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Grupos como This is Lebanon são essenciais para a proteção de trabalhadores domésticos migrantes

Manifestantes seguram cartazes com mensagens contra agressão sexual durante a 16ª edição da Maratona de Beirute na capital libanesa em 11 de novembro de 2018 [MARWAN TAHTAH / AFP / Getty Images]

“Não há muitos empregos em que a primeira coisa que seu colega lhe diga de manhã é: ‘Temos outra mulher morta’”, dizia um post recente na página do Facebook do This is Lebanon (Este é o Libano). Trata-se de uma pequena organização de base voluntária no Canadá que assumiu o enorme desafio de combater o abuso endêmico de trabalhadores domésticos imigrantes no país do Mediterrâneo Oriental.

Com uma população de menos de 6 milhões de pessoas, o Líbano abriga mais de 250.000 trabalhadores domésticos imigrantes. Empregados sob o explorador sistema Kafala, de patrocínio no país, eles são excluídos das leis trabalhistas libanesas, uma posição que torna o acesso ao sistema judicial quase impossível.

Com uma taxa de mortalidade de dois desses trabalhadores por semana, o This is Lebanon optou por uma nova tática radical para desafiar a impunidade e alcançar a justiça: o grupo está envergonhando os empregadores que abusam de seus empregados domésticos, nas redes sociais.

Embora esta nova estratégia não seja livre de controvérsia, ela se mostrou eficaz. Halima Ubpang, trabalhadora filipina doméstica, foi basicamente escravizada por 10 anos por seus empregadores libaneses e só foi libertada quando a organização canadense tornou público seu caso. Durante anos, a sua família tentou contactar os empregadores da Sra. Ubpang através da agência de recrutamento e da Embaixada das Filipinas em Beirute, mas nunca conseguiu alcançá-la. Não sabendo se Halima ainda estava viva, foi somente quando This is Lebanon divulgou os nomes dos seus patrões nas mídias sociais que a pressão pública ajudou a família a levá-la de volta para casa.

“Até hoje, resgatamos 41 trabalhadores domésticos migrantes e estamos trabalhando em outros 95 casos”, disse Dipendra Uprety, fundador do This is Lebanon. “Nos últimos dois anos, 1.492 deles nos contataram pedindo ajuda, e são mais de cinco mensagens por dia, agora que o site é mais conhecido.”

Uprety foi, ele mesmo, um trabalhador imigrante no Líbano. Ele agora vive no Canadá sob o status de proteção permanente. Durante seu tempo no Líbano, tornou-se representante do Consulado do Nepal, por seu trabalho visitando trabalhadores domésticos e vítimas de abuso em hospitais e prisões.

Ele explicou como This is Lebanon, ao receber alguma notificação de trabalhador doméstico imigrante ou de qualquer pessoa que tenha testemunhando abuso, primeiro contata, de forma privada, os empregadores denunciados. Se os empregadores se recusarem a apresentar provas de pagamento ou, em caso de abuso, não permitirem que o trabalhador saia do país e retorne para casa, seu nome será exposto nas redes sociais.

No início, os empregadores raramente respondiam a essa tática. No entanto, quanto mais pessoas sabiam sobre o This Is Lebanon, isso também se tornou mais efetivo. “Agora, cerca de 50% das reclamações que recebemos sobre abuso ou falta de pagamento são resolvidas sem que tenhamos que ir a público”, disse Uprety.

Março contra a violência doméstica [Reuters]

Essas táticas não convencionais estão se mostrando bem-sucedidas para os trabalhadores imigrantes no país, já que estão se enfurecendo com certos empregadores. Alguns patrões acusaram This is Lebanon de fazer acusações injustas, difamando as famílias e seus negócios. Recentemente, um grande programa de TV libanês descreveu a organização como uma gangue de máfia que organiza campanhas de chantagem para extorquir dinheiro. This is Lebanon respondeu que eram campanhas infundadas.

Acusações de chantagem e o risco de difamar empregadores injustamente não são os únicos desafios para o trabalho de This is Lebanon. O próprio Uprety foi informado de um mandado de prisão submetido à Interpol depois que o grupo denunciou o abuso praticado contra imigrantes trabalhadores domésticos empregados por altos funcionários e políticos libaneses.

E a intimidação dos ativistas do This is Lebanon não parou aí. “Recebi um telefonema [do departamento de crime cibernético] alertando-me para remover um post de ‘This is Lebanon’ que eu compartilhei em minha página no Facebook”, disse o jornalista libanês Dalal Mawad à MEMO.

Mawad não foi a única pessoa a receber tais ameaças do departamento de cibercrime. MEMO contatou duas outras pessoas que receberam chamadas semelhantes, mas que preferem permanecer anônimas por medo de mais repercussões.

Nos três casos, o departamento de cibercrimes telefonou alertando que o filho de um conhecido político libanês estava entrando com uma ação judicial contra a entidade e que ele ameaçava processar qualquer um que compartilhasse o post e não o removesse do Facebook. .

De acordo com Wadih Al-Asmar, diretor do Centro de Direitos Humanos do Líbano em Beirute, o departamento de crimes cibernéticos só pode convocar pessoas para investigação se isso for solicitado pelo procurador geral do Líbano. “Basicamente, eles não podem pedir às pessoas que removam as postagens nas mídias sociais até que um juiz decida se um post é ilegal ou não”, explicou ela. “O que está acontecendo com This is Lebanon é pura intimidação.” Isso ficou evidente pelo fato de que, desde o início desta semana, o acesso ao site da organização do Líbano está bloqueado.

