Rompendo o silêncio sobre a luta armada palestina: Um apelo por clareza

Ramzy Baroud
3 semanas ago

Em 22 de fevereiro de 2024, o embaixador da China em Haia, Zhang Jun, enunciou algo inesperado. Seu relato, como muitos outros, buscou auxiliar o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), em Haia, a formular uma opinião legal crítica e há muito esperada sobre as consequências legais da ocupação israelense na Palestina.

Zhang articulou a posição chinesa que, diferente das alegações do enviado dos Estados Unidos, se mantiveram alinhadas, inteiramente, às leis humanitárias internacionais. No entanto, vocalizou um tabu — um que mesmo os mais próximos aliados da Palestina no Oriente Médio e Sul Global não ousam tocar: o direito à resistência por todos os meios, “incluindo a luta armada”.

“O uso da força do povo palestino para resistir à opressão estrangeira e estabelecer seu Estado independente é um direito inalienável”, reconheceu o emissário chinês. “A luta travada pelos povos por sua libertação e autodeterminação — incluindo a luta armada contra o colonialismo, a ocupação, a agressão e a dominação de forças estrangeiras — não deve ser considerada terrorismo”.

‘Palestinos têm direito de resistir à opressão israelense’, diz China em Haia

Como era de se esperar, os comentários de Zhang não produziram eco. Nem governos, nem intelectuais — inclusive de esquerda — recorreram a sua fala como oportunidade para explorar a questão com maior profundidade. Permanece muito mais conveniente atribuir aos palestinos o papel ora de vítima, ora vilão. Um palestino que ouse resistir à ocupação — que busque autonomia ou controle sobre seu próprio destino — continua a ser um território deveras perigoso para uma análise honesta.

Os comentários de Zhang, todavia, situam-se absolutamente dentro dos parâmetros da lei internacional. Deste modo, Romana Rubeo e eu não poderíamos deixar de discutir o assunto em entrevista recente que realizamos com o professor Richard Falk, autoridade na lei internacional e ex-relator especial das Nações Unidas para a Palestina.

Falk não é somente um especialista em direito, mas também um intelectual perspicaz e estudioso da história. Embora fale com cautela, não hesita — não mede palavras. Suas ideias podem parecer “radicais”, mas apenas se os termos forem interpretados dentro dos confins da mídia corporativa e da academia colaboracionista. Falk não recorre a um “senso comum”, mas — conforme os princípios de Gramsci — ao “bom senso”, através de um discurso lógico e racional.

Perguntamos ao professor Falk sobre o direito do povo palestino de se defender e mais especificamente sobre a luta armada e sua consistência — ou falta dela — para com a lei internacional.

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“Sim, penso que se trata de uma compreensão correta da lei internacional”, comentou Falk sobre as declarações de Zhang, “uma compreensão que o Ocidente, em geral, não quer ouvir falar … O direito à resistência se consolidou durante o processo descolonial, nas décadas de 1980 e 1990, incluindo o direito à resistência armada. Esta resistência, no entanto, vale notar, ainda é sujeita às leis de guerra internacionais”.

Mesmo o preâmbulo da Declaração Universal de Direitos Humanos observa: “Para que o ser humano não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão, considera-se essencial que sejam protegidos pelo império da lei”.

Toda a situação de Gaza se expõe como um dos exemplos mais nítidos do desprezo de Israel não apenas para com as leis de guerra estabelecidas, como por todo o aparato legal e humanitário internacional.

Os palestinos, por outro lado, vivem em estado permanente de autodefesa, motivados por um conjunto de valores distinto de Israel e plenamente cientes da necessidade de que mantenham a legitimidade moral de seus métodos de resistência.

“O respeito às leis de guerra” implicaria, portanto, em proteger civis, “doentes e feridos … em todas as circunstâncias”; “impedir o sofrimento desnecessário”, ao restringir “os meios e métodos de combate”; e conduzir “ataques proporcionais” — dentre diversos outros princípios.

Isso nos leva aos eventos de 7 de outubro de 2023 — a Operação Tempesta de Al-Aqsa que cruzou a fronteira no chamado Envelope de Gaza, no território ocupado designado como Israel. Conforme Falk, “embora haja indícios de violações que acompanharam o ataque, este em si, dentro de seu contexto, me parece absolutamente justificável e, de fato, há muito esperado”.

A declaração acima é de abalar as estruturas, para dizer o mínimo. Trata-se de uma das mais claras distinções entre a operação em si e algumas das alegações — muitas delas demonstradas como inverdades e propaganda de guerra — sobre o que aconteceu em 7 de outubro, durante a incursão transfronteiriça da resistência palestina.

É por isso que Israel, Estados Unidos e seus aliados ocidentais — governo ou imprensa — tanto trabalham para descaracterizar os eventos que culminaram na atual guerra de extermínio travada pelo Estado ocupante contra os palestinos, ao apelar a persistentes mentiras, como estupros em massa, decapitação de bebês e suposta chacina de jovens em um festival de música eletrônica.

Ao construir tamanha narrativa facciosa, Israel obteve êxito em moldar a conversa para longe das causas do problema, ao pôr os palestinos na defensiva, acusados de conduzir horrores indizíveis contra supostos civis inocentes.

“Umas das táticas usadas pelo Ocidente e por Israel, quase bem-sucedida, repousa em descontextualizar o 7 de outubro para que parece algo que veio do nada”, alertou Falk. “Mesmo o secretário-geral das Nações Unidas foi difamado como antissemita somente por apontar para um fato óbvio: de que há uma longa história de abuso contra o povo palestino que culminou nesses eventos”. António Guterres, de fato, chegou a dizer que o 7 de outubro “não aconteceu no vácuo”.

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Richard Falk é considerado um ícone, um dos mais influentes acadêmicos e defensores da lei internacional de nosso tempo. Suas palavras, bem como as de Zhang, deveriam inspirar um debate aberto e honesto sobre a resistência palestina.

A história da Palestina não é uma história da resistência armada per se. Esta é apenas manifestação de uma história de longa data de resistência popular que se estende por todos os aspectos da expressão comunitária, incluindo, entre outras coisas, a cultura, a espiritualidade, a desobediência civil, as greves gerais, os protestos de massa e mesmo as greves de fome nas cadeias da ocupação.

Contudo, enquanto os palestinos mantêm sua resistência armada dentro do escopo da lei internacional, tentativas para deslegitimá-la — assim como uma enorme parcela da população — permanecerão vazias.

Neste entremeio, porém, Israel segue desfrutando de impunidade diante de qualquer ação internacional significativa e são os palestinos que continuam ora desumanizados, ora criminalizados, em vez de apoiados adequadamente em seu direito legítimo, por todos os meios, de buscar liberdade, justiça e independência. Vozes corajosas — como Falk e Zhang, entre muitas outras — podem corrigir o curso.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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