Em 6 de fevereiro último, 104 membros da comunidade iazidi mortos pelo Daesh (Estado Islâmico) foram exumados e sepultados novamente em cerimônia realizada em Kocho, no distrito de Sinjar, norte do Iraque. Os iazidis que vivem em diferentes países da região reuniram-se na sexta-feira para prestar homenagens e velar seus mortos.
Historicamente, os iazidis sofrem da destruição sistemática e da privação de seus direitos religiosos e socioeconômicos. Estão entre os povos deslocados mais vulneráveis do Oriente Médio, sobretudo devido à sua identidade religiosa. Estima-se que ocorreram 74 ataques genocidas ao todo contra o povo iazidi, até então. O último de tais ataques aconteceu em 2014 e parece ainda ignorado pelos países da região e pela comunidade internacional.
Os iazidis são, de modo geral, uma minoria religiosa curda que vive principalmente no norte do Iraque, oeste do Irã, leste da Turquia e norte da Síria. Não há dados específicos, mas sua população é estimada entre 500 mil e um milhão de pessoas.
A religião dos iazidis inclui elementos do zoroastrismo (antiga fé persa), judaísmo, cristianismo e islamismo. Os iazidis frequentemente são difamados como “hereges” e “adoradores do diabo”, de modo que a minoria etnorreligiosa logo tornou-se alvo dos terroristas do Daesh. Em 3 de agosto de 2014, combatentes do grupo fundamentalista atacaram os iazidis em sua terra ancestral de Sinjar. Cerca de 500 mil pessoas viviam na região antes da invasão.
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Segundo o Escritório de Resgate Iazidi, o Daesh sequestrou 6.417 iazidis somente naquele mês, dos quais 3.451 foram resgatados ou fugiram. Contudo, pouco menos de três mil membros da comunidade ainda permanecem em cativeiro e desaparecidos, sem a menor pista sobre seu paradeiro. Mais de 2.700 crianças iazidis tornaram-se órfãs neste processo. Oitenta covas coletivas foram descobertas, até então.
A ONU estima que cinco mil iazidis foram mortos no massacre de 2014. A maioria dos assassinatos ocorreu nos primeiros dez dias da ocupação do Daesh sobre a região de Sinjar.
Vian Dakhil representa o povo iazidi no parlamento iraquiano. Na primeira semana de agosto de 2014, Dakhil caiu às lágrimas ao relatar a seus colegas no plenário: “Há iazidis que vivem hoje nas montanhas de Sinjar. Sr. Presidente, somos chacinados hoje sob a bandeira de ‘não há deus senão Allah’. Sr. Presidente, até então, quinhentos homens iazidis foram executados. Sr. Presidente, nossas mulheres são levadas e vendidas como escravas … Irmãos, para além de nossas disputas políticas, queremos solidariedade humanitária. Falo aqui em nome da humanidade. Salvem-nos! Por favor, socorro!”
Infelizmente, a maioria dos governos e organizações não ouviram seus apelos, uma vergonha para todos nós – uma vergonha para a humanidade. O Iraque e a comunidade internacional de fato fracassaram em proteger as inocentes vítimas iazidis. Alguns dias após o discurso de Dakhil, em 11 de agosto, o maior assassinato em massa contra o povo iazidi sucedeu-se em Kocho, onde mais de 700 pessoas foram executadas – mortas meramente por serem iazidis. O Daesh assassinou, sequestrou e escravizou milhares de homens, mulheres e crianças, além de deslocar populações inteiras a campos de refugiados.
Investigadores da ONU então divulgaram um relatório denominado “They Came to Destroy: [Daesh] Crimes against the Yazidis” (“Eles vieram para destruir: Os crimes [do Daesh] contra os iazidis”), no qual descreveram o genocídio cometido pelo grupo terrorista contra o povo iazidi em solo iraquiano. Em fevereiro de 2016, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução para corroborar com a classificação de crime de genocídio cometido contra iazidis, cristãos e outras minorias etnorreligiosas no Oriente Médio, perpetrado pelo Daesh. No mês seguinte, a Câmara dos Representantes dos Estados Unidos seguiu tais passos.
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Reconhecer os ataques do Daesh contra os iazidis como genocídio é bastante importante, mas não basta. Caso crimes de genocídio e violência sexual permaneçam impunes, o precedente de impunidade ameaça o próprio fundamento dos direitos humanos de grupos minoritários em todo o mundo. Deste modo, o governo iraquiano e a comunidade internacional têm o dever de agir com base em evidências para indiciar e condenar os responsáveis pelos crimes de lesa-humanidade executados pelo Daesh.
Sepultar novamente 104 iazidis mortos pelo Daesh pode representar parte de um rito de encerramento essencial. Após seis anos, ao menos alguns iazidis conseguiram enfim despedir-se devidamente de seus entes queridos. Lembrem-se, contudo, que cerca de três mil iazidis ainda estão desaparecidos. Não podemos esquecê-los, pois trata-se de algo crucial para mobilizar nosso apoio e solidariedade aos iazidis, a fim de garantir que os mortos e desaparecidos obtenham justiça.
Cada vez que ocorre um genocídio, o mundo todo afirma “nunca mais”. Após o genocídio iazidi em 2014, “nunca mais” deveria significar de fato “nunca mais”.
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