À medida que o coronavírus continua a devastar quase todo o planeta, os países árabes permanecem incapazes – ou relutantes – de formular uma estratégia coletiva para ajudar as populações árabes mais pobres e mais vulneráveis a sobreviver ao vírus mortal e à decorrente crise econômica.
Pior ainda, diante da solidariedade internacional cada vez maior, ainda não pudemos ver qualquer iniciativa pan-árabe com o objetivo de conceder apoio material aos países e regiões que foram mais atingidos pelo covid-19.
A falta de sensibilidade coletiva árabe não é uma exceção, ao passo que reflete o próprio fracasso sistemático da Europa em demonstrar “solidariedade” apenas nos momentos de conveniência financeira e virar as costas – por vezes, aos próprios irmãos e irmãs – quando não há qualquer interesse econômico.
Por exemplo, quando a Grécia deixou de pagar seus credores internacionais em 2015, Alemanha e outros países da União Europeia rapidamente aproveitaram a chance para desmantelar as principais instituições financeiras do país e lucrar com as misérias de Atenas.
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Toda a conversa sobre solidariedade, fraternidade e comunidade europeia chafurdou no altar da ganância e de lucros desmedidos.
Não é a primeira vez – tampouco a última – que o lado oportunista da União Europeia mostrou sua cara. De fato, a Europa é unida não por uma história comum ou laços sociais inquebrantáveis, mas sim pela crença compartilhada de que assim representa uma unidade econômica mais forte.
O mesmo cenário sórdido repetiu-se recentemente. À medida que a Itália começa a afrouxar as amarras diante do fardo insuportável do coronavírus, passou imediatamente – e naturalmente – a buscar ajuda de seus estados irmãos da Europa. Contudo, em vão.
Apesar de seu déficit significativo, a Itália é um agente majoritário no cenário econômico europeu e, de fato, em todo o mundo. A Itália representa efetivamente a 8ª maior economia do mundo. Porém, a economia do país vivencia agora um raro caso de queda livre, em particular nas regiões mais pobres ao sul de seu território, onde as pessoas literalmente passam fome.
O primeiro país a oferecer ajuda à Itália não foi França ou Alemanha, mas China, e em seguida Rússia, Cuba e outros.
Essa falta palpável de solidariedade entre os países europeus empoderou ainda mais a perspectiva etnocêntrica já prevalecente na Europa, representada por movimentos de extrema-direita como a Liga de Matteo Savini, na Itália. Por anos, Savini e seus aliados defenderam veementemente o fim da integração europeia.
Levará meses, não anos, para os efeitos políticos do coronavírus serem observados. Mas o que já é bastante claro é que focos econômicos regionais e internacionais buscam apostar suas fichas na consolidação de sua posição geopolítica no mundo pós-coronavírus.
Apesar das tentativas acanhadas dos Estados Unidos de se alinhar com o movimento de solidariedade internacional – com motivações obviamente políticas –, as frouxas medidas do Presidente Donald Trump chegaram tarde demais. Um grave sinal dos tempos é que apoio da chinês e russo de fato chovem sobre os Estados Unidos para socorrê-los diante do que representa hoje o maior número de casos de covid-19 em escala nacional.
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Porém, uma questão intrigante: onde se encaixam os árabes nisso tudo?
Itália e Espanha, em particular, compartilhar laços culturais e históricos e interesses políticos amplos com muitos países árabes, interesses que prevalecerão muito depois da erradicação do novo coronavírus. Ignorar Itália e Espanha diante do radar de solidariedade internacional será evidenciado, portanto, como uma grave erro de cálculo estratégico.
Israel, por outro lado, ativou efetivamente sua agência de assistência humanitária, a IsraAID, que operou anteriormente na Itália entre 2016 e 2019, após um grande terremoto que matou quase 300 pessoas e deixou danos estruturais massivos no país europeu.
Israel utiliza “assistência humanitária” como ferramenta e propaganda política. Missões israelenses costumam receber poucos recursos e durar pouco, mas seu impacto é amplificado pela poderosa máquina de mídia oficial que tenta projetar o estado sionista como “pacificador”, e não militarista.
A verdade é que alguns governos árabes fornecem recursos absolutamente necessários a países devastados por guerras e desastres naturais; lamentavelmente, tais esforços costumam ser desorganizados e autocentrados – e francamente não motivados por qualquer solidariedade verdadeira.
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Dito isso, a falta de iniciativas árabes no campo da solidariedade internacional é mínima em comparação à falta de solidariedade árabe dentro do próprio mundo árabe.
Segundo estimativas das Nações Unidas, há “101.4 milhões [de pessoas] na região que já vivem na pobreza, conforme critérios oficiais, e cerca de 52 milhões desnutridos.”
Uma breve nota política, emitida em 1° de abril, pela Comissão Social e Econômica das Nações Unidas para a Ásia Ocidental (ESCWA) projeta que 8.3 milhões de pessoas deverão logo juntar-se às massas de pobres e desnutridos em todo o mundo árabe.
À parte de discursos vazios e comunicados de imprensa absolutamente inúteis, ainda não pudemos ver qualquer iniciativa majoritária coletiva dos estados árabes, representado por exemplo pela Liga Árabe, a fim de conceder um equivalente árabe aos diversos planos de estímulo econômico postos em ação por muitos outros países e blocos regionais em todo o mundo.
No último mês de março, o Secretário-Geral das Nações Unidas António Guterres emitiu um “apelo por cessar-fogo global”, implorando ao mundo – em particular, às nações em guerra do Oriente Médio – um armistício generalizado capaz de unir todos os esforços em uma única guerra: contra o coronavírus.
Infelizmente, o apelo até então foi ignorado. A guerra na Líbia continua a escalar, e não apaziguar-se; Israel continua a assassinar palestinos na Cisjordânia ocupada; massas de refugiados da Síria, Turquia e outros países do Oriente Médio continuam a ser oprimidas.
Tempos de crise – especialmente aqueles que afetam a todos nós, independente de raça, religião ou geografia – costumam representar um grito de alerta, além de propor uma oportunidade por um novo começo e um novo contrato social, capaz de fazer ressurgir das cinzas todas as nossas dores coletivas, transformadas então em um mundo melhor.
Que o covid-19 seja a oportunidade que permitirá a todas as nações, especialmente no Oriente Médio, a assumir uma postura ampla contra a guerra, a fome e a doença; compartilhar suas riquezas e estender a mão solidária também a nossos aliados históricos na África e em todo o mundo.
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