“Eles também tentaram desabilitar nossa página no Facebook”, apontou a Uprety, “mas toda vez que nossa página é bloqueada, escrevemos para o Facebook fornecendo evidências do que fazemos, e nossa página é reabilitada imediatamente”.

Até agora, Dipendra Uprety e This is Lebanon não foram processados por difamação. A opinião pública no Líbano deve ponderar o risco de difamação em casos contra o abuso sistemático de trabalhadores que ocorrem em muitas casas libanesas. Afinal, This is Lebanon não teria razão para existir se os trabalhadores imigrantes pudessem acessar o sistema judicial do país.

Sob o sistema kafala, a residência legal de um trabalhador está vinculada ao seu empregador, o que torna muito difícil, na prática, que um imigrante reclame de um empregador sem arriscar a perda de seu status no Líbano. “Os trabalhadores se tornam ‘ilegais’ se a relação de emprego terminar por qualquer motivo, mesmo se o empregador não pagar o salário ou a agredir a pessoa sexualmente”, explica The Legal Agenda, uma ONG local no Líbano que procura defender trabalhadores domésticos imigrantes em tribunais . O estudo da ONG, de 2018 , mostra que a maioria desses trabalhadores com casos legais pendentes são deportados do país antes de poderem se apresentar ao tribunal, tornando impossível o acesso à justiça.

Um trabalhador doméstico imigrante faz uma selfie com uma ativista com quem protesta nos subúrbios ao norte de Beirute, contra os abusos e por proteção legal; Em 24 de junho de 2018. [ANWAR AMRO / AFP / Getty Images]

Em 11 de março do ano passado, a trabalhadora doméstica etíope Lensa Lelisa concedeu um testemunho em vídeo ao This is Lebanon, de seu leito hospitalar, sobre os espancamentos, ameaças e abusos que alega ter sofrido. Lensa Lelisa foi internada após pular da varanda da casa de seus empregadores, em uma tentativa de fuga. Após receber alta do hospital, ela retornou à força para a residência do patrão e, mais tarde, quando interrogada pelas Forças Internas de Segurança (FIS), retirou a denúncia. Logo depois, foi levada de cadeira de rodas a um programa de televisão local, na presença de seus empregadores, onde mais uma vez teve de retratar suas alegações de abuso.

O procurador geral do Líbano consequentemente deixou o caso, o que levou o Humans Night Watch a publicar um relatório declarando que a FIS especialmente fracassou ao oferecer a Lelisa “qualquer garantia de segurança ou proteção para assegurar que fosse capaz de falar livremente.”

Mais tarde, em 2018, o jornalista libanês Timour Azhari cobriu as alegações de Lensa Lelisa contra seus empregadores em um artigo para o jornal Daily Star. Convocado pelo escritório de crimes cibernéticos libanês, lhe foi exigido que removesse seus posts e tweets concernentes ao relatório. Ele foi então processado por difamação. Embora seu artigo tenha sido removido do website do Daily Star, permanece público em seu blog pessoal.

Por anos, organizações locais e internacionais divulgam informações para conscientizar as pessoas a pressionarem o governo libanês a encerrar os abusos sistêmicos de trabalhadores domésticos imigrantes. Em 24 de abril, a Anistia Internacional publicou um relatório exigindo que o novo governo do Líbano encerre um “sistema patrocinador de imigração inerentemente abusivo, o que aumenta o risco [aos trabalhadores imigrantes] de exploração do trabalho, trabalho forçado e tráfico.”

Logo após assumir seu novo papel no Gabinete do Líbano, o Ministro do Trabalho, Camille Abousleiman afirmou ao Daily Star que dará prioridade à modernização das leis trabalhistas, com foco no “tratamento respeitoso aos trabalhadores estrangeiros, que reflita a imagem civilizada do Líbano.”

Ao dar nomes e descrédito publicamente, sem o apoio de qualquer veredito judicial, as alegações acarretam seus problemas, à medida que sempre há riscos difamatórios. Contudo, ao considerar as dificuldades locais de acesso à justiça pelos trabalhadores imigrantes, o This is Lebanon mantém-se bem-sucedido onde todos os outros fracassaram, ao prover ajuda concreta a tais trabalhadores para alcançarem seus direitos.

“Os críticos do This is Lebanon devem primeiro olhar para os fracassos do sistema jurídico-legislativo vigente no Líbano relativo aos trabalhadores domésticos imigrantes,” insiste Farah Salka, diretor executivo do Movimento Anti-Racismo em Beirut. “Serão todos os casos da entidade cem por cento precisos? Não posso afirmar… Porém, como é possível de fato obter evidências para todas as atrocidades que acontecem nos lares de todo o país? Caso alguém possua sugestão melhor para trazer justiça aos trabalhadores domésticos, constantemente abusados e assediados, porém sem vozes, à medida que estão presos a estes mesmos lares, então que deixe This is Lebanon ir adiante e permita que aperfeiçoe seu trabalho.”

Este é um desafio real, que deixa as autoridades libanesas claramente perplexas. Ao menos e até que estas atuem de forma mais séria sobre o problema, no entanto, tais grupos como o This is Lebanon são essenciais à proteção dos trabalhadores domésticos imigrantes.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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