Um momento precioso foi dilapidado com os eventos recentes, à medida que o Presidente da Autoridade Palestina Mahmoud Abbas teve a chance de corrigir um erro histórico, ao restabelecer as prioridades nacionais no Conselho de Segurança das Nações Unidas, em 11 de fevereiro, por meio de um discurso político absolutamente independente dos Estados Unidos e seus aliados.
Por muito tempo, Abbas é refém da própria linguagem que o designou – junto de sua Autoridade – como “moderado” aos olhos de Israel e do Ocidente. Apesar da rejeição enfática do líder palestino diante do chamado “acordo do século”, proposto pelo Presidente dos Estados Unidos Donald Trump – que praticamente invalida todas as aspirações nacionais do povo palestino –, Abbas ainda está ávido para manter suas credenciais de “moderado”, tanto quanto possível.
Decerto, Abbas concedeu muitos discursos diante da ONU no passado e, todas as vezes, fracassou em impressionar os palestinos. Desta vez, no entanto, as coisas deveriam ser diferentes. Não apenas Washington negligenciou Abbas e a Autoridade Palestina, como também esmigalhou seu próprio discurso político sobre paz e solução de dois estados; tudo em um único golpe. Ademais, a gestão de Trump agora concedeu oficialmente sua bênção para que Israel anexe quase um terço da Cisjordânia ocupada, tirando Jerusalém ‘da mesa de negociações’ e descartando em absoluto o direito de retorno dos refugiados palestinos.
Ao invés de encontrar-se pessoalmente com líderes de diversos partidos políticos palestinos e assumir medidas tangíveis para reativar instituições políticas centrais – embora dormentes – como o Conselho Nacional Palestino (CNP) e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), Abbas preferiu reunir-se com o ex-Primeiro-Ministro de Israel Ehud Olmert, em Nova Iorque, a fim de continuar a regurgitar seu compromisso com uma era passada.
Em seu discurso na ONU, Abbas disse nada de novo, o que – neste caso – é ainda pior do que dizer absolutamente nada.
“Este é o resultado do projeto que nos foi introduzido”, afirmou Abbas ao exibir um mapa da Palestina conforme as prerrogativas do “acordo do século” de Donald Trump. “E este é o estado que nos estão cedendo”, acrescentou Abbas, referindo-se ao futuro estado como um “queijo suíço”, fragmentado por assentamentos judaicos, estradas de uso discriminatório e zonas militares israelenses.
Mesmo o termo “queijo suíço”, reportado por alguns veículos de imprensa como uma ideia nova neste discurso redundante, possui um uso antigo referenciado reiteradamente pela própria liderança palestina, a começar com as investidas do chamado “processo de paz”, há 25 anos.
Abbas esforçou-se para parecer excepcionalmente resoluto ao enfatizar certas palavras, como quando equiparou a ocupação israelense com o sistema de apartheid. Sua entrega, no entanto, pareceu pouco convincente, insuficiente e – por vezes – sem sentido.
Abbas falou de sua enorme “surpresa” quando Washington decidiu declarar Jerusalém como capital indivisível do estado de Israel, subsequentemente realocando sua embaixada à cidade ocupada, como se o plano já não fosse evidente, a despeito do fato da transferência da embaixada ter sido uma das principais promessas de Trump a Israel, mesmo antes de assumir posse, em janeiro de 2017.
“Então, cortaram o apoio financeiro que nos era concedido”, lamentou Abbas em referência à decisão americana de reter seu auxílio à Autoridade Palestina, em agosto de 2018. “Tiraram de nós US$ 840 milhões”, declarou. “Não sei quem é que está dando a Trump conselhos tão horríveis. Trump não é assim. O Trump que conheço não é nada assim”, exclamou Abbas em uma interjeição estranha, como se mandasse uma mensagem à gestão americana de que a Autoridade Palestina ainda tem fé no bom senso do presidente Trump.
“Gostaria de lembrar a todos que participamos da conferência de paz de Madri, das negociações em Washington, do acordo de Oslo e da cúpula de Anápolis, em respeito à lei internacional”, relatou Abbas, assinalando que deve manter-se comprometido com a própria agenda política que fracassou historicamente em conceder qualquer vitória política aos palestinos.
Abbas prosseguiu ao ilustrar uma realidade imaginada, onde sua Autoridade está supostamente construindo “instituições nacionais de um estado moderno, democrático, cumpridor das leis, estabelecido com base nos valores internacionais; um estado cujo pressuposto é a transparência, responsabilidade e luta contra a corrupção.”
“Sim”, enfatizou Abbas, ao olhar para audiência com uma seriedade teatral. “Somos um dos países mais importantes [do mundo] ao lutar contra a corrupção.” O líder palestino, então, decidiu fazer um apelo ao Conselho de Segurança da ONU para enviar uma comissão a fim de averiguar alegações de corrupção dentro da Autoridade Palestina, um convite confuso e desnecessário, considerando que a liderança palestina é quem deveria impor exigências à comunidade internacional, para que se cumpram as leis internacionais e se encerre a ocupação israelense.
E prosseguiu deste modo, um discurso no qual Abbas oscilou entre a leitura de comentários previamente esboçados, incapazes de introduzir quaisquer ideias ou estratégias novas, e divagações desnecessárias que refletem a falência política da Autoridade Palestina, além da falta de imaginação do próprio Abbas.
O presidente da Autoridade Palestina, é claro, garantiu o oferecimento de seu habitual repúdio ao “terrorismo” palestino, ao prometer mais uma vez que os palestinos não “recorrerão à violência e ao terrorismo, não importa os atos de agressão cometidos contra nós.” Abbas assegurou à sua audiência que sua Autoridade crê na “paz e combate à violência.” Sem conceder detalhes, ainda declarou sua intenção de continuar no caminho da “resistência popular e pacífica”, que – na realidade – simplesmente não existe.
Desta vez, o discurso de Abbas à ONU foi particularmente inapropriado. De fato, foi um fracasso em todos os sentidos possíveis. O mínimo a ser feito pelo líder palestino seria articular um discurso político palestino contundente e coletivo. Ao contrário, suas declarações foram meramente uma triste homenagem a seu próprio legado, uma herança marcada por decepções e inépcia.
Como era de se esperar, Abbas retornou a Ramallah para cumprimentar seus apoiadores animados mais outra vez, homens sempre dispostos a erguer cartazes e fotografias de seu líder já envelhecido, como se o discurso na ONU fosse um sucesso, capaz de alterar fundamentalmente o próprio momentum político da comunidade internacional em favor do povo palestino.
É preciso dizer que o verdadeiro perigo posto pelo “acordo do século” não é representado pelas tenebrosas pré-condições do próprio plano, mas sim pelo fato de que a liderança palestina provavelmente encontrará um jeito de coexistir com isso, às custas do povo oprimido da Palestina ocupada – ao menos, enquanto houver ainda fluxo de caixa e Abbas chamar a si próprio de presidente.
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