clear

Criando novas perspectivas desde 2019

O que a política de Trump para a Ucrânia oferece ao Oriente Médio

15 de março de 2025, às 06h00

Presidente dos EUA, Donald Trump, se reúne com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenskyy, no Salão Oval da Casa Branca, em Washington DC, 28 de fevereiro de 2025 [Jabin Botsford/The Washington Post via Getty Images]

Donald Trump se orgulha de fazer negócios de maneira heterodoxa, na qual detenha a última palavra sobre todas as partes envolvidas, que devem aceitar sua decisão. Trump joga dos dois lados: mediador e negociador — com seu inerente conflito de interesses representado nesses papéis, sobretudo no que diz respeito a questões políticas.

Tome sua postura sobre o conflito na Ucrânia para ver como o presidente busca ser um negociações absoluto ao mesmo tempo em que alega arbitrar a matéria, sem qualquer qualificação para tanto. Sua postura excêntrica pode até funcionar com empresas em decadência, mas ameaças são sempre insuficientes quando pautas políticas assumem dimensões históricas, com raízes no passado e consequências ao futuro, muito além do presente imediato. Ao presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskyy, Trump foi taxativo: “Façam um acordo ou estamos fora”.

Para começar, ele quer que a Ucrânia aceite que os territórios perdidos, via conquista militar, para a Rússia são coisas do passado, que devem ser esquecidas. Quer também que Kyiv acate às demandas de Moscou para que o país vizinho jamais seja membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Como se não bastasse, Trump quer que a Síria desista de Golã, ocupada ilegalmente por Israel, e que as Ilhas Maurícias se esqueçam do território de Diego Garcia, usado por Estados Unidos e Grã-Bretanha para fins militares.

Se tomarmos o “modelo” de Trump para a Ucrânia e o aplicarmos à questão Palestina e à ocupação ilegal israelense, a começar por Gaza, provavelmente acabaremos com algo “pouco convencional” no sentido de tratar e solucionar “conflitos” — isto é, um acordo que ignore quaisquer direitos ou apreensões dos árabes e palestinos. Trump pode até ser capaz de entregar algum tipo de plano para o conflito, mas este repousaria no viés israelenses, ao rejeitar a chamada “solução de dois Estados” — e muito menos o fim da ocupação e o respeito aos direitos legítimos do povo palestino em todos os territórios ocupados. Primeiro e mais importante, qualquer “modelo” de Trump aplicável a Gaza e à Palestina como um todo certamente será traçado a revelia da lei internacional, com destaque para as determinações do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) e do Tribunal Penal Internacional (TPI), ambos em Haia. As cortes-irmãs de fato indiciaram o Estado israelense e dois de seus líderes por crimes de guerra e lesa-humanidade — incluindo genocídio.

LEIA: Zelenskyy vai para a Arábia Saudita antes das negociações cruciais dos EUA

Trump tampouco deve dar ouvidos aos apelos da cúpula extraordinária da Liga Árabe, realizada no Cairo, na última semana, com seu plano de 112 páginas para reconstruir a Faixa de Gaza sem deslocar a população. O comunicado final da cúpula repisou o apoio árabe à “paz como estratégia” na região. Contudo, para Trump, paz quer dizer apenas a expulsão à força dos palestinos a territórios terceiros, ao coagi-los a aceitar mais uma diáspora imposta, sem terra e sem nação.

Trump vê a questão palestina como um “desentendimento” que nasce essencialmente da demanda por “segurança” de Israel, sem que os árabes e palestinos tenham palavra alguma, muito menos reivindicações para si apesar da ocupação. Trump tem deixado claro que apoia a expropriação de grande parte da Cisjordânia ocupada, não somente pelo Estado israelense como por hordas de terroristas chamados de colonos. Entre os primeiros decretos de seu segundo mandato, esteve a revogação de todas as sanções instauradas por seu antecessor, Joe Biden, sobre um punhado de colonos extremistas e entidades que os sustentam. Apesar de ser basicamente simbólica, a medida reiterou a rejeição americana sobre a expropriação à força de terras palestinas, cometida dia após dia por criminosos escoltados por soldados de Israel.

Este ponto de vista se expôs nas prioridades de Trump para a Ucrânia, a começar pela desistência de sua reivindicação dos territórios nacionais ocupados pela Rússia. A ideia de abrir mão de terras tomadas à força contraria, vale ressaltar, todas as normas e leis internacionais. De fato, demonstra desprezo para com elas, incluindo os princípios e as resoluções da Organização das Nações Unidas (ONU), que Trump deseja transformar de vez em uma casca vazia, no máximo, um clube de debates.

Trump parece realmente crer ser o primeiro líder dos Estados Unidos a sequer falar de solucionar conflitos, ao redefini-los. Isso já se demonstrou em seu “acordo do século”, de 2020, sob o qual prometia resolver os problemas do Oriente Médio de uma vez por todas. Sua ideia já está morta, mas certamente não quer dizer que Trump reconheceu derrota. De fato, a iniciativa trumpista levou a uma vitória diplomática parcial para Tel Aviv, com a normalização de laços com quatro Estados árabes.

LEIA: Mediação emiradense leva a troca de prisioneiros entre Rússia e Ucrânia

Quanto às outras decisões da cúpula do Cairo, o que pode interessar Trump é o foco na paz como uma escolha coletiva dos países da região. O presidente americano, contudo, apenas compreende essa “paz” pelo prisma de Israel, ao excluir, portanto, os direitos dos palestinos de sequer viverem em suas terras ancestrais.

Sobretudo, o que Trump vê como prerrequisito para encerrar o conflito é precisamente a impunidade de Israel. Trump não quer nem ouvir falar de justiça ou responsabilização pelas décadas e décadas de ocupação, apartheid, genocídio e roubo de terras. Para ele, o “terrorismo palestino” é quem deveria ser, exclusivamente, condenado, ao insistir na falácia racista de Israel como um “oásis de democracia” que se defende de “selvagens” que o cercam.

De um ponto de vista regional, o “modelo” de Trump para a Ucrânia pode se aplicar à Palestina — a começar por Gaza —, mas somente se todo e cada palestino for expulso de suas casas, seja por exílio ou extermínio. Rafael Eitan, ex-general israelense, afirmou em certa ocasião: “Quando nos assentarmos nesta terra [Palestina], tudo que os árabes [palestinos] poderão fazer é correr em círculos como baratas na garrafa”. A capacidade intelectual de Trump claramente é limitada, mas ele, com certeza, crê nas palavras de Eidan, de décadas atrás.

LEIA: Suspensão de recursos dos EUA é questão ‘crítica’, alerta ONU

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.