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Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

Palestina livre sim, ditadura nunca mais

Ato no Rio de Janeiro em solidariedade à Palestina, em julho de 2014 [Mídia Ninja]
Ato no Rio de Janeiro em solidariedade à Palestina, em julho de 2014 [Mídia Ninja]

Não é segredo para ninguém que Bolsonaro é uma ameaça permanente à democracia no Brasil. Assim como também não é segredo que é aliado explícito do Estado racista de Israel. Nestes tempos em que urge denunciar as atrocidades cometidas durante os anos de chumbo no Brasil – de 1964 a 1985 –, cabe lembrar que ditadura e sionismo sempre apertaram suas mãos sujas de sangue.

Essa ligação foi revelada em depoimento à Comissão Nacional da Verdade no dia 25 de março de 2014 pelo torturador Paulo Malhães – que morreu um mês depois de dar seu testemunho dos horrores da ditadura, em seu sítio na zona rural de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, numa provável queima de arquivo para ninguém botar defeito.

Malhães afirmou no ensejo que aprendeu lendo documentos israelenses, além de americanos e europeus, a criar redes de infiltrados para o Centro de Informação do Exército, através das torturas. Com um currículo extenso em prol da ditadura, que inclui ainda missões de extermínio, morte, ocultação de cadáveres e mutilação de corpos, essa foi uma de suas “tarefas” na Casa da Morte de Petrópolis – tentar aliciar opositores ao regime para transformarem-se em informantes da repressão.

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Na Comissão da Verdade Rubens Paiva de São Paulo, outra evidência da cumplicidade sionista é apontada pela Revista Piauí, edição de abril de 2014. A reportagem destaca que o assessor da comissão na Assembleia Legislativa, Ivan Seixas, “foi o responsável por encontrar um dos documentos mais importantes revelados até agora, a lista de pessoas que visitaram o Dops [Departamento de Ordem Política e Social, um dos aparelhos da repressão do Estado], nos anos 1970, que jazia no Arquivo Público de São Paulo. Os livros, com páginas amareladas, escritas com caligrafias variadas e enfeitadas com rabiscos e desenhos, parecem antigos cadernos de escola. Mostram, porém, que empresários e diplomatas dos governos americano, britânico, japonês, coreano e israelense frequentavam o centro de repressão política. Alguns eram habitués”.

[Midiacrucis/Hora do Povo]

[Midiacrucis/Hora do Povo]

Essa aliança com a ditadura foi selada ainda ao golpe de 1964. A Embaixada de Israel apresentou um documento saudando a “agilidade no planejamento e implementação” logo em 1° de abril de 1964. Pouco mais de um ano depois, em outro ofício, Aryeh Eshel, diretor de Assuntos Latino-americanos do Ministério de Relações Exteriores de Israel, escreveu que esperava “que o regime atual no Brasil” perdurasse. É o que enfatiza o advogado israelense e ativista de direitos humanos Eitay Mack em artigo publicado no blog +972 Magazine no mês de novembro de 2018, na esteira da eleição do apologista ao regime de exceção Bolsonaro, saudada por Netanyahu.

Conforme ele, documentos nos arquivos oficiais sionistas revelam as pretensões de Israel ao apoiar a ditadura. Além da venda de armas – os militares brasileiros portavam, por exemplo, submetralhadoras Uzi –, “diplomatas israelenses no Brasil concentraram seus esforços na hasbara [relações públicas]”. A propaganda localizava o Estado sionista como parceiro na luta contra o “terrorismo global”. Entre as falsas ideias nessa direção, a de que a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) estaria envolvida no treinamento de grupos guerrilheiros no Brasil. Israel também realizou “repetidas conversações sobre a mudança da embaixada brasileira para Jerusalém” – o que se recuperou com Bolsonaro.

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Apenas quatro meses após o golpe militar, o Brasil firmou seu primeiro pacto nuclear com Israel, o qual enviava cientistas para atuarem em território nacional. Acordos complementares foram assinados em 1966, 1967 e 1974.

“Vivemos da morte”

Mack denunciou no artigo: “O Estado de Israel forneceu armas e treinamento aos agentes da ditadura, não só no Brasil, mas em toda a América Latina. Documentos indicam que a negociação incluía desde sistemas de inteligência e comunicação a navios e mesmo helicópteros militares.”

É o que consta do livro “El Estado de Israel armó las dictaduras em América Latina”, de Israel Shanak (Buenos Aires: Editorial Canaan, 2007). Na obra, censurada no Estado sionista, o autor enfatiza o papel de Israel de “provedor de armas e aliado dos regimes mais depreciados e odiados do mundo inteiro”. Shanak nasceu em Varsóvia, na Polônia, em 1933, e imigrou para a Palestina em 1948 – ano da Nakba (catástrofe com a criação do Estado de Israel mediante limpeza étnica planejada). Em suas próprias palavras, foi “parte integral do establishment” sionista.

Em longo ensaio escrito em 1981 e reproduzido na publicação, ele cita artigo do The New York Times que demonstra que Israel passara consequentemente a ocupar a sétima posição no ranking global dos exportadores de armas. “O que significa dizer que cada vez mais vivemos da morte e destruição de outros povos: palestinos aqui e muitos outros no resto do mundo.”

Os brasileiros conhecem bem esta realidade. Se à ditadura as armas sionistas estavam nas mãos dos militares, agora são fornecidas pelos governos para as polícias ao genocídio pobre e negro nas periferias do País.

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Pragmatismo diplomático

Chama atenção que, em meio a essa aliança, no ano de 1975 retoma-se no Brasil pragmatismo que separava diplomacia de acordos econômicos, o qual perdurou até Bolsonaro assumir o poder. Ou seja, mudava a retórica, mas não necessariamente a compra de armas. Tanto que o País se tornou nos últimos anos o quinto maior importador de tecnologia militar israelense.

Em 1975, nessa linha, o interesse era, segundo explicita Mack, “cultivar laços com os países árabes, especialmente com os produtores de petróleo”. Demonstração cabal foi que em 10 de novembro do mesmo ano o Brasil votou a favor da Resolução 3.379 da Assembleia Geral das Nações Unidas que considerava o sionismo “uma forma de racismo e discriminação racial” – a qual foi anulada em 1991.

Israel, por sua natureza colonial e racista, tem contribuído com o que há de pior no mundo. Coerente, portanto, que quem faz apologia à ditadura no Brasil hoje levante sua bandeira.

Por outro lado, a causa palestina, por princípio, se comunga com todas as lutas justas. Assim foi tratada por aqueles que se enfrentaram com a ditadura civil-militar no País.

O clamor no Brasil por “ditadura nunca mais” em meio ao desgoverno genocida que ameaça as liberdades democráticas duramente conquistadas vai ao encontro, portanto, do chamado à solidariedade internacional pela Palestina livre, do rio ao mar.

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Levantar essas bandeiras ao tempo de denunciar a cumplicidade sionista com o regime autoritário e repudiar Bolsonaro é honrar a memória daqueles que deram sua vida para que artigos como este possam ser publicados hoje. É ainda homenagear a heroica resistência palestina, que segue a inspirar os que lutam contra a opressão e exploração em todo o mundo.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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