O secretário de Estado norte-americano Mike Pompeo realizou uma visita de 3 dias à América do Sul de 17 a 19 de setembro de 2020.
Nos quatro países visitados – Suriname, Guiana, Brasil e Colômbia, a aliança contra o regime venezuelano liderado por Nicolás Maduro esteve no topo da agenda.
Às vésperas das eleições americanas, a breve visita de Pompeo teve como objetivo angariar para Trump os votos das comunidades anticastristas “gusanas” cubana e venezuelana que vivem na Flórida, estado americano que está no centro da disputa eleitoral.
Por esse motivo, autoridades brasileiras como o presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia, o ex-ministro de relações exteriores Aloysio Nunes e o ex-ministro de minas e energia Moreira Franco, criticaram a visita de Pompeu e a subserviência do Brasil aos interesses norte-americanos.
Além de votos para o presidente Trump nas eleições de novembro, a visita tratou de dar continuidade a outros temas de caráter mais permanente: a recolonização econômica e a “segurança” regional sob a hegemonia norte-americana.
Nas reuniões com os recém eleitos presidentes do Suriname Chan Santokhi e da Guiana Irfaan Ali, foi tratada a exploração de petróleo por multinacionais norte-americanas.
No Brasil, Pompeo alertou o chanceler brasileiro Ernesto Araújo sobre a necessidade de manter as redes de comunicação brasileiras “seguras” do perigo representado pela China através do 5G.
Pompeo também visitou a sede da “Operação Acolhida”para refugiados venezuelanos. Segundo o Itamaraty, o Brasil gastou US$ 400 milhões com essa operação, dos quais US$ 80 milhões foram pagos pelo governo americano. Vale lembrar que a maior parte desses recursos nunca chegou aos refugiados venezuelanos já que foram destinados à ampliação significativa da presença das forças armadas brasileiras que submetem os refugiados a verdadeiros campos de concentração sem acesso ao público.
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Na Colômbia esteve em pauta o acordo bilateral denominado “Colômbia Cresce” firmado entre os dois países há um mês. O objetivo do famigerado acordo é atender os interesses norte-americanos em várias áreas: controle da produção e exportação de cocaína, investimento na mineração de ouro e cobre, entre outros.
América para os norte-americanos
A visita de Pompeo dá continuidade à Doutrina Monroe de 1823 que resultou em uma série de ações colonialistas pelos Estados Unidos na América Latina entre as quais o roubo de metade do território mexicano em 1846, intervenções econômicas e militares em vários países, e um longo etcetara.
Durante a gestão Trump tivemos, por exemplo, a formação do “Grupo de Lima” em agosto de 2017 no qual vários países latino-americanos sob orientação dos Estados Unidos constituem uma aliança contra a Venezuela.
Tivemos também três conferências ministeriais hemisféricas de luta contra o “terrorismo” (Washington em dezembro/2018, Buenos Aires em julho/2019 e Bogotá em janeiro/2020) nas quais, os Estados Unidos buscam disciplinar todos os países da região ao redor de sua agenda. Além de tratar grupos guerrilheiros como o ELN colombiano e o Sendero Luminoso peruano como terroristas, os documentos dessas conferências “expressaram preocupação com as atividades que redes do Hezbollah continuam a realizar em algumas áreas do hemisfério ocidental. Saudaram as ações recentes de Estados da região no sentido de contra-arrestar as atividades das redes do Hezbollah. Também instaram outros governos a buscar formas mais efetivas de tratar dessa ameaça”.
A questão do Hezbollah foi introduzida pelos Estados Unidos que acusam, sem apresentar provas, o partido libanês de ser o responsável pela explosão do edifício da AMIA em Buenos Aires em 1994. Já as autoridades argentinas mantém sob sigilo os arquivos sobre a investigação impedindo assim que organizações de direitos humanos e populares tenham acesso aos fatos apurados. Cabe ao povo argentino ter acesso a todas as informações e julgar se o Hezbollah teve alguma participação na explosão, e não ao imperialismo norte-americano. Assim como cabe ao povo libanês e sírio julgar as ações do Hezbollah em favor do regime sectário libanês e em favor da ditadura síria, e não aos Estados Unidos ou à França.
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Outra aberração dessas conferências contra o “terrorismo” é a participação do Estado de Israel no terceiro encontro com o caráter de observador. Além de não integrar o continente americano, o Estado sionista é conhecido por aplicar políticas de terrorismo de estado contra o povo palestino.
Por fim é importante notar que a subserviência aos interesses americanos não é exclusividade dos governos de ultra-direita da América Latina. Sob pressão dos Estados Unidos o presidente Lula promulgou a lei de drogas de 2006 que triplicou o encarceramento em massa no Brasil, e a presidenta Dilma promulgou a lei antiterrorismo em 2016.
A América Latina precisa da segunda independência
No século XIX, uma série de revoltas e revoluções libertou a maioria dos países que hoje compõem a América Latina. No entanto esse processo de independência manteve as economias latino-americanas subordinadas ao mercado mundial hegemonizado então pelo colonialismo europeu e posteriormente pelo imperialismo americano. E manteve também uma elite racista branca no poder.
Para romper com essa subordinação econômica e política é necessária uma segunda independência. No entanto nenhum regime latinoamericano luta por esse objetivo. Ao contrário, todos buscam uma acomodação com os Estados Unidos.
O caso recente da eleição do presidente do BIRD (Banco Interamericano de Reconstrução e Desenvolvimento) é um exemplo. O governo americano conseguiu indicar o novo presidente que, de forma ainda mais aberta e escancarada, vai aplicar as políticas de interesse de Washington, entre as quais o veto às redes de comunicação baseadas na tecnologia 5G chinesa.
Nem o regime venezuelano escapa dessa lógica de subordinação. Recentemente o presidente Nicolás Maduro, sob pressão dos Estados Unidos, libertou uma série de presos ligados aos partidos burgueses “esquálidos” mas manteve encarcerados trabalhadores e líderes populares que organizaram protestos por melhores condições de vida.
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Por esse motivo, trabalhadores da empresa petrolífera venezuelana PDVSA realizaram uma manifestação no último dia 9 de setembro na cidade de Puerto La Cruz na qual os dirigentes sindicais Eudis Girot e Luis Dias exigiram a imediata libertação de Bartolo Guerra, Marco Sabariego, Gil Mujica e Roni Alvarez.
Outro exemplo da política do regime venezuelano está na declaração do presidente Nicolás Maduro sobre eventual reunião com Donald Trump à Agência Venezuelana de Notícias (AVN) em 26 de julho de 2020:
“Assim como me reuni com Biden e conversamos de maneira respeitosa, também estaria, no momento que for necessário, disposto a conversar respeitosamente com o presidente Donald Trump. Da mesma forma que conversei com Biden, poderia conversar com Trump”
A conversa com Biden ocorreu no Brasil em 2015 por ocasião da posse da presidenta Dilma Roussef quando Biden era o vice-presidente dos Estados Unidos. Após a reunião com Biden, Maduro declarou em coletiva de imprensa:
“O que pedimos aos EUA? O que disse ao vice-presidente Biden. Disse-lhe mil vezes, em público e em particular: uma relação de respeito, mais nada”.
Fica claro que a luta pela segunda independência da América Latina não será feita por nenhum dos regimes capitalistas que dominam todos os países da América Latina. Restará às classes trabalhadoras, exploradas e oprimidas, levar a frente a ruptura com a ordem mundial colonialista para que a população possa usufruir das riquezas de toda a região.
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