Cento e cinquenta prisioneiros palestinos foram feridos quando oficiais do Sistema Penitenciário de Israel invadiram a prisão militar de Ofer, próxima a Ramallah, em 21 de janeiro. No dia seguinte, milhares de palestinos protestaram em toda a Cisjordânia e Gaza em apoio aos prisioneiros que, em resposta à repressão israelense, entraram massivamente em greve de fome.
As últimas adversidades foram instigadas pelo governo israelense quando o Ministro de Segurança Pública, Gilard Erdan, declarou em 2 de janeiro que a “festa acabou”, ou seja, que Israel ira “piorar” ainda mais as terríveis condições dos prisioneiros palestinos nas prisões israelenses.
De acordo com a Associação de Direitos Humanos e Apoio aos Prisioneiros Addameer, há aproximadamente 5.500 prisioneiros palestinos nas prisões israelenses, incluindo 230 crianças e 54 mulheres. Consta também que 481 prisioneiros são mantidos em detenção sem julgamento, conforme uma prática ilegal de Israel conhecida como “detenção administrativa”.
Certamente os comentários do ministro israelense têm de ser levados a sério, apesar das condições sob as quais são mantidos milhares de palestinos nas prisões israelenses – por si só, uma violação à Quarta Convenção de Genebra – já se apresentarem em um estágio cuja única descrição possível é desumano. As condições não estão à altura sequer dos padrões mínimos das leis humanitárias e internacionais.
Prisioneiros palestinos descrevem amplamente as condições depreciativas das prisões de Israel, sendo vítimas de todas as variações de tortura física e psicológica e sobrevivendo durante anos, por vezes décadas, na tentativa de preservar sua própria humanidade, hora após hora, todos os dias.
Três prisioneiros palestinos libertados compartilharam suas histórias, na esperança de que o mundo possa compreender o verdadeiro contexto do último “plano” de Erdan e os atos repressivos afligidos contra os prisioneiros palestinos de Ofer e outros lugares.
‘Eles prenderam a minha família’
Shadi Farah tinha apenas 12 anos de idade quando foi preso em sua casa na cidade palestina de Jerusalém. Foi acusado de tentativa de homicídio contra soldados israelenses quando uma faca foi encontrada em sua casa.
Fui preso em 30 de dezembro de 2015, quando tinha apenas 12 anos de idade, e fui solto em 29 de novembro de 2018. Na época, eu era o prisioneiro palestino mais jovem nas prisões israelenses.
Meu interrogatório aconteceu na prisão de Maskoubiah, em Jerusalém, especificamente na Cela n° 4. Após dias de tortura física, privação de sono e grave espancamento, eles resolveram prender toda a minha família – minha mãe, meu pai, minhas irmãs e irmãos. Eles me disseram que a minha família estava detida por minha culpa e que só iriam libertá-los se eu confessasse meus crimes. Eles me insultaram com palavras que não posso repetir. Ameaçaram fazer coisas horrorosas contra a minha mãe e minhas irmãs.
Após toda sessão de tortura, eu voltava à cela desesperado para dormir. Mas o soldados então me acordavam com tapas no meu rosto, chutes desferidos com suas botas e socos no estômago.
Eu amo minha família, e quando impediam minha família de me visitar, isso partia meu coração.
‘Fui torturada na Cela n°9’
Wafa’ Samir Ibrahim al-Bis nasceu no campo de refugiados de Jablaiya, em Gaza. Ela tinha 16 anos de idade quando foi presa, em 20 de maio de 2005. Foi condenada a 12 anos de prisão após ser acusada de tentativa de missão suicida contra soldados israelenses. Foi libertada em 2011, devido a uma troca de prisioneiros entre a Resistência Palestina e Israel.
