Enquanto Israel lançava bombas por 15 meses e vidas eram obliteradas em Gaza, as mãos de uma mulher costuravam uma tapeçaria de memória e resistência. Mary Evers, uma osteopata irlandesa que virou artista de bordados, embarcou em uma jornada solene, porém poderosa, para comemorar as vidas palestinas perdidas na guerra genocida de Israel que matou mais de 47.500 palestinos e reduziu o enclave a escombros.
Por meio de agulha e linha, ela está documentando os nomes dos mortos, honrando uma tradição profundamente enraizada na cultura palestina e criando uma comunidade de resiliência.
A conexão de Mary com a região é profundamente pessoal. Nascida em 1959, ela se mudou para o Oriente Médio quando criança quando seu pai, um oficial multilíngue da polícia irlandesa, foi destacado como parte de uma missão de manutenção da paz das Nações Unidas. “Nós ziguezagueamos pela região de Mashriq por duas décadas”, lembra Mary: “Jerusalém se tornou minha cidade natal.”
A criação de Mary no epicentro espiritual e histórico de três grandes religiões diferiu muito do rígido ambiente católico que ela encontrou durante as viagens de volta à Irlanda. “Em Jerusalém, a religião era apenas parte de quem você era, não uma ferramenta para divisão”, ela explica.
Essa perspectiva inclusiva moldou sua visão de mundo e consolidou seu vínculo com a Palestina. “Eu me sinto palestina em meu coração”, ela diz, um sentimento ecoado por seu cunhado palestino, que afirma: “Você é um de nós”.
O Projeto Mártires de Gaza não nasceu instantaneamente – ele se cristalizou ao longo do tempo. Em sua aposentadoria, Mary redescobriu uma paixão de infância pelo bordado, uma habilidade influenciada por sua “Dada” (cuidadora) palestina, Violet, cuja família havia fugido de Jaffa. A mãe de Violet, especialista em tatreez, bordado tradicional palestino, apresentou Mary à arte de contar histórias por meio de pontos.
Mas foi somente quando Mary visitou uma exposição da artista de Bangladesh Yasmin Jahan Nupur na Tate Modern de Londres que a ideia do projeto se materializou completamente. O mapa-múndi bordado da artista dos territórios coloniais britânicos despertou algo dentro dela. “Fiquei impressionada com o quão poderoso era um ato tão simples — usar linha para documentar a história e provocar o pensamento”, diz Mary.
Mary passou meses planejando cuidadosamente a tapeçaria. Ela adquiriu algodão egípcio por sua durabilidade e laços nostálgicos com sua infância, quando os lençóis de sua família eram feitos à mão com o mesmo tecido. “Ele também simboliza uma mortalha — honrando as vidas perdidas”, explica ela.
Para refletir a bandeira palestina, Mary escolheu códigos de cores específicos para o bordado. Fios pretos representam os homens de Gaza, vermelho para as mulheres e verde para as crianças. O algodão egípcio branco cremoso representa o branco da bandeira. Cada painel, mesmo sem ler os nomes, transmite visualmente o impacto demográfico das mortes. Alguns painéis, predominantemente verdes, são um lembrete assustador das inúmeras crianças de Gaza mortas.
Seu primeiro painel conta a história da família Al-Astal — 88 membros abrangendo quatro gerações — exterminada por uma única bomba. A vítima mais jovem era um recém-nascido; a mais velha tinha 72 anos. “Quem sobrou para lamentar essas pessoas? Quem se lembra de quem elas eram?”, pergunta Mary.
Sua pesquisa a levou a uma reviravolta irônica: um membro irlandês da família Al-Astal, cuja esposa e filhos estavam visitando a família em Gaza, ficou de coração partido ao descobrir que sua esposa estava entre os mortos. “Foi de partir o coração perceber que essa família, antes tão conectada, agora estava fragmentada e apagada do registro civil de sua terra natal.”
O projeto floresceu em um movimento coletivo, reunindo mulheres para costurar, compartilhar e lembrar. “Mulheres costurando em grupos é uma tradição antiga, desde a confecção de colchas até o tatreez. Isso cria um espaço de solidariedade e cura”, descreve Mary. Cada ponto se torna um fio de resistência, tecendo uma narrativa que se recusa a deixar os mortos serem esquecidos.
Reema Farah, uma moradora galesa de herança palestina e defensora ativa em sua comunidade local em Swansea, descreveu seu encontro inicial com o projeto: “Não sei como consegui encontrar Mary, mas vi um pequeno vídeo que ela montou, e eu pensei, ‘bem, isso é definitivamente algo em que eu quero me envolver'”, ela disse. Apesar de não se considerar uma pessoa particularmente habilidosa, ela foi atraída pela missão criativa, mas solene, do projeto.
Farah lembrou do peso emocional de receber seu painel designado. “Quando eu realmente o recebi, peguei a lista e fui começar a costurar esses nomes ou inicialmente escrevê-los. Fiquei completamente e totalmente sobrecarregada com isso”, ela confessou.
Reconhecendo a enormidade da tarefa, Farah recorreu ao seu grupo criativo, Swansea Creatives for Palestine. Juntos, eles costuraram mais de 180 nomes. “Se alguém estava com dificuldades, nós compartilhávamos a tarefa. Esse painel girava em torno de cada um de nós”, ela lembrou.
O processo foi profundamente comovente para Farah. “Foi muito difícil. Encontrei os nomes dos meus próprios filhos entre esses nomes, e acho que você se conecta mais com o que seria ser uma mãe perdendo seus filhos.”
Mary enfatiza que cada nome recebe cerca de uma hora de tempo de costura. “É a nossa maneira de sentar com cada mártir palestino, refletindo sobre quem eles eram, suas esperanças e sonhos.”
O projeto continua em andamento, com novos painéis em desenvolvimento e mais mulheres se juntando ao esforço coletivo. Por meio de agulha e linha, Mary e seus colaboradores estão garantindo que as vidas perdidas em Gaza não sejam apagadas nem esquecidas. Embora Mary planeje limitar o projeto a 30.000 nomes, o crescente número de mortos pode fazer com que ele continue indefinidamente.
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