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Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

Crescem as denúncias do apartheid israelense, mas também a cumplicidade do Brasil

O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, e o primeiro-ministro israelense, Benajmin Netanyahu, em Israel, 31 de março de 2019 [Alan Santos/Presidência da República/AbR]
O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, e o primeiro-ministro israelense, Benajmin Netanyahu, em Israel, 31 de março de 2019 [Alan Santos/Presidência da República/AbR]

Depois da Anistia Internacional e da ONG israelense BT´Selem, esta semana foi a vez da Human Rights Watch reconhecer o racismo e apartheid sionistas que os palestinos vêm denunciando há tempos. Enquanto crescem as denúncias internacionais ante a segregação descarada e escancarada com a pandemia, o Brasil sob Bolsonaro segue a apertar mãos sujas de sangue palestino.

Em 27 de abril último, em seu twitter, a página “Israel no Brasil” informou sobre reunião do encarregado de negócios da Embaixada de Israel em Brasília, Shmulik Bass, e do chefe do Departamento Político, David Atar, com o assessor especial para assuntos internacionais de Bolsonaro, Filipe Garcia Martins, para “tratar sobre um estreitamento da relação entre Brasil e Israel em diversos setores”. Sem mais detalhes, a nota revela a contínua cumplicidade nacional e ampliação de acordos com o regime institucionalizado de apartheid sionista. A referência pode incluir, por exemplo, os acordos que Bolsonaro tenta emplacar na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara, como à cooperação em “questões relacionadas à defesa” (MSC 371/2019).

Além de passar para a história como o responsável pela morte de milhares de brasileiros por suas decisões na pandemia, o capitão do Exército reformado alçado à Presidência ficará marcado como aquele que se aliou ao que há de pior no mundo e seguiu a sustentar o apartheid em acordos inclusive militares, mesmo quando as vendas começaram a ser retiradas. Quiçá ainda poderá merecidamente ocupar o banco dos réus no Tribunal Penal Internacional (TPI), ao lado de seu parceiro Israel, que tenta se safar de julgamento por seus crimes contra a humanidade.

Mesmas ladainhas

Enquanto o assessor de Bolsonaro recebia Bass para estreitar relações no mesmo dia em que o mundo divulgava em manchetes a conclusão da Human Rights Watch, o representante sionista corria a classificar as afirmações da HRW como “fictícias” e inventadas, “absurdas e falsas”, segundo reportagem do Correio Braziliense publicada em 28 de abril.

Palavras praticamente idênticas às proferidas pelo Ministério de Relações Internacionais de Israel, na tentativa de desqualificar a denúncia, expressa em relatório detalhado intitulado “Um limite cruzado: autoridades israelenses e os crimes de apartheid e perseguição”, com 213 páginas. O que é praxe desse Estado colonial, fundado em falsificação histórica, representações e mitologias para a limpeza étnica sistemática na contínua Nakba – a catástrofe consolidada com a criação de Israel em 15 de maio de 1948 mediante limpeza étnica planejada. Também é praxe inventar alguma ameaça inexistente para desviar a atenção e seguir com sua política de morte, como tem feito agora. O foco novamente é Gaza, como mostra reportagem do Monitor do Oriente.

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Os defensores desse Estado de apartheid, Bolsonaro incluído, repetem ladainhas a cada nova denúncia. Foi assim com a abertura de investigação pelo TPI. Foi assim com a denúncia da Anistia Internacional de racismo contra palestinos na vacinação contra a Covid-19 e de apartheid pela BT´Selem. Além da mentira de chamar de antissemitismo e chantagem para silenciar os críticos, culpam os que estão sob colonização criminosa por não ter havido avanços nas “negociações” – em que a alternativa à mesa sempre foi a “paz dos cemitérios” – e jogam com a presença da Autoridade Palestina (AP), para negar o regime de segregação e sua responsabilidade enquanto potência ocupante.

