Um enorme esquema de extorsão assola a vasta rede penitenciária administrada pelo regime sírio de Bashar al-Assad, no qual famílias de detidos são forçadas a pagar guardas e oficiais do governo para manter visitas ou garantir a soltura de seus entes queridos, revelou um relatório divulgado pela Associação de Detentos e Desaparecidos da Prisão de Sednaya (ADDPS).
Segundo o documento, guardas penitenciários, oficiais militares, juízes, entre outros servidores públicos recebem propina de familiares dos presos, em troca de informações sobre paradeiro ou condição de saúde, agendamento de visitas, fugas e contrabandos.
O suborno frequentemente envolve intermediários, que recebem uma comissão lucrativa, e varia de alguns dólares a até US$30.000 coagidos de famílias que vivem na diáspora. Em uma única prisão, indícios apontam para a circulação de até US$27 milhões em extorsões.
A corrupção generalizada é conhecida historicamente como elemento central da política síria e seu sistema carcerário. Entretanto, o relatório recente revela a verdadeira extensão da rede criminosa, que opera como fonte significativa de recursos ao aparato repressivo do regime.
Além disso, o documento prova que a prática é alimentada por pequenos pagamentos feitos a guardas da prisão que circulam o dinheiro às mais altas hierarquias públicas no esquema de corrupção, além de líderes paramilitares que lucram com este mecanismo.
A rede criminosa opera como um “governo profundo que manda na Síria, nos bastidores”, destacou Diab Serrih, autor do relatório e cofundador da ADDPS.
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“Trata-se de uma indústria de detenção. O regime sírio é construído sobre seus ramos de inteligência e segurança, mas paga salários baixos para encorajar a corrupção. As propinas financiam esta infraestrutura”, denunciou o ativista sírio.
O próprio Serrih é um ex-prisioneiro político na Síria, mantido em custódia do regime entre 2006 e 2011, quando eclodiu o levante sírio por democracia, cuja repressão brutal ordenada por Assad incorreu na guerra civil ainda em curso.
Após sua soltura, o ativista fugiu para a Turquia e vive hoje na Holanda.
Segundo relatos, a libertação de Serrih e diversos outros presos políticos foi uma tática aplicada pelo regime para limpar as prisões e abrir espaço a um novo influxo de manifestantes e ativistas, então detidos e torturados.
O sistema de extorsão utilizado pelo regime não serve apenas como bônus ilícito aos salários de oficiais corruptos, mas também como meio de driblar as sanções impostas pelos Estados Unidos e outros países da comunidade internacional.
Diversas figuras do regime estão inclusas no embargo, o que as impede de manter contas bancárias no exterior.
Entre os testemunhos presentes no relatório, está um homem identificado como Ahmad, detido e transferido entre nove prisões diferentes, dentro de apenas três anos. Para tentar resgatá-lo, sua família pagou um total de US$30.000, no período de sua prisão.
“Como muitas famílias, a minha continuava a pagar US$1.000 aqui e acolá, na esperança de que alguém pudesse lhes dar informações. Eventualmente, pagaram uma enorme soma a um advogado que lhes disse que aquilo era repartido entre um juiz e forças de segurança”.
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