Eu tinha apenas 16 anos de idade quando decidi vestir um colete de explosivos e explodir a mim mesma no meio de soldados da ocupação israelense. Era tudo que eu poderia fazer para vingar a morte de Mohammed al-Durrah. Quando o vi encolhido contra seu pai, enquanto soldados os fuzilavam a queima-roupa, eu me senti impotente. Aquela pobre criança. Mas fui presa e aqueles que me ajudaram na preparação de minha missão foram mortos três meses depois.
Fui torturada durante anos dentro da infame Cela n°9, uma câmara de tortura designada para pessoas como eu. Eu era pendurada do teto e espancada. Eles colocavam um saco preto sobre a minha cabeça enquanto me batiam e me interrogavam por horas e horas, dias e dias. Eles soltavam cachorros e ratos na minha cela. Não podia dormir por dias. Eles tiravam a minha roupa e me deixavam nua. Não permitiam que eu me encontrasse com um advogado ou sequer recebesse visitas da Cruz Vermelha.
Eu era obrigada a dormir em um colchão velho e sujo, duro como uma cama de pregos. Fiquei em confinamento solitário por dois anos. Eu me senti como se estivesse enterrada viva. Certa vez, eles me deixaram pendurada do teto por três dias ininterruptos. Eu gritava tão alto quanto podia, mas ninguém veio me desamarrar.
Quando estive na prisão de Ramleh, eu me sentia tão solitária. Um dia, vi uma gatinha caminhando entre as celas, então atirei comida para que ela se tornasse minha amiga. Eventualmente, ela começou a entrar na minha cela e ficar comigo por algumas horas. Quando os guardas descobriram que ela era minha companhia, cortaram sua garganta na minha frente. Eu chorei mais por ela do que chorei pelo meu próprio destino.
Alguns dias depois, pedi ao guarda um pouco de chá. Ela veio e disse, “estenda sua mão para fora”. Eu fiz, mas ao invés de receber algum chá, ela derramou água fervente sobre as minhas mãos. Desde então, tenho cicatrizes devido às queimaduras de terceiro grau que sofri na ocasião. Preciso de ajuda para treinar minhas mãos, Eu choro por Israa’ Ja’abis, cujo corpo todo foi queimado, mas que ainda continua aprisionada nas prisões israelenses.
Costumo pensar nas mulheres presas que deixei para trás.
‘Minha mãe morreu orgulhosa de mim’
Fuad Qassim al-Razam nasceu na cidade palestina de Jerusalém. Ele passou 31 anos na prisão.
Eu sofri torturas físicas e psicológicas nas prisões israelenses, o que me obrigou a confessar coisas que fiz e coisas que não fiz.
A primeira fase da prisão costuma ser a mais difícil, porque a tortura é mais intensa e os métodos são mais brutais. Eles me impediam de comer e dormir e eu era deixado pendurado do teto por horas e horas. Às vezes, eles me deixavam na chuva, nu, amarrado contra um poste, ocasionalmente sob socos, chutes e golpes de cacetete desferidos por soldados.
Fui proibido de ver minha família por anos e, quando finalmente pude ver minha mãe, ela estava morrendo. Uma ambulância a trouxe à prisão de Beir Al-Saba’ e fui levado algemado para vê-la. Sua saúde estava péssima e ela não conseguia mais falar. Eu me lembro dos cateteres que saíam de suas mãos e narinas. Seus braços estavam azulados, cheios de hematomas, devido às agulhas introduzidas na sua pele frágil.
Eu sabia que aquela seria a última vez que eu poderia vê-la, então li alguns trechos do Alcorão para ela, antes de ser levado de volta à minha cela. Ela morreu vinte dias depois. Eu sei que elas orgulhosa de mim. Quando solto, fui impedido de visitar seu túmulo e ler versos do Alcorão em sua memória, porque fui imediatamente deportado para Gaza após a troca de prisioneiros em 2011.
Um dia, irei visitar o túmulo de minha mãe.
(Abdallah e Yousef Aljamal contribuíram para este artigo)
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