clear

Criando novas perspectivas desde 2019

Os palestinos e a derrota da “normalização” israelense

12 de março de 2025, às 13h00

Protesto no Iêmen contra o plano dos EUA de expulsar o povo palestino de Gaza, em 14 de fevereiro de 2025, em Sana’a, Iêmen. [ Mohammed Hamoud/Getty Images]

Esse é o quarto texto de uma série que tem como objetivo lançar luzes sobre elementos da derrota israelense.

Há exatamente um século se desenrolava uma das maiores derrotas colonialistas do século XX e, considerada por alguns como Eugene Rogan, a maior de uma potência europeia colonizadora, no continente africano, no século passado. Conhecida na historiografia oficial como a “Guerra do Rife” foi um levante da população berebere / árabe do Marrocos contra a colonização espanhola e francesa, entre 1921 a 1926, resultando em uma derrota maciça da força colonizadora ibérica. Os números oficiais giram em torno de dezenas de milhares soldados espanhois mortos nos confrontos e o humilhante pagamento de 4 milhões de pesetas pelo governo espanhol, para libertar seus soldados prisioneiros das forças anticolonialistas marroquinas.

No mesmo período, em Hama, cidade síria, um oficial de origem libanesa seguia atentamente o desenvolvimento da resistência marroquina não só contra Espanha, mas também contra um inimigo comum, a França colonizadora. Lia os discursos da liderança marroquina Muhammad ibn Abd al-Karim al Khattabi e estudava suas táticas de luta militar. Escreveu em suas memórias “(…) vimos no heroísmo de sua luta” que “(…) o caráter distinto dos árabes havia sobrevivido” e adicionou algo importante ao dizer… “um sentimento de amor pelo sacrifício se espalhou entre nós (…) eu seguia obsessivamente os eventos no Marrocos e procurava mapas dos campos de batalha”. O oficial em questão era Fawzi al-Qawuqji, que mais tarde se tornaria uma importante liderança nacionalista árabe e do islã político (fundador do “Hezbollah sírio”), com destaque nas Batalhas de Maysalun, na Síria (1920), na Grande Revolta Síria (1925-7), na Revolução Palestina de 1936-9, no Iraque (1941) e junto ao Exército de Libertação Árabe, em 1947-8, contra o recém-criado Estado colonialista de Israel. 

Como essas histórias se conectam com a nossa avaliação da derrota israelense contemporânea?

LEIA: Elementos para uma análise da derrota do colonialismo israelense na Palestina

O mundo árabe, em especial, e o islâmico, em geral, possuem uma longa história de entrelaçamentos. Durante os mais de 450 dias de genocídio, na Palestina, vimos manifestações populares gigantescas em países árabes como o Iraque, Iêmen, Líbano, Jordânia etc., mas também nos países islâmicos como o Irã, Turquia, Indonésia etc. todas em solidariedade aos palestinos. O desejo político do colonizador era criar uma “normalização” de relações econômicas e diplomáticas com os países árabes e islâmicos, cinicamente chamado pelos judeus sionistas de “Acordos de Abraão”, que resultariam em um isolamento planejado dos palestinos e sua luta. O que vimos foi o contrário, os laços de solidariedade com os palestinos se tornaram mais fortes no mundo árabe, islâmico e mesmo além desses (vide as manifestações no mundo inteiro). É como se a revolução nacional libertadora Palestina claramente contagiasse por sua justeza e dignidade a todos, em especial os árabes, o “heroísmo” e “sacrifício” (usando as palavras de Fawzi al-Qawuqji) possui a potencialidade de “se espalhar entre nós”, isto é, de se multiplicar para os países árabes e, mesmo além desses, colocando em xeque os regimes e governos reacionários de toda a região. 

Dizendo de outra forma: a luta do povo palestino tornou-se o epicentro revolucionário de nossa época e alimenta o espírito de luta de todos os povos, em especial, dos outros árabes. É o que explica a ação dos Houthis, das guerrilhas iraquianas, da resistência libanesa e outras em solidariedade aos palestinos.

Este é mais um elemento da derrota de Israel e de seus cúmplices – regimes e governos reacionários árabes da região. Não conseguiram isolar, como pretendiam, os palestinos estabelecendo relações de “normalizações” com a colônia Israel. A solidariedade popular para com a luta palestina é cada vez mais forte, a despeito da ação israelense e de seus aliados. Os palestinos são capazes por seu testemunho único, sacrifício, heroísmo e dignidade de sua luta conscientizar os outros árabes (e além): é  hora de romper todos os grilhões que nos prendem. Ante a ascensão da extrema direita, na Europa e América, aliadas de Israel, o antídoto está na luta popular palestina de conteúdo anticolonialista, anti-imperialista e antirracista, pela terra, acesso à água, moradia, autodeterminação, produção alimentar, etc.

Que este espírito “palestino” se espalhe pelo mundo! Inshallah!

LEIA: O grande algoz do colonialismo judaico sionista na Palestina

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.