Desde muito jovem, Julia Perié é envolvida com política e ativismo. Com familiares encarcerados, foi obrigada a viver no exílio durante a ditadura militar na Argentina. De volta, foi eleita deputada por dois mandatos consecutivos e hoje atua do Parlamento do Mercosul,o Parlasul.
Com olhar bastante voltado às políticas internacionais, a parlamentar argentina fala nesta entrevista de dois assuntos que a indignam: políticas de Bolsonaro que afetam a vizinhança, como na crise hídrica e na pandemia, e a ocupação da Palestina por Israel – que agora ameaça anexar a Cisjordânia.
Nesta entrevista, a Julia Perié fala das possíveis soluções para esses problemas: pressão internacional para barrar Israel e Tribunal de Haia para responsabilizar Bolsonaro.
A senhora iniciou sua militância social e política ainda na adolescência no meio estudantil e na juventude peronista e, portanto, viveu diretamente o período da ditadura militar argentina. Como foi essa e experiência?
Comecei a militar na política dentro do peronismo, que foi um movimento transformador da realidade da Argentina na década de 70 e me encontrei ao lado de milhares de companheiros que sofreram com o golpe militar na Argentina, em 1976. Minha família foi perseguida e tive que partir com ela para o exílio. Meus três irmãos foram presos pela ditadura, junto com outros companheiros presos e desaparecidos. Portanto, tive que viver no exílio. Fiquei fora cinco anos e meio. Vivi um tempo na Espanha, na Bélgica, México e Panamá. Voltei apenas em 1982 pois havia a possibilidade de recuperar a democracia. Tenho três filhos e dois deles nasceram no exílio. Apenas o caçula nasceu na Argentina.
Como decidiu tornar-se parlamentar?
Sempre participei da política e pensei ser importante ocupar um cargo como deputada nacional. Em 2007 fui eleita deputada nacional e, em 2011, reeleita. Desde 2015 sou parlamentar do Parlasul.
Quais são os principais desafios do Mercosul?
O Mercosul foi florescente quando em nossos países havia governos progressistas, quando estavam Lula, Dilma, Pepe Mujica, Néstor Kirchner, Cristina Kirchner e Evo Morales. Depois, na Argentina, passamos por quatro anos de gritante liberalismo com o governo Macri, que tentou suspender o bloco regional tão importante. Para ele, não importava o Mercosul ou a integração regional, mas outros negócios que serviam o imperialismo. Creio que hojej, com Alberto Fernandez, tentamos, pelo menos a partir da Argentina, ajudar a recuperar o protagonismo, do Mercosul e também outros organismos que desapareceram como a Unasur ( União de Nações Sul Americanas ), que foi muito importante e que hoje não tem nenhuma presença.
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Como a Argentina está lidando com a pandemia do coronavírus?
O governo na Argentina tem demonstrado com responsabilidade que podemos conter bastante o coronavírus em comparação com outros países da região. O presidente deixou claro que os mais importa são as vidas humanas e que a economia podemos recuperar. Dessa maneira, foram as a empresas, com a isenção de encargos patronais. Essas decisões para conter o percurso do coronavírus possibilitou que não tivemos a quantidade de mortes como em países vizinhos, como o Brasil.
A Argentina enfrenta hoje uma crise hídrica e cobra responsabilidade do Brasil. Por que?
No norte da Argentina, especificamente, no norte do litoral, estamos passando por um processo de seca bastante importante. Consideremos que há responsabilidade do Brasil pela depreciação de nossos montes(bioma argentino), o desmatamento da floresta amazônica, assim como a crise climática que estamos vivendo. A região é impactada pelas represas que existem na fronteira da Argentina com o Brasil, a Itaipu, no Rio Iguaçu e outras.
Quais medidas foram tomadas para conter essa crise hídrica?
Pedimos ao Brasil que reabra os portões de suas barragens para que a seca não seja tão grave. Apresentamos um projeto no Parlasul e nos reunimos com funcionários do Brasil e Paraguai para que as comportas sejam reabertas para regular o fluxo de água; assim como o projeto de declaração de crise hídrica e ambiental em nosso país
A senhora foi uma das parlamentares do Paralsul que protocolaram um projeto propondo que Jair Bolsonaro seja denunciado na Corte Penal Internacional, por que?
Pela contaminação de muitos brasileiros pelo vírus. Por não ter fechado a fronteira a tempo e isso levou a situação a se agravar. Fizemos essa denúncia já no início da pandemia porque se trata de um crime de lesa humanidade, não cuidar e não proteger os habitantes de seu país. Se tivesse tomado medidas contundentes desde o princípio as coisas poderiam ser bem diferentes. Nós vimos imagens muito tristes, duras, como a cavação de covas em lugares insólitos porque já não havia lugar em cemitérios. Vimos como o presidente Bolsonaro fazia manifestação nas ruas sem proteção colocando em risco todos em seu país. Esperamos que a Corte Internacional diga algo a respeito da irresponsabilidade do presidente Bolsonaro.
O destino da primeira viagem oficial do presidente da Argentina, Alberto Fernández, foi Israel e recentemente o governo adotou a definição de antissemitismo da Aliança Internacional para recordação do holocausto ( IHRA) na qual qualquer crítica relacionada ao Estado de Israel, até mesmo contra seus massacres perante ao povo palestino, é criminalizada. Há crescimento de influência sionista no governo?
Não acredito em influência sionista, penso que simplesmente o presidente apenas aceitou um convite pontual. Na Argentina, temos um grande respeito pela Palestina e o povo palestino. A Argentina reconhece o estado palestino há muitos anos e vai seguir mantendo essa posição. Creio que essa atitude, essa visita serviu somente para cumprir com uma situação protocolar.
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E a sua ligação pessoal com a causa palestina?
Quando eu era deputada nacional pertencia ao grupo parlamentar de apoio ao povo palestino e sempre tínhamos atividades no Congresso nacional.relacionadas com denúncias do que acontece na Palestina.
Em 2009, viajei à Palestina e sempre estou atenta e denunciando o que acontece lá. Sempre me relacionei com os embaixadores na Argentina e me mantive ciente do que se passa.
Este ano, participei do Encontro de Parlamentares por Al Quds ( Jerusalém), em Kuala Lampur, na Malásia, e estamos permanentemente denunciando e tomando posições conjuntas, emitindo comunicados e agora realizando atividades que são permitidas devido a pandemia, denunciando essa situação injusta que acontece com o povo palestino. Vamos seguir assim e ja temos atividades na América Latina.
Qual a expectativa a respeito do plano de Donald Trump, de anexação da Cisjordânia.
Repudiamos esse plano de anexação, acredito que isso precisa ser anulado por pressão internacional. Todo o mundo o vê com extrema preocupação o fato de que, de uma maneira muito grave e permanente, Israel segue saqueando o território palestino. E nós seguimos denunciando. O que irá ou não acontecer dependerá da pressão internacional, porque acredito que o Estado de Israel não responde a outra coisa que não são sejam seus interesses econômicos. Quer ficar com os melhores territórios da Palestina, os mais férteis, com mais água potável, territórios que não lhe pertencem. Vamos continuar com nossa pressão internacional e denunciando ainda mais fortemente nesse momento