Ora, não é de hoje que os palestinos denunciam que não há qualquer autonomia e que na prática a AP – fundada a partir dos desastrosos Acordos de Oslo assinados em 1993 entre a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e Israel, sob intermediação do imperialismo estadunidense –, se tornou gerente da ocupação, com cooperação de segurança com o Estado sionista. A própria HRW, em seu relatório, recomenda que essa cooperação seja encerrada, por contribuir para “facilitar os crimes contra a humanidade do apartheid e da perseguição”. O que também os palestinos reivindicam há décadas – vozes que encontraram até agora ouvidos moucos.

Máscara começa a cair

Netanyahu tem jogado a imagem de bom moço de Israel no lixo, mantida pela “esquerda sionista” – que não abre mão da defesa desse Estado colonial e arquitetou de fato a limpeza étnica que segue. A diferença é que os crimes contra a humanidade de Israel eram maquiados por retórica mais palatável quando da “esquerda sionista” no governo. E a chamada “comunidade internacional”, cúmplice da situação em que se encontram os palestinos, até denunciava, como mostram inúmeras resoluções da Organização das Nações Unidas (ONU), mas ainda insistia na ideia de responsabilidade dos dois lados por encontrar a suposta paz. Assim, evitava dar nome aos bois. A máscara agora começa a cair.

Embora organizações como a HRW concentrem as denúncias sobre o que ocorre nos territórios palestinos ocupados em 1967, ignorando o crime basilar em 1948, revelam o apartheid institucionalizado além das fronteiras “reconhecidas internacionalmente” – em apenas 22% da Palestina histórica, ou seja Cisjordânia, Gaza e Jerusalém Oriental.

O relatório da Human Rights Watch, por exemplo, não só traz na contextualização as expulsões e destruição durante a Nakba, como descreve a política de “judaizar as regiões da Galileia e do Negev” – localizadas onde hoje é Israel e que abrangem grande parte da população palestina. “Haaretz [o jornal israelense] descreveu os esforços para desenvolver essas áreas como possivelmente o ‘maior esforço de assentamento dentro da Linha Verde [definida no armistício em 1949, que separa os territórios ocupados em 1948 dos de 1967] nos últimos 25 anos’”.

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Vacinação, um exemplo da segregação

Na mesma semana em que a Human Rights Watch divulgou seu relatório, outra notícia podia ser vista nos jornais: um dia sem mortes por Covid-19 em Israel, em função da “campanha bem-sucedida de imunização”.

Enquanto isso, apenas 0,9% dos palestinos haviam sido vacinados. Diante do apartheid sanitário, como noticiou a BBC, “em média, morrem atualmente 25 pessoas por dia de Covid na Palestina. São registrados cerca de 1.600 novos casos, quase dez vezes mais do que Israel”.

Somente em Gaza, que abrange população de 2 milhões de habitantes sob bloqueio desumano sionista há quase 14 anos e bombardeios frequentes, são mais de mil casos notificados por dia. Como há carência de tudo, inclusive testes, esse número deve ser tristemente bem maior. E poucos milhares de vacinas chegaram até o momento. Além disso, 70% da população está desempregada. Como no Brasil, os palestinos estão entre morrer de fome ou de doença. Aqui em função das políticas genocidas do parceiro Bolsonaro; lá, do apartheid.

Enquanto os palestinos esperam por vacinas, em 19 de abril, Israel assinou contrato com a farmacêutica americana Pfizer para obter mais milhões de doses para seguir com a campanha até final de 2022. Na punição coletiva, os palestinos estão na rebarba da fila. Na limpeza étnica, a pandemia se torna mais um instrumento.

Recomendação importante a empresas e países feita no relatório da HRW e de outras organizações, na direção do boicote aos moldes da campanha de solidariedade internacional que ajudou a pôr fim ao apartheid na África do Sul nos anos 1990, pode começar a mudar esse cenário e isolar política, econômica e culturalmente o Estado de Israel. Passo necessário e urgente, rumo à justiça, não à “paz dos cemitérios”. Rumo à Palestina livre, do rio ao mar.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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