A China apoiou a luta palestina logo às vésperas da criação de Israel, em 1947. O passaporte israelense somente foi reconhecido por Pequim na década de 1980. Até então, israelenses com passaporte sionista não poderiam receber visto para entrar na China, salvo dupla cidadania. A ruptura sino-soviética, nas décadas de 1960 e 1970, abriu espaço a uma política de engajamento com a China sob o governo de Richard Nixon – o que ficou conhecido como diplomacia do pingue-pongue. A normalização entre Washington e Pequim imediatamente melhorou as relações chinesas com Israel. Entretanto, laços diplomáticos entre o estado da ocupação e a nação asiática foram estabelecidos somente em 1992.
O então Presidente da China Jiang Zeming visitou Israel no ano 2000 e teve contrapartida de quatro presidentes e três premiês israelenses, incluindo o atual primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Alguns acadêmicos alegam que a diplomacia chinesa com a ocupação emergiu das contribuições israelenses à humanidade, sua capacidade de sobrevivência, a partilha de valores comuns aos povos, como família, modéstia, trabalho duro e educação, e por ambos serem produto de civilizações antigas. Matan Vilnai, ex-embaixador de Israel na China, assevera: “Somos importantes a eles [China], pois nos enxergam como ponte à América. Os chineses estão convencidos de nossa influência nos Estados Unidos sobre coisas que lhes interessam”.
As relações sino-israelenses cresceram rapidamente, ao mesmo tempo que Israel desfruta de um laço especial com Washington há muitas e muitas décadas. Israel representa o grande aliado estratégico dos Estados Unidos no Oriente Médio, uma parceria geopolítica moldada por uma afinidade ímpar. A China possui diversos projetos econômicos e militares com o estado sionista. Concordo com a observação de Vilnai sobre os interesses chineses em Israel, sobretudo à medida que este busca usufruir das vantagens econômicas da chamada Iniciativa do Cinturão e Rota – ou “Um cinturão, uma rota”, como promovida por Pequim. Contudo, os Estados Unidos continuam a pressionar Israel para cancelar diversos projetos sensíveis em parceria com a China. A estratégia portuária chinesa no estado ocupante é um dos grandes projetos estratégicos da Iniciativa do Cinturão e Rota. Washington jamais conseguiu frustrar o projeto portuário chinês para o porto de Haifa, localizado na costa norte do território considerado Israel. Haifa é um dos principais portos israelenses, além de Ashdod e Eilat. A 6ª Frota dos Estados Unidos – ou Força Naval dos Estados Unidos para Europa e África, que cobre quase metade do Oceano Atlântico, do Ártico à Antártida, além dos mares Adriático, Báltico, Barents, Negro, Cáspio, Mediterrâneo e Norte, com sede em Nápole, Itália – visita regularmente o porto de Haifa.
Como se não bastasse, o porto de Haifa é sede da própria marinha israelense e inclui uma nova instalação para abrigar novos submarinos classe Dolphin. Haifa regularmente recebe também simulações e exercícios navais em parceria israelo-americana, além da visita de embarcações dos Estados Unidos. Um novo terminal com área de 830 m² está em desenvolvimento desde 2019. O projeto é tarefa do Grupo Portuário Internacional de Xangai, sob jurisdição da Comissão Estatal para Supervisão e Administração dos Ativos do Estado da China (SASAC), como maior acionista. A empresa possui direitos operacionais no terminal israelense por 25 anos, assim que a estrutura estiver concluída. O terminal fica apenas a um quilômetro de distância da doca onde a 6ª Frota dos Estados Unidos atraca quando chega à região. A proximidade incitou receios de segurança e inteligência por parte de Washington. Tamanha concessão do porto de Haifa de fato provocou tensões entre Israel e Estados Unidos.
O acordo entre Israel e China outorgou à empresa de Xangai controle sobre o porto de Haifa por meio século, em troca de US$2 bilhões em investimentos no projeto. O ex-presidente americano Donald Trump alertou o premiê Netanyahu de que, caso não restringisse laços com a China, a relação de segurança entre Tel Aviv e Washington poderia ser afetada. Agências de inteligência dos Estados Unidos suscitaram temores de que a gestão chinesa do porto fosse capaz de prejudicar operações americanas na região. Trump não pôde, no entanto, atar as mãos de Netanyahu sobre essa questão. O projeto continua a avançar rapidamente e espera-se que seja concluído ainda em 2021. Há muitas especulações e rumores sobre a eventual reação da Casa Branca perante a conclusão do projeto portuário em Haifa. A marinha americana pode meramente deixar de atracar no porto israelense, após a tomada chinesa, até o fim deste ano.
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A situação se agravou durante a gestão Trump, quando o governo israelense recusou um pedido americano para permitir que sua guarda costeira inspecionasse indícios de vigilância chinesa no porto de Haifa. Trata-se de um verdadeiro teste às “relações especiais” entre Israel e Estados Unidos sobre o Oriente Médio. Há expectativas de que o governo do presidente Joe Biden retome a questão. Contudo, é tarde demais para que Washington possa interromper o projeto, às vésperas de estar concluído. Qual o próximo passo dos Estados Unidos sobre o porto de Haifa? Decidirá abandonar o local no futuro próximo, considerando implicações de segurança? Pode a relação israelo-americana declinar caso não haja um equilíbrio com a China? Joe Biden agirá com maior rigor sobre Israel do que seus antecessores? As respostas surgirão após a era 2021.
Publicado originalmente em Fórum Ásia e Oriente Médio
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