locais, como alternativa ao plano do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, incluindo transferência compulsória e criação de uma “Riviera do Oriente Médio”, com cassinos e hotéis no modelo de negócios trumpista.

As informações são da agência de notícias Reuters.

Para a Casa Branca, no entanto, o programa adotado pelos países árabes não aborda a “realidade de Gaza”, de modo que o presidente insiste em sua proposta. As bravatas de Trump receberam repúdio internacional, bem como denúncias de limpeza étnica.

O presidente do Egito, Abdel Fattah el-Sisi, confirmou que a proposta — acolhida pelo movimento palestino Hamas em notas subsequentes; rechaçada por Washington e Tel Aviv — foi aceita pela cúpula de emergência dos Estados árabes realizada no Cairo, em sua sessão de encerramento.

Questões ainda pendem, porém, sobre o futuro de Gaza — destruída pelos 470 dias de ataques indiscriminados de Israel —, sobretudo em torno de que governará o enclave e quais países estão dispostos a investir bilhões em sua reabilitação.

Sisi insistiu trabalhar em cooperação com os palestinos para criar um comitê executivo composto por tecnocratas palestinos supostamente independentes, então incumbidos da governança em Gaza após o eventual armistício por parte de Israel.

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O comitê seria responsável por supervisionar a entrada de socorro humanitário e gerir os assuntos de Gaza em caráter interino, como um preparativo, porém, para o retorno da Autoridade Palestina (AP) ao enclave, afirmou Sisi.

Outra questão crítica é o destino do Hamas — que assumiu controle de Gaza após a AP rejeitar os resultados eleitorais em 2006–2007.

O Hamas concordou em não apresentar candidatos ao comitê proposto pelo Cairo, mas reivindicou direito de consentimento sobre tarefas, membros e agenda da instituição, operando sob supervisão da Autoridade em Ramallah.

Mais tarde na terça, o ministro de Relações Exteriores do Egito, Badr Abdelatty, alegou que os nomes dos eventuais membros do comitê já haviam sido decididos. 

Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina, acolheu o plano egípcio e instou Trump a apoiá-lo — portanto, a desistir de sua proposta de deslocamento compulsório, gentrificação e investimentos fiduciários.

Abbas, no poder desde 2005, prometeu realizar eleições ao parlamento e à presidência “caso as circunstâncias permitam”, ao insistir que sua AP é a única entidade “legítima” em termos de governança e segurança nos territórios palestinos.

O Hamas saudou, de sua parte, a possibilidade de eleições.

A legitimidade de Abbas, no entanto, é baixa, à medida que sua gestão é marcada pelo crescimento exponencial dos assentamentos ilegais israelenses na Cisjordânia e por sua colaboração de segurança com as forças ocupantes, incluindo repressão a protestos de cidadãos palestinos e atos da resistência orgânica.

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Desde sua derrota para o Hamas no pleito eleitoral de 2006, a gestão de Abbas é vista por uma parcela considerável de seus concidadãos como corrupta, não-democrática e descolada da realidade da ocupação.

O Ministério de Relações Exteriores de Israel, de sua parte, descreveu o plano do Cairo como “baseado em perspectivas datadas”, ao recusar a fiabilidade concedida a AP e se queixar da permanência do Hamas, como representante político nacional, conforme o programa. Washington ecoou a divergência.

Para Brian Hughes, porta-voz da Casa Branca, “a proposta atual não aborda a realidade de que Gaza é hoje inabitável e que os residentes não podem viver humanamente em um território coberto de destroços e explosivos não-detonados”.

Hughes não citou a responsabilidade de Israel pela destruição, mediante bombardeios indiscriminados a bairros residenciais inteiros e infraestrutura civil, com mais de 48 mil mortos e dois milhões de desabrigados.

“O presidente Trump ainda defende sua visão de reconstruir Gaza livre do Hamas [sic]”, acrescentou.

Financiamento

Qualquer esforço de reconstrução demandará investimentos pesados dos Estados ricos em petróleo da região do Golfo, incluindo Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos — este, por sua vez, próximo de Israel.

O primeiro-ministro da Autoridade Palestina, Mohammed Mustafa, propôs que o fundo de reconstrução busque financiamento estrangeiro, bem como supervisão, sediado na Cisjordânia ocupada.

Os Emirados — que normalizaram laços com Israel em 2020, mediante capitulação aos chamados Acordos de Abraão, propostos por Trump — veem o Hamas e outros grupos islâmicos como ameaça e exigem seu desarmamento total e imediato.

Outros países árabes pedem uma abordagem gradual, segundo informações.

Uma fonte próxima à Corte Real da Arábia Saudita observou que a presença armada do Hamas permanece como um obstáculo ao processo, devido à persistente ingerência de Estados Unidos e Israel nos direitos palestinos de resistência à ocupação e colonização, consagrados na lei internacional.

Em discurso à cúpula, o ministro de Relações Exteriores saudita, Faisal Bin Farhan, disse que são fundamentais garantias internacionais de que o cessar-fogo, hoje provisório, permaneça em voga. Farhan apoiou o papel da AP na governança de Gaza.

Líderes de Emirados e Catar não falaram durante as sessões abertas da conferência.

Sami Abu Zuhri, membro de alto escalão do grupo Hamas, rejeitou ainda nesta terça os apelos de Washington e Tel Aviv pelo desarmamento do grupo, sem reciprocidade, ao notar que o direito legítimo à resistência não é negociável.

Abu Zuhri destacou à Reuters que seu movimento não aceitará a imposição de projetos ou qualquer forma de gestão não-palestina nos territórios nacionais, além da eventual presença de forças estrangeiras.

O Plano de Reconstrução de Gaza proposto pelo Cairo é um documento de 112 páginas que inclui mapas de como seria a região em sua nova conjuntura e dezenas de imagens coloridas geradas por inteligência artificial (AI) de empreendimentos residenciais, bem como jardins e centros comunitários.

O projeto, apesar de seu financiamento incerto, promete também um porto comercial, um centro tecnológico, hotéis à beira-mar e um aeroporto